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Manifestação na Paulista: educação não é mercadoria (mas deveria ser)

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Uma manifestação de estudantes (ou mais corretamente, de alunos) na Av. Paulista fechou os dois sentidos da Avenida (4 pistas de cada lado) nesta manhã.

Uma foto de Carolina Ercolin para a Jovem Pan mostra que havia bem poucos manifestantes para fechar toda a Avenida. É uma constante de certos movimentos forçar uma “manifestação popular” maior do que todo o efetivo de populares que usufrui da Avenida todo dia, e quando a polícia é acionada para liberar a Avenida, grita-se imediatamente, com um enxame de celulares à mão, que a polícia está coibindo uma manifestação popular, ignorando-se todos os populares que não aparecem em seus celulares, presos no trânsito.

manifestação estudantes paulista carolina ercolin

Os alunos reclamam de uma medida do governador tucano Geraldo Alckmin que propõe reestruturar as escolas a partir de 2016, exigindo que cada escola se concentre em um ciclo de ensino. Uma escola só cuidaria de educação básica, outra apenas do ensino médio e assim por diante.

Tal medida é a típica proposta de setorização tão defendida, via de regra, pela esquerda, que acredita em providências como a diminuição de alunos por sala, a especialização de professores em uma área etc. De maneira estranha, essa mesma proposta é recusada agora pela esquerda. Ou, quando se lembra que é uma medida proposta por um tucano, a estranheza some, visto que a revolta vem antes da coerência com o que sempre se defendeu.

Ainda mais claro quando se percebe que qualquer medida contrária a um tucano vai gerar (ou ao menos costuma gerar) espólios políticos a serem pilhados por seus opositores, que não costumam ganhar argumentos com pranchetas de custo ou coerência discursiva, mas com um vitimismo que sempre se pinta a si próprios como mártires contra uma força policial “autoritária”.

Contudo, os grupos do protesto “temem que isso diminua a contratação de professores, deixe as salas de aula lotadas e dificulte o acesso de alunos a escolas (caso eles não estejam perto de instituições com a série correspondente após a reforma), aumentando a evasão escolar”, de acordo com a Jovem Pan.

De acordo com a PM, havia “no mínimo 30 black blocs” infiltrados. As fotos da Jovem Pan mostram com facilidade alguns “estudantes” que não parecem muito interessados em debater a diminuição da contratação de professores, ou em ajudar a lotar salas de aulas, ou no acesso de alunos a escolas (a bem da verdade, estavam bem afastados das suas). Parecem ser argumentos bem pouco polêmicos ou perigosos para exigir que alguém cubra o rosto.

No livro Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, escrevo que, na verdade, toda manifestação é black bloc. Os movimentos de massa, ou seja, os protestos com estas pautas gelatinosas, sem um foco coerente e objetivo, têm apenas uma desculpa inicial para tomar as ruas, para logo gerar quebra-quebra – o que é usado como propaganda política usando pessoas como peões para tentar imputar alguma agressão às forças policiais.

Mesmo que não logrem êxito nenhum nos pseudo-objetivos das manifestações (a reestruturação do ensino, a diminuição de 20 centavos no preço da passagem etc), ganha-se um discurso que conquista tudo pela força black bloc, justificado por aparentar ser vítima de truculência alheia. Não à toa, sempre que são presos, uma vastidão de celulares aparece filmando sua prisão, como flagra a reportagem da Jovem Pan. Sua própria violência nunca é filmada.

Este movimento de massa, longe de ter acabado nas manifestações de 2013, continua a ser um modo de fazer política em 2015, e ainda quase não compreendido pela inteligência nacional.

Educação não é mercadoria

Como é costume, uma desculparia foi repetida como mote a ser repetido: a de que “educação não é mercadoria”. Há pouco a ser extraído de verdade deste refrão como mote: a manifestação dizia respeito às escolas públicas (que não são “pagas”, ao menos não diretamente) e nada correlacionado com a reestruturação das escolas causando alguma espécie de “mercado” na educação.

Entretanto, há uma verdade a ser extraída de seu oposto.

educação mercadoria

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Educação não é mercadoria, mas deveria ser. Seria uma educação muito melhor se fosse mercadoria.

Mercadoria, por definição (é como começa “O Capital”), é algo desejado pelas outras pessoas. Tão desejado que as pessoas se sacrificam e até dão livremente algo suado em troca deste objeto de desejo: seu dinheiro.

Bem sabia Sócrates que só começamos a pensar corretamente, em busca da verdade intelectual, quando começamos definindo corretamente do que estamos falando. Mercadoria, portanto, é algo desejável. Como comida. Como um bom livro. Como um computador que facilite o nosso trabalho. Como um plano de previdência. Como um curso de idiomas ou um serviço de comodidades em uma viagem. Como qualquer coisa pela qual trabalhamos para ter.

Mercadoria, por definição, é isso: algo que desejamos livremente.

É exatamente o oposto de serviços estatais, ou as coisas que o Estado nos força a comprar, através de impostos. Como o “vale cultura para comprar revista porcaria” da Marta Suplicy. Aquilo não é mercadoria, porque não desejamos. Só compramos justamente porque somos impostos a tal. De livre vontade, nunca pagaríamos por nada do que somos forçados a comprar por burocratas e políticos, muitas vezes sem nem ver. Porque não somos antas. Como os filmes que a Petrobras financia todo ano, muitos nem sequer finalizados. O que é, na verdade, uma bênção.

Há certo tempo, vimos no Jornal Nacional uma reportagem sobre o sistema educacional japonês, em que as crianças ficam na escola até tarde. Não porque uma lei as obrigou a ter horário integral, mas porque as escolas oferecem coisas que os alunos querem. Aulas de música. De artes marciais. Etc etc.

Ensino de verdade, de coisas que muitas crianças brasileiras sonham podem fazer, e só não fazem porque não podem pagar. E aí, caem no crime e na propaganda travestida de aula.

Aula que nem sequer explica que “não pagar” pela educação significa apenas pagar por ela e para políticos que a gerenciam, sem nunca saber quanto está se gastando. Alguém aí acha que adicionando um político sai mais barato do que pagando apenas a educação? Alguém crê que um político gerencie melhor nosso dinheiro do que nós mesmos?

O ensino japonês é uma educação que é mercadoria. Que oferece algo bom para o estudante, que se aplica e se investe de disciplina de livre vontade para ficar na escola aprendendo.

O ensino brasileiro, tão defenestrado, mas que não aceita nenhuma mudança em direção ao que funciona na vida real da civilização lá fora, é um ensino imposto, uma educação que NÃO é mercadoria.

Mas os mesmos professores que defendem tal sistema acabam caindo na armadilha que vira propaganda partidária, e crêem não em definições escorreitas, mas apenas no valor psicológico atribuído por grupinhos de afinidade às palavras.

Assim, “mercadoria”, na boca dos “bem pensantes” de um país que nunca pensou bem (mas cujos bem pensantes criadores deste estado de coisas são tratados como anjos infalíveis), vira uma palavra a ser criticada a qualquer custo, como sinônimo próximo a “nazismo”, sem nunca perceberem que tudo o que estes próprios críticos da “educação de mercado” mais querem são, por natureza, mercadorias.

E assim caminhamos para o buraco, mas cheios de coleguinhas para nos acharem “críticos” por nunca termos uma crítica de fato aos discursos que repetimos bonivoidemente sem perceber como somos homogenicamente idênticos a todo mundo.

Como se vê, ainda em 2015 é preciso entender como funcionam os movimentos de massa, que ainda não são compreendidos em nosso país. E como um comportamento rebanhista apenas piora o próprio problema.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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