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O protesto NÃO é contra a corrupção

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Protesto impeachment dilma

Imagine que você organize um protesto reunindo algumas dezenas de pessoas para o Pink Floyd se reunir com a formação original e gravar um novo disco. Roger Waters e David Gilmour fazendo as pazes, como bons ingleses. A idéia parece boa. Logo, algumas dezenas se tornam algumas centenas. Usando como propaganda a própria idéia e o seu crescimento, em pouco tempo há milhares e milhares de pessoas protestando por um Pink Floyd 1973 novinho, sem aquela quizomba que foi a criação de The Wall.

Com tudo pronto, ruas tomadas, cartazes levantados, slogans usando o prisma do clássico Dark Side of the Moon, alguns engraçadinhos aparecem para aproveitar a muvuca, já que nenhum protesto de rua com milhares de pessoas irá controlar todas estas pessoas – nem é seu objetivo, e pela matemática básica, tendo muitos imbecis na população, qualquer protesto com uma causa excelente com milhares de pessoas irá atrair uns bons por cento de completas antas – e levantam o cartaz: “Pela volta do Sampa Crew”. Logo ao lado, surge o cartaz: “Por mais covers de Raul Seixas – TOCA RAUL!”

A mídia, que até então ignorava o movimento pinkfloydiano de cabo a rabo, percebe o filão que está perdendo por mera coincidência exatamente neste momento, e logo jornalistas e repórteres da Folha, do El País, da Carta Capital, do Estadão, do UOL e do Sensacionalista aparecem para noticiar o fenômeno bem neste momento, “explicando” ao público: “É um movimento pela volta de clássicos dos anos 70 e 80, vemos alguns cartazes pedindo pelo retorno do Sampa Crew e por mais covers de Raul Seixas!”. O principal é ignorado, como se fosse um pano de fundo. Algum jornalista mais “explicativo” ainda diz: “É um movimento por boa música”, dissolvendo tudo, de Pink Floyd a Sampa Crew, numa pasta heterogênea mais nojenta do que uma poça de vômito.

Movimento por “boa música”, com cada um pedindo algo praticamente oposto ao outro, e sendo um movimento de milhares de fãs de Pink Floyd com uma “minoria de vândalos” de meia dúzia de sampacrewnianos?

Troque Pink Floyd por “movimento contra o PT”, troque “fãs de Sampa Crew e Raul Seixas” por “retardados com cartazes de intervenção militar” e troque “boa música” por “corrupção” e entenderá exatamente como o jornalismo está noticiando os protestos deste dia 13 de março – exatamente como o esperado.

Qualquer pessoa sabe que este movimento foi organizado por pessoas contra o PT, e seu foco é o impeachment de Dilma Rousseff (apenas na primeira manifestação havia um carro de som contra o impeachment, e outro de “intervenção militar” que, sabendo que era mau visto, xingava o próprio protesto, com um cartaz “Otário pede impeachment, patriota pede intervenção”). Ou pela impugnação de sua candidatura pelo TSE (rarissimos ali pedem um sem cogitar o outro). E pela prisão de Lula. E pelo fim do PT – inclusive entre vários de seus recentes eleitores, desiludidos e sentindo na pele hoje o que é o PT.

Quando o jornalismo diz que é um movimento “contra a corrupção”, está dissolvendo uma causa, como afirmar que Pink Floyd, Sampa Crew e Raul Seixas são algo em comum (todos do passado) e, portanto, podem ser amacetados dentro do mesmo vocábulo.

“Ah, mas então eles só são contra a corrupção do PT, e aceitam a corrupção dos outros!” Não, ninguém ali