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Militante do MPL: “Não existe possibilidade de vida sem transporte público”

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MPL Erica de Oliveira

A manifestante Érica de Oliveira, do MPL – Movimento Passe Livre, deu entrevista à Globo a respeito da manifestação desta terça-feira (19/01), que teve uma adesão e um apoio popular muito inferior aos outros protestos convocados pelo MPL.

Érica começou seu discurso falando sobre a vida na cidade, afiançando que “não existe vida na cidade sem mobilidade urbana”. Entre as cidades mais antigas do mundo, como Uruk, Eridu, Byblos, Jericó, Damasco, Aleppo, Jerusalém, Sidon, Atenas, Luoyang, Argos e Varasani, o conceito de “mobilidade urbana” não parecia desenvolvido – e há ainda menos registros de que ele envolvesse ônibus e metrô gratuitos para a população.

Em seguida, reforça e alarga sua tese, afiançando: “não existe possibilidade de vida sem transporte público”, asseverando que a vida humana só surgiu depois da SPTrans. Ou, talvez, toda a vida na biosfera.

Segundo Érica de Oliveira, o transporte é uma “mercadoria”, e “cruel”. Ele não pode e não deve ser considerado uma mercadoria. Hora de mais uma aula de #EconomiaForDummies.

Se queremos um transporte de qualidade, a coisa que mais precisamos fazer é obrigar o transporte a ser uma mercadoria, como devemos fazer o mesmo com a educação, saúde etc. Mercadorias, por definição, são as coisas que desejamos. Karl Marx mesmo inicia o seu Das Kapital definindo o que é uma mercadoria. Daí surgirão conceitos como o “fetiche” de mercadoria (uma espécie de “criação de desejos” de usufruir de objetos no capitalismo) e o tradicional veto da esquerda ao consumo, preferindo a subsistência.

Se queremos que algo seja bom, e não apenas subsistente e aos trancos e barrancos, portanto, devemos preferir tratar as coisas como mercadorias. Para a educação ser mercadoria (o que ela não é), por exemplo, ela precisa ser atraente, concorrer no mercado, ser melhor do que seus concorrentes, ou quem cuida da educação de má qualidade ficará sem lucro.

No modelo estatal, ou de escolas privadas obrigadas a se curvar ao plano educacional monopolista do MEC, quem oferece um serviço ruim continua com dinheiro. As piores escolas, as estatais, são aquelas que nunca irão falir e não precisam se esforçar para serem melhores, pois o dinheiro dos professores, diretores e gestores está garantindo, em completa independência dos resultados.

Elas ainda serão chamadas de “públicas” ou “gratuitas”, quando seus alunos pagam por elas sem controle sobre preços, já que os impostos não discriminam quanto se está pagando pelo que se é obrigado a comprar.

O mesmo é válido para os transportes: tanto os gestores do Estado quanto os empresários mancomunados em licitações para obter oligopólio do serviço já recebem antes de prover um bom serviço.

Sem concorrência, o usuário do transporte não tem como preferir boicotar um mau fornecedor do serviço e dar seu dinheiro para outro: o dinheiro do trabalhador e pagador de impostos já está no bolso do mau fornecedor, antes que ele sonhe em pagar passagem (que só cobre cerca da metade do valor do transporte, o outro já é pago só pela possibilidade de ter linhas de ônibus atendendo a cidade).

A própria Érica de Oliveira sabe de parte disso, ao afirmar que se paga pelo transporte “independente (sic) se é uma integração, se é uma gravidade (sic), se é um bilhete único mensal que seja”. Não se compreende como “gravidade” está elencanda entre as formas de bilhete, mas a situação verdadeira é até pior: não só a “cada vez que a catraca gira, o empresário do transporte ganha”, como ganha até antes de girar. Empresas de transporte ganham subsídio (nosso dinheiro) via Estado. São quase como empresas privadas que atuam como estatais, com seu péssimo serviço. E ainda podem lucrar privadamente.

Se há um problema com transporte em cidades como São Paulo ou se, na verdade, a vida (humana ou mesmo unicelular) só existe com transporte público, e ele está mal gerido, a chave é tirar o dinheiro dos empresários que fornecem um mau serviço.

Érica e o MPL crêem que o problema é com a possibilidade de alguém receber dinheiro por oferecer um serviço. Com efeito, Érica afirma taxativamente (com duplo sentido): “é isto que está em jogo: o lucro dos empresários”. Ou seja, o MPL não está interessado em qualidade do transporte, e sim em destruir o capitalismo. Seu principal objetivo é uma gestão socialista, e não a qualidade do transporte.

Se um empresário oferecer um transporte de qualidade por muito menos do que os R$ 3,50 atuais (R$ 1 que seja), o MPL não vai gostar. Seu objetivo non plus ultra não é transporte barato: é transporte “que não é mercadoria”, é transporte estatal. Mesmo que, em impostos, custe muito mais do que algum empreendedor pode oferecer, sem arrancar o suor do trabalho das pessoas antes mesmo de convencê-las a darem seu dinheiro livremente em troca de um bom serviço.

Érica quase vislumbra o caminho da sua salvação lógica, ao criticar que em São Paulo o “secretário dos Transportes [é] completamente vinculado às empresas de ônibus”. Ou seja, o monopólio de força do Estado ou provê um serviço preocupado apenas com os próprios cargos e benesses dos burocratas através de estatais, ou troca favores com o político: financia sua campanha, “ganha” uma licitação sem oferecer o melhor custo/benefício e qualidade e ainda ganha cargos políticos. Portanto, o transporte, hoje, não é mercadoria: não é algo desejado pelas pessoas. É político. É mandatório, compulsório e pouco preocupado com a população, a não ser na hora de obter votos.

Mas sua solução é mais problemática do que o problema atual: a “tarifa zero”, real Leitmotiv do MPL. Se o problema é criticar o lucro do empresário, o “capitalismo” (crendo que o problema de um sistema misto compulsório é justamente o quase nada de liberdade econômica de concorrência ainda permitido, e não o monopólio de transferência de dinheiro do trabalhador para o burocrata travestido de empresário), o que acontecerá se todo o serviço for estatal, e o transporte “deixar” de ser mercadoria?

O empresário atual apenas será o secretário de Transportes, com ainda mais poder, recebendo integralmente antes mesmo de oferecer um produto adequado e convencer o cliente a trocar uma parte do fruto do seu trabalho pelo serviço, concorrendo com outros que podem fazer melhor.

E toda a questão da mobilidade urbana, sem a qual os organismos humanos, animais, vegetais e dos reino Fungi, Protista e Monera morrem, fica resumida a torcer para que o secretário de Transportes ofereça um bom serviço e não aumente muito os impostos (o que poderá fazer, independentemente de votação), mesmo que ele já receba tudo o que precisa receber antes de pensar na população.

Este é o Movimento Passe Livre. Da biologia à torcida pela bondade de políticos. Torcer, e torcer muito.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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