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Ocupação das escolas em São Paulo: 2013 voltou

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estudante preso

O famoso junho de 2013 no Brasil foi inspirado por diversos outros movimentos de ocupação de espaços públicos no mundo naquele momento, como o 15M espanhol (os Indignados) ou os protestos estudantis de 2012 no Chile. Mas nenhum movimento foi mais inspirador do que o Occupy Wall Street.

Na verdade, o Brasil viveu movimentos de “Ocupação” literal, como o Occupy, antes daquele fatídico junho. Tentaram o Ocupa Sampa, tão bem visto pela Folha, tentaram o Ocupa Rio, tão inflado pelo Passa Palavra, um dos sites de agitação política travestidos de “cultura”.

Uma das experiências mais bem sucedidas foi o Ocupa Estelita, em Recife, que permaneceu no noticiário como “Resiste Estelita” até outubro deste ano. Uma velha construção escangalhada no cais foi destacada para a conservação perene pela esquerda progressista. E assim permaneceu.

Sem ocupações com acampamentos permanentes, o jeito foi emular o Occupy Wall Street ocupando sem ocupar, ou seja, tomando as ruas seguidamente, sem grandes “folgas” entre os protestos. Os acampamentos do Occupy original se tornavam tão sujos e fétidos que nem a população que inicialmente aceitou seu discurso conseguia apoiá-los depois de poucos meses.

punk palácio bandeirantesO principal teórico do Occupy Wall Street foi o filósofo marxista esloveno Slavoj Žižek. Ele veio ao Brasil antes de junho de 2013 para explicar como se poderia criar um movimento análogo em nosso país. Outro grande teórico da agitação de massas em prol de uma causa social foi o filósofo marxista argentino Ernesto Laclau. Ambos, aliás, estavam meses antes do início do Ocupa Estelita na UFPE explicando suas teses e táticas.

Žižek especificamente fez a mais famosa “palestra” do Occupy, a conferência da “tinta vermelha”. Ela foi traduzida duas vezes em português e foi tão estudada pela esquerda que iria realizar o junho de 2013 que deu título à coleção da editora Boitempo que juntava os títulos de agitação política.

Nesta conferência, Žižek rebatia a quem argumentava que o Occupy não tinha propostas. E declarou: “Perguntaram qual é o nosso programa. Estamos aqui para nos divertir”. Um trecho:

A arte da política é também insistir em uma reivindicação concreta que, embora seja totalmente “realista”, rompe a ideologia hegemônica, ou seja, que, embora viável e legítima, na prática, é impossível (por exemplo, o direito a saúde universal nos EUA). Depois dos protestos de Wall Street, devemos mobilizar as pessoas para essas reivindicações, mas é muito importante manter distância do terreno pragmático das negociações e das propostas “realistas”. Não devemos esquecer que qualquer debate que se faça aqui e agora, continuará sendo feito no campo inimigo, e levará tempo para consolidar novos conteúdos. Tudo o que digamos agora poderão tirar de nós (recuperar); tudo menos o nosso silêncio. Este silêncio, esta recusa ao diálogo, aos abraços, é o nosso “terrorismo” tão ameaçador e sinistro como deve ser.

(grifos nossos)

Eis o que foi tão estudado no Brasil para gerar o junho de 2013, trocando-se o pedido “impossível” de saúde universal nos EUA (o Obamacare, que é desejado justamente por destruir a economia americana, deixando o povo mais pobre) pelo tema mais candente e que decidiu todas as eleições para a prefeitura de São Paulo nos últimos 15 anos: os transportes. Mas também com reivindicações impossíveis, como “passe livre”.

Isto tudo fora mapeado por ONGs, “coletivos”, organizações como o Fora do Eixo, partidos e agitadores quase “profissionais”, e reunido, antes de junho de 2013, no e-book Movimentos em Marcha, que discute os fracassos dos movimentos de massa anteriores (como a Marcha da Maconha) e como tudo deveria se focar em causas com mais apelo popular.

