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A conta de luz na Argentina aumentou mesmo 500% com Macri?

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protesto argentina

Uma reportagem da Folha nesta sexta (29/01) chamou a atenção dos brasileiros, quase unanimemente surpresos com as reformas e as mudanças do novo presidente da Argentina, o liberal Maurício Macri, que venceu décadas de kirscherismo e quase um século de peronismo.

Sua manchete estampava: “Aumento na conta de luz na Argentina poderá chegar a 500%”. Era, na verdade, continuação de uma notícia do dia anterior, cuja manchete era curiosamente muito mais positiva: “Argentina pode poupar R$ 10 bi com corte de subsídios de energia”.

Para um país acostumado a passar o dia discutindo política na internet, mas só ler manchetes e daí tirar conclusões mirabolantes, eventos fantásticos, teorias agigantadas e ilações avançadas, mas sem se dar ao trabalho de ler nem a reportagem de meia página sob a manchete (hábito freqüente de vários de nossos analistas políticos mais famosos), foi o prato cheio para uma onda conspiratória de ataques às reformas de Macri.

O primeiro presidente liberal da Argentina e um dos primeiros liberais da América do Sul em muito tempo (tendo como exceções basicamente Álvaro Uribe e Sebastián Piñera), Macri chamou a atenção por doar seu próprio salário, reduzir impostos e fazer o preço de carros como Audi cair pela metade, retirar o controle sobre a moeda (que se estabilizou em menos de 2 semanas, num processo que dura muitos meses até em países civilizados), dispensar o avião presidencial e voar em avião de carreira, suspender acordos comerciais com o Irã, autorizar o abatimento de aviões do tráfico e tantas outras medidas de liberalismo econômico que parecem estar transformando a Argentina num paraíso, exatamente ao contrário do discurso anti-liberdade comum à educação brasileira.

Para manter a crença de que o liberalismo é ruim para a sociedade, e que as pessoas não devem ter liberdade econômica, e sim serem controladas pelo Estado, a nossa esquerda preferiu atacar senão o resultado, o método de Macri para obter tais resultados. A conseqüência de tal tática também não logrou um convencimento adequado para quem lê algo além de manchetes:

https://www.facebook.com/CearaLibertario/photos/pb.425609270937243.-2207520000.1454188707./560073354157500/

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A única tática possível para atacar o liberalismo de Macri é ler apenas as manchetes e não o conteúdo das notícias. No caso, uma notícia de economia é ensejo para mais uma aula de #EconomiaForDummies.

O preço da energia elétrica era subsidiado na Argentina da socialista (linha bolivarianista-peronista) Cristina Kirchner. Maurício Macri retirou os subsídios. Era, na verdade, uma promessa de campanha, portanto nada surpreendente. Os argentinos, então, estão pagando mais pela energia elétrica no liberalismo?

Subsídios vêm de algum lugar. Não vieram do bolso da própria Cristina Kirchner e de seus empreendimentos por toda a Argentina (é quase impossível visitar o país sem lhe dar algum dinheiro em hotéis e serviços). Vieram do bolso dos próprios argentinos, através de impostos.

Quando se fala apenas em “subsídios”, esta abstração desconhecida do grande público, o funcionamento recai no reino do não-conhecido – e até hoje meio “mágico”, sem preocupação com causas e conseqüências.

Ao se falar que o governo Kirchner “dava subsídios”, tem-se a impressão de que o governo Kirchner fazia surgir riqueza do nada, este Robin Hood dono de uma pedra filosofal. Na verdade, apenas tomava dinheiro dos argentinos com impostos, gerenciava tal dinheiro com uma boa amonta de burocratas (gastando-se já rios de dinheiro no processo) e “dava” uns trocados em forma de subsídios.

Em outras palavras: se a conta de luz aumenta, o que o argentino paga no total (em outros impostos, que nem tem controle de seu destino) diminui drasticamente. Conta de luz mais alta, mas muito mais dinheiro sobrando na conta no fim do mês.

Pergunta número 1: quanto desse dinheiro ficava nos bolsos cheios de Kirchner e companhia?

