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Devolver o dinheiro do Aerodilma é suficiente?

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O deputado federal Fernando Francischini (Solidariedade/PR) publicou um vídeo em seu Facebook afirmando que vai entrar com ação de improbidade administrativa contra a presidente da república Dilma Rousseff, por ela ter usado dinheiro e recursos públicos para visitar Lula em São Paulo.

O deputado afirma que vai exigir que Dilma Rousseff devolva o dinheiro usado em uma viagem particular com o intuito de prestar solidariedade ao presidente Lula. O dinheiro gasto pela viagem foi pago com os impostos do povo brasileiro, que não autorizou este uso – conforme aponta o deputado.

“Vou requerer na Justiça a devolução do dinheiro público gasto pela presidente Dilma Rousseff para fazer uma visita de apoio ao Lula pela ação da Polícia Federal. Avião, Helicóptero, veículos e funcionários, todos da Presidência, utilizados para fins particulares em pleno Sábado!”

A malversação do dinheiro público, no caso, possui um componente mais grave do que o usual, num país tão acostumado com corrupção que a descoberta de novas contas com movimentação na casa das dezenas de milhões não produz mais o menor efeito.

Trata-se da imiscuir o partido com o Estado. É algo único na política brasileira, mesmo com seu histórico de políticos corruptos. O escol que varia de Collor a Maluf, de Adhemar de Barros a Quércia, era famoso por se entender que usavam programas do Estado para saúde, educação e quejandos e subtrair e “desviar” uma parte para enriquecimento próprio.

Apesar de o enriquecimento pessoal ser a pedra de toque para a comprovação jurídica do que hoje se investiga em operações como a Lava-Jato, não foi o “mero” enriquecimento pessoal que marcou o PT como o partido que organizou o maior escândalo de corrupção do mundo. Trata-se de usar o Estado além de suas funções como um órgão do partido.

Mesmo em casos como o mensalão e o assassinato de Celso Daniel ficou clara a divisão interior do partido quanto a isto: alguns eram a favor apenas de se tomar altas somas para o partido ter mais poder (como José Genoíno, saudado como “herói” por “não ter ficado rico”) e serem contrários ao enriquecimento pessoal no processo (o motivo para o fim da parceria entre Celso Daniel, que preferia apenas o cofre do partido cheio, e seus algozes).

Isto só fica nítido a olhos públicos, que só se volvem para palavras-gatilho como “corrupção”ou “golpe”, no caso de dinheiro roubado. Mas não é nítido no que é de mais pernicioso: o Estado sendo usado como ferramenta de um partido.

Algumas instituições do Estado devem ser ocupadas temporariamente por políticos eleitos (e suas dezenas de milhares de cargos de confiança e afins). Os eleitos e seus partidos não podem usar as instituições como propriedade própria.

O mensalão não foi apenas corrupção, foi uma mentalidade de usar o Estado para comprar votos da indócil base aliada e governar sem divisão de poderes (por isso a analogia de falar em “mensalão tucano” ou coisas parecidas é completamente imperfeita).

Ao se punir apenas a corrupção, a tomada do Estado pelo partido prossegue fortemente, ainda mantendo o discurso petista de que foram eleitos “democraticamente” (usando o próprio Estado para massacrar adversários) e que se deve “aceitar as urnas”, mesmo quando usam o Estado para fraudar eleições.

Diferentemente da corrupção (que “não foi inventada pelo PT”), a tomada do Estado foi comum apenas aos Partidos-Estados do século XX: o comunismo, o nazismo e as teocracias islâmicas que ainda se preocupam em fingir alguma normalidade para a comunidade internacional inventando eleições teatrais, como as do Partido Baath e seus tentáculos no Oriente Médio (todos de Partidos-Estados aliados ao PT).

A iniciativa do deputado Fernando Francischini é curiosa, por se focar no uso do dinheiro público (uma caríssima viagem de jato, com comitivas e gastos infindos), e ainda apenas exigir a devolução.

O real problema permanece. Para entendê-lo, não é possível apenas vê-lo como um caso isolado. Quando Dilma, não-católica e devota da desconhecida Nossa Senhora de Maneira Geral, foi à Roma quando o papa Francisco foi empossado, malgastou € 125.990,00 (R$ 324 mil, à época) em uma única viagem, escandalizando o jornal espanhol ABC, acostumado com o esbanjamento do rei Juan Carlos. Até mesmo Até o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, por razões entre o Céu e a Terra mais insondáveis que nossa vã filosofia, foi a Roma ver o papa (não que haja muitas razões sondáveis para Mercadante ser ministro da Educação, claro) e conseguir alguns votos de eleitores católicos, que vinha perdendo reiteradamente por seus ataques a posturas religiosas, sobretudo o cristianismo tradicional.

And so on. A mentalidade do PT é do uso do Estado para seus próprios fins. Vira notícia apenas quando se comprova algo como “enriquecimento ilícito” (o famoso roubo), o uso do Estado pelo PT permanece apenas no “exagero” que só chama a atenção dos 0,005% da população que trabalham com análise de gastos estatais e não são contaminados por ideologia.

Em casos flagrantes e reiterados, não urge uma atitude mais energética do que apenas pedir pela devolução do dinheiro e tudo continuar como está? Faríamos o mesmo com Maluf, com Collor, com Adhemar, com Quércia?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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