O grande tubo de ensaio foi o famoso “Churrascão da Gente Diferenciada”, ocorrido após um boato plantado na imprensa sobre uma possível estação de metrô em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Apesar de ter sido esquecido pelo noticiário, foi o evento que provou que a causa “impossível” a ser defendida da vez eram os transportes. O Movimento Passe Livre logo tomaria conta do noticiário.

estudante preso 2Isto é a chamada infowar, a guerra de narrativas no noticiário. Sem o apelo romântico do socialismo, esfacelado após a queda do Muro de Berlim, resta se focar não mais em propostas claras, mas em usar “defeitos” momentâneos no sistema atual para promover “ocupações” e políticas de reivindicação. Assim, consegue-se “socializar” a economia cada vez mais largamente através de críticas a aumento de preço em serviços ou afins. Mesmo que as contra-propostas sejam impossíveis – aliás, exatamente por não dialogarem no reino da possibilidade real.

Após esta primeira fase, é imprescindível criar confrontos com a polícia, o que também é estudado e deejado pelos criadores do movimento. Todos são assim, não só o Occupy ou junho de 2013. O tema mapeado para chamar a atenção das pessoas pouco importa – a esquerda chama isto de “foco no processo, não no resultado”.

Hoje, o tema mapeado por definição é a educação. E o inimigo comum permanece o mesmo daquele malfadado churrascão em Higienópolis: o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Assim que Alckmin moveu algo a respeito das escolas estaduais em São Paulo, começou um novo movimento de massa – com este termo técnico, referimo-nos apenas à massa aberta, sem pauta, sem objetivo além de fazer uma massa.

Foi assim já em outubro, quando a pauta – já tratada quase como uma desculpa – da educação se tornou um protesto “contra o governador”, já com os elementos do movimento de massa brasileiro, como a formação de black blocs. E é assim agora, com a ocupação das escolas, tratada pela imprensa pelo seu nome fantasia – a educação, o fechamento de escolas, um protesto pacífico de estudantes – e não pela sua causa social: um movimento de massa pedindo a estatização completa da educação, para que o Estado tome algo dos não-eleitores de alguém e dê para os eleitores.

E o roteiro se repete: confrontos com a polícia, que são provocados (quem precisa de “aula” no meio da rua, tirando carteiras de salas de aula para fechar avenidas? ou, como ocorreu hoje, “protestos” de vinte alunos que fecharam uma avenida expressa como a Giovanni Gronchi?), para tentar aumentar o apoio da população a uma causa que, até então, não ganha tanto apoio popular. Notícias de um movimento miado passam a tratar com uma negatividade extrema o governador e a polícia. Sindicatos, partidos, ONGs, agitadores e jornalistas passam a “representar” um dos lados.

https://twitter.com/TonhoDrinks/status/672143398573330434

E logo temos esta forma de fazer política, o movimento de massa, logrando êxito: mesmo com propostas impopulares, como a estatização absoluta, o sindicalismo, o socialismo ou os projetos de educação mais ideólogos do que relacionados minimamente com educação, ganha-se o apoio da população, descolada do que está sendo arquitetado por detrás do discurso de auto-promoção.

Pergunta rápida a quem está afirmando que a polícia fascista está agredindo apenas crianças que querme estudar, como se tivesse saído do quartel de mau humor: onde está a foto de um único adolescente sendo agredido pela polícia, neste reino de smartphones, cuja narrativa é curiosamente sempre oposta ao que filma?

unmaskedDescrevi todo este mecanismo dos movimentos de massa no meu livro, Por Trás da Máscara. Do Passe Livre aos Black Blocs, as Manifestações que Tomaram as Ruas do Brasil. Não é um livro sobre junho de 2013 ou sobre black blocs, mas sim sobre esta dinâmica de movimentos de massa, da política reivindicatória, da conquista de consciências pela infowar, da coletivização absoluta, da construção de inimigos, das narrativas plantadas, de manipulação do imaginário coletivo.

Ou seja: 2013, que chamo de “o ano mais incompreendido de toda a nossa história”, não acabou em 2013. O movimento de massa apenas adormeceu para voltar novamente quando outra oportunidade surgisse – oportunidade esta dada de mãos beijadas pela política de remanejamento do governo do estado de SP.

O movimento de massa não é passado: é uma forma de fazer política sem divisão de poderes que ainda será o grande modelo de atuação da esquerda nos anos vindouros – sobretudo pelo fracasso do discurso petista com a crise em que colocou o país.

