Digite para buscar

Delcídio: livreto da ópera-bufa

Compartilhar

delcidio amaral

O país ficou agitadíssimo com a deleção premiada ainda não homologada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), também chamada de “suposta delação”, em linguagem jornalística. Foram tantas notícias numa quinta-feira em que a revista Istoé antecipou a distribuição de sua revista (e em que seu site virou loteria, sendo derrubado a cada minuto de tantos acessos) que algum guia para compreender a ópera-bufa se faz necessário.

Um bom começo é sabotar Aristóteles e começar pelo fim: a resposta dos petistas às 400 páginas de documentos que podem virar a deleção de Delcídio.

https://twitter.com/flaviomorgen/status/705542562774441984

Nenhuma contra-prova, nenhuma acusação iniciando um bang-bang, nenhuma ameaça de processo por calúnia. O presidente do PT, Rui Falcão, saiu-se com a melhor: afirmou que é motivo para iniciar o processo… de expulsão de Delcídio do partido. O velho corno queimando o sofá. Alguns ataques mostram mais a retaguarda exposta do que seu poder de fogo.

Lula, Dilma, Cardozo e tantos outros acusados foram unânimes na economia de palavras (até mesmo os personagens tipicamente bocudos), preferindo a resposta lacônica. Todos atacaram as intenções de Delcídio, aduzindo que o senador estaria usando a delação para “se vingar”. Cardozo fala que foi “retaliação”.

Não se quer abusar do ensejo para uma complexa aula de Direito Penal, mas… bem, é esta a idéia, fellows. Quando se investiga uma quadrilha, prende-se o bandidinho mais leve e, em troca de suavização de sua pena, exige-se que ele entregue provas contra os bandidos maiores. Menos leitura de notícias de hora em hora, mais filmes de máfia.

https://twitter.com/flaviomorgen/status/705542163392757760

Prisão-de-GenoinoAtacar as intenções também é inútil do ponto de vista prático: os únicos a acharem que Delcídio do Amaral é um cidadão que vale mais do que uma poça de vômito são (ou eram)… petistas. Petistas pensam sob o comando central do Partido: Dirceu e Genoíno são “heróis” até mesmo depois de presos por tentar implantar uma ditadura bolivariana (é, aliás, o desejo da militância). Um deles saiu de casa para o camburão usando uma… toalha de mesa como capa de super-herói (repetindo: toalha. de. mesa. como. capa. de. super. herói.) na cara do mundo e a militância trata como normal. Mas o que querem as pessoas normais, que querem tirar o PT do poder, é se livrar justamente desse pensamento em que o Partido vem antes da investigação do que é Belo, Bom e Verdadeiro. Logo, estão se lixando pras motivações de Delcídio e nunca o tratarão como herói, ou minimamente confiável e admirável: querem apenas que ele caia atirando.

A jogada de Cardozo, o único com algo a dizer além de “Não, não, nã-não, nããÃÃãoOO”, foi tratar a delação como “não-delação”, como suposta delação, como jornalistas adoram escrever. A tese cola para jornalistas sem coragem e para a militância (quando um pode ser diferenciado do outro).

Mas até o Jornal Nacional lembrou que é óbvio que Delcídio não iria confirmá-la no momento – afinal, a investigação precisa ocorrer em sigilo. O deputado Wadih Damous (PT-RJ) aproveitou o subterfúgio para dar a entender que Delcídio iria negá-la e que tudo voltaria ao normal. Já o vice-líder do governo, o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), deixou no ar a grande dúvida: “A pergunta é: o senador Delcídio realmente fez a delação?”

Colóquio flácido para acalentar bovinos. Novamente, nenhuma palavra sobre a veracidade dos fatos, apenas uma dúvida no ar sobre a existência da delação, num momento jurídico-metafísico. É como ser acusado de bandido (aliás, é ser acusado de bandido) e obtemperar: “Mas fui mesmo acusado?”

O que cola, de fato, é a própria delação de Delcídio: nenhum fato novo que alguém não soubesse (apenas a militância desacredita, minimiza ou afirma que é culpa do Aécio conforme as circunstâncias). Apenas se está colando os caquinhos e se chegando a quem se quer chegar: Lula e Dilma. É a cola que faltava para unir o quebra-cabeça.

E se a delação de Delcídio for falsa ou blefe, o único a se prejudicar é ele próprio: sem provas, sua delação não vale nada, e ele não consegue dirimir sua pena. Se a delação “não existe” ou “não é oficial”, como se quer fazer crer, por que ele já teria atirado para todos os lados dos antigos companheiros até anteontem? E por que teria até dado provas (como a questão das câmeras de segurança) contra um membro do Judiciário, o desembargador Marcelo Navarro, que Delcídio afirma ter sido indicado para o STJ por ordem de Dilma para soltar presos da Lava-Jato? E por que Navarro, afinal, votou pela soltura?

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tentou a mesma saída, ironizando: “Não sei nem se ele fez delação… Ele vai fazer?”. Desculpa que dura poucos dias, apenas como o último argumento para evitar a maior mobilização popular da história da América Latina no dia 13 de março. O “respeite as urnas” atualizado.

Wadih Damous, também advogado de defesa de Dilma no processo de impeachment, fala claramente: “É um panfleto para convocação de uma manifestação fascista e golpista em 13 de março”. Nenhum petista é petista sem falar “fascista e golpista” num contexto de proteção das leis perante a tomada do Estado por um partido único.

Sobra um dado curioso na Folha, em reportagem que misteriosamente só é acessível na versão para celular do site, lemos que Dilma convocou uma reunião de emergência para saber como reagir à crise. Talvez fosse o caso de aparecer diante das câmeras e balbuciar alguma frase com sujeito, verbo e predicado que fizesse sentido para se explicar. Mas o que pode ser chamado de o “trabalho” de Dilma, hoje, é torrar combustível em seu jatinho para entregar casas do Minha Casa, Minha Vida e gastar as instituições e os caríssimos humanos que a ocupam para tentar ter mais dinheiro via impostos e poder – ou menor possibilidade de ser apeada dele.

Um deles chamou atenção no que diz a reportagem: “No caminho para a sala da chefe, o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) disse que não poderia fazer nenhum comentário sobre o tema porque ainda não havia lido a reportagem.” Se o “trabalho” destes cidadãos é apenas inventar discursos para manter a chefe no poder, o que ele havia feito, sendo ministro justamente da Secretaria de Governo (espécie de anotador de recados mais bem pago do país) que ainda não havia se dado ao trabalho de ler a reportagem antes de uma reunião sobre a reportagem?

Por fim, a jornalista que fez a reportagem foi acusada de ter um caso com um dos envolvidos pelos petistas. O chamado partido das minorias. Verificamos quantos blogs feministas saíram em defesa imediata da jornalista. Até agora, o total foi zero.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Contribua para manter o Senso Incomum no ar sendo nosso patrão através do Patreon

Não perca nossas análises culturais e políticas curtindo nossa página no Facebook 

E espalhe novos pensamentos seguindo nosso perfil no Twitter: @sensoinc

Saiba mais:







Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

  • 1
plugins premium WordPress