Pergunta número 2: quanto desse dinheiro ficará agora nos bolsos dos argentinos, e não nos bolsos de Macri e companhia?

Pergunta número 3: quem sabe melhor como gerenciar o dinheiro dos pobres argentinos: os pobres argentinos, ou governantes e burocratas?

Pergunta número 4: ainda que tudo tenha sido gerenciado integralmente sem corrupção, qual o modelo em que os pobres argentinos mais terão dinheiro: aquele em que eles próprios escolhem como gastar ou aquele no qual eles pagam para burocratas e políticos decidirem como eles poderão gastar?

Em suma: como o modelo de Kirchner pode deixar os argentinos com mais dinheiro do que o de Macri? (o uso de uma pedra filosofal que transforme pedra em ouro não pode ser invocado por falta de existência)

As próprias reportagens da Folha, seguindo o modelo bipolar do jornal, estavam detalhando muito bem o caso, apesar da chamada de decorrências funestas da segunda reportagem.

mauricio macri esposaLá mesmo lemos que os subsídios significaram 4,8% do PIB argentino no ano passado (3,2% para o setor energético). Que a medida não vai afetar os mais pobres. Que a popularidade de 68% de Macri, portanto, não será afetada por isso. Que parte do eleitorado das classes mais altas considerava “até obsceno” o modelo social-democrata ou socialista bolivariano de subsídios, que fazia com que até os ricos pagassem pela conta de luz o equivalente a dois litros de leite.

Por conseguinte, é possível criticar a medida de Macri – desde com isso se queira criticar que o governo pare de tirar dinheiro das classes baixas para fazer com que os ricos paguem menos energia.

Isto explica porque até mesmo se fala que o corte de subsídios diminuirá a desigualdade – exatamente o oposto do que se aventa no Brasil. Afinal, o setor elétrico é unificado, e os ricos acabam sendo ainda mais beneficiados do que os pobres, por gastarem mais energia. Menos impostos significa mais equanimidade e justiça “social”.

Claro, ainda é possível que alguém prefira o modelo em que os governantes gerenciem a carteira ao invés dos cidadãos. É o modelo, no Brasil, de quase todos os partidos. É a crença de que devemos pagar impostos, como a CPMF, para burocratas cuidarem de nós, porque nós mesmos somos ruins e burros demais para isso. E caso o plano dê errado e entremos em crise, basta crer que faltaram impostos, e fazer um plano para pagarmos ainda mais impostos. E assim por diante.

O que Karl Marx definia como a única forma possível de acabar de fato com o capitalismo – e que estas pessoas, que flertam abertamente com o socialismo entre elas, mas tentam galhofar de quem pronuncia tal palavra proibida em pleno século XXI, parecem levar a cabo à perfeição.

Não à toa, os únicos a reclamarem das medidas foram justamente os burocratas que perderam vagas de trabalho não produtivas com as medidas de Macri. Ou seja, os que vivem de parasitar o trabalhador, gerenciando seu dinheiro sem oferecer nada em troca. O oposto perfeito de como se dão as transações num livre mercado – este palavrão para a mentalidade brasileira.

Estes só podem conseguir faturar altas somas no modelo estatal social ou socialista, não em um sistema de convencimento como o livre mercado.

Ou seja: pode-se ser de esquerda, contanto que se creia que o governo deva tirar dinheiro do povo inclusive para pagar conta de luz de rico e que ele é melhor do que o povo para não falir. E só lendo as manchetes de jornal, não o conteúdo – muito menos refletir sobre ele.

É bem provável que muitos continuem sendo esquerdistas por crerem mesmo que são absolutamente burros para cuidar de algo simples como gastar menos do que faturam ou para conseguirem pagar suas contas simples. É isto que significa a recusa do liberalismo capitalista.

Mas neste caso, recomenda-se pagar por um consultor, ao invés de burocratas. Consultores são pessoais, enquanto partidos socialistas valem para toda a sociedade – incluindo para nós, pessoas inteligentes, que não precisam ser forçadas a pagar para que alguém não seja tão estúpido quanto elas.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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