Não se trata de uma tese nova, apenas de sua aplicação ao Brasil. Grandes intelectuais do passado, de Ortega y Gasset (A Rebelião das Massas), Elias Canetti (Massa e Poder), Eric Hoffer (The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements) ou Erik von Kuehnelt-Leddihn (Menace of the Herd) já haviam enxergado toda a dinâmica dos movimentos de massa em todo o século dos movimentos de massa, sabendo que sua “apresentação” oficial (o preço do pão na Revolução Francesa, os maus-tratos aos camponeses na Revolução Russa, a revanche alemã no Terceiro Reich, a corrupção ocidental na Revolução Iraniana) sempre é abandonada assim que se obtém uma pauta aberta, e o resultado é sempre o totalitarismo.

Já bem destacou Eric Hoffer que movimentos de massa não precisam marchar em nome de um Deus, mas sempre precisam de um grande demônio.

sakamoto ocupaçãoO triste é notar como a imprensa é parte disto, mesmo quando é apenas manipulada, e não manipuladora dos fatos. E a forma como as pessoas estão tentando analisar os fatos é sempre mediada, justamente, pela imprensa.

Neste momento, fica claro que o movimento não vai atingir nem 5% do apoio popular que aquele junho de 2013 teve – mas a tentativa persiste, e o método de agitação e reivindicação permanece ganhando simpatizantes, ainda que a causa das ruas hoje tenha um adversário absolutamente mais poderoso: o pedido popular de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Infelizmente, é ela que forma o imaginário coletivo – e a população, que apenas individualmente investiga aos poucos os detalhes da realidade, fica apenas com a narrativa a atacado, com o discurso cuidadosamente plantado para a defesa de um lado.

A alegada causa inicial é substituída rapidamente em movimentos de massa. Aqui, o coletivo "Juntos!", do PSOL, não usa o logo do partido para enganar a população, que crê serem apenas jovens. A anarquia e a ação direta são aventadas, ignorando-se qualquer questão de educação.

A alegada causa inicial é substituída rapidamente em movimentos de massa. Aqui, o coletivo “Juntos!”, do PSOL, não usa o logo do partido para enganar a população, que crê serem apenas jovens. A anarquia e a ação direta são aventadas, ignorando-se qualquer questão de educação.

Sempre usando alguma imperfeição de um adversário como pretexto, surge o discurso que varia do vitimismo ao revolucionário em questão de poucos dias. Trabalhando sentimentos, a mesma imprensa noticia ocupações ou passagens de Slavoj Žižek pelo Brasil, sem nunca explicar suas idéias, fazer conexões, traduzir ao público o que estes eventos significam em conjunto. Quem concatena os fatos é tratado como radical e fanático. A população, sem uma âncora, bóia à deriva, inábil para algo além de responder de maneira outra do que pelo reflexo imediato aos estímulos do ambiente direto. É o que chamo no meu livro de “Sentimento Difuso no Ar”.

Ainda ficamos sem ter quem pergunte, em larga escala, as perguntas que realmente incomodam: por que sempre que há confronto com a polícia, quem é “preso” parece ter passado há muito a idade do ensino médio? Qual o interesse dessas pessoas?

Por que sempre os mesmos agitadores estão nas mesmas arruaças? Por que os “artistas” que dão suporte até físico são rigorosamente os mesmos da Virada Cultural em São Paulo, indicados pelos conselhos do prefeito petista Fernando Haddad?

Por que o discurso deles sempre se repete, primeiro como farsa, depois como tragédia?

Como o governo federal da petista Dilma Rousseff planeja um corte de R$ 9 bilhões na Educação (“Pátria Educadora!”), o equivalente a 40% do orçamento das universidades, e já chegou a deixar alunos do Ciências Sem Fronteiras sem dinheiro no estrangeiro, mas ainda juram que o problema da educação é o Alckmin?

Se tudo isto ocorreu no governo federal, petista, por que não há uma unicazinha menção a impeachment ou uma criticazinha de soslaio também ao PT?

Será que estas pessoas estão pensando com a própria cabeça, ou obedecendo ordens de cima sem perceber, através do sentimentalismo imediatista de seguir por reflexo irrefletido qualquer manchete tratada como palavra de ordem por aí?

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Ah, e comprem meu livro.

Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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