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Ato pró-Lula muda de data. Mas o motivo não é o que estão dizendo

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Mônica Bergamo divulgou como URGENTE PRIMEIRA MÃO uma notícia sobre a mudança de planos do ato pró-Lula, que foi marcado para o dia 13 na Paulista, junto com o ato pró-impeachment e, claro, pró-prisão de Lula.

Como já notou Cedê Silva, um dos melhores jornalistas do país, tudo o que é do PT a Bergamo dá em “primeira mão”.

De acordo com Bergamo, “[a] decisão foi tomada depois que lideranças concluíram que o potencial de conflito seria grande na cidade, já que movimentos antigoverno já tinham anunciado o ato na Avenida Paulista contra Dilma Rousseff e contra o ex-presidente”.

Há algo estranho neste parágrafo. Em primeiro lugar, o ato foi marcado meses e meses após a divulgação da manifestação anti-PT. Se a menos de uma semana inventaram de criar uma manifestação pró-PT exatamente no mesmo lugar, não foi por falta de aviso. O país inteiro sabia.

É um certo, digamos, “exagero de boa-fé”, para exagerar no eufemismo, crer que as boníssimas lideranças, tão preocupadas com o seu, o meu, o nosso bem-estar, de repente se reuniram e, envidando seus melhores esforços éticos e intelectuais, “concluíram” que não é muito proveitoso e pacífico fazer uma manifestação a favor exatamente no mesmo lugar onde estará acontecendo provavelmente a maior manifestação contrária a um partido na história da América Latina.

Tampouco o motivo convence: o PT está ganhando quanto mais se faz de vítima. O potencial de confronto faz com que os partidários do impeachment sofram conseqüências físicas e agüentem sozinhos. Já para os petistas, cada empurrão que recebam com seus asseclas filmando tudo se torna arma de propaganda para o partido afirmar que está sofrendo um “golpe”, via de regra de “fascistas” ou da “elite”. Que outro motivo o PT teria para inventar uma manifestação na mesma hora e local?

https://twitter.com/militanciadoPT/status/706462659256958976

Mas há algo ainda maior do que os brios das lideranças que “concluíram” o que é melhor. Não importa o que elas pensem ou “concluam” em seus abrilhantados silogismos: a Constituição não permite o seu ato, que seria ilegal e pronto. Até mesmo Geraldo Alckmin, o governador tucano, já havia falado tal obviedade.

Não é algo que exija notórios saberes jurídicos: qualquer apostila para concurso público nível médio explica isso logo em suas primeiras páginas, ao explicar o direito de livre manifestação. É preciso aviso prévio às autoridades (o que até manifestações com black blocs costumam fazer), e elas decidem qual vai ocorrer, pois manifestações contrárias não podem estar no mesmo espaço público. É tão óbvio quanto parece, ou mais.

O motivo apresentado por Bergamo, portanto, não pode ser o das “lideranças”: a colunista da Folha inventa que os líderes “concluíram” algo pelo bem geral, quando o que inventaram de fazer era ilegal (além de imoral, ilógico, irresponsável e vários outros is) sem discussão. Algo justo foi transferido da Constituição para as maravilhosas intenções dos “coletivos” pró-PT.

Mônica Bergamo também fala que o ato seria em “defesa da democracia, da diversidade e da liberdade e contra os retrocessos e o avanço da onda conservadora”. Aparentemente, iriam impedir o avanço da onda com seus próprios corpos.

Também afirma que seria no mesmo molde do “Existe Amor em SP”, contra Celso Russomanno em 2012, que garantiu as eleições do petista Fernando Haddad (pichações e lambe-lambes onde se lê “Mais amor por favor” ou outras declarações aparentemente despolitizadas são encontradas até hoje em São Paulo às mancheias). Bergamo não comenta que boa parte dos organizadores deste evento ganharam cargos na prefeitura de Fernando Haddad.

Ainda assim, Bergamo conclui (não sabemos se sozinha ou com ajuda) que “seria um encontro apartidário e cultural” de “coletivos”. Entre os coletivos que fariam o encontro “apartidário”, a lista começa pela… Juventude do PT (JPT), seguida da UNE (União Nacional dos Estudantes, há décadas dominada pelo PCdoB, aliado do PT no governo) e por “movimentos sociais”. Todos petistas.

Desde antes de junho de 2013, qualquer agrupamento de vários partidos de pensamento único e hegemônico se considera “apartidário” só por conter com mais de um partido. Todos aliados e votando em bloco.

O que são coletivos, por sinal, são o que Bergamo não explica, ou talvez, na melhor das hipóteses, não saiba explicar. São grupos que saem de dentro dos partidos, sobretudo partidos-satélites nanicos que são defendidos sempre com vergonha em público, diante da sociedade trabalhadora pagadora de impostos, ao contrário dos DCE’s e CA’s das universidades.

O PSOL, por exemplo, desfila com bandeiras amarelas do “Juntos!”, seu principal coletivo. Fotos com bandeiras escrito “Juntos!” não parecem “partidárias” na imprensa. O PCO possui o Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo, o Coletivo Lenin e a Aliança da Juventude Revolucionária (AJR). Assim, disfarça-se melhor as intenções do partido que mais provoca risos. O PSTU possui a ANEL, a Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre, sua versão da UNE, que é “acreditada” apenas pelo próprio PSTU. Pelo nome que não junta bem as palavras, só poderia ser coisa de um partido chamado Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, nome que só se justifica porque Partido Unificado dos Trabalhadores Socialistas formaria o acrônimo “PUTS”. O próprio PT possui coletivos como o Trabalho. O PCdoB, além da UNE, possui a UJS – União da Juventude Socialista. E assim por diante. Todos podem ser analisados em mais detalhes no meu livro, Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifetações que tomaram as ruas do Brasil.

Sem saber o que é um “coletivo”, é fácil jogar a palavra para a platéia e metê-la em uma frase que não faça sentido, como “coletivos criam evento apartidário”.

Como se vê, a coluna de Mônica Bergamo é errada do começo ao fim. Na melhor das hipóteses, por ignorância. Na pior, parece um disfarce propagandístico travestido e bem disfarçado de notícia URGENTE PRIMEIRA MÃO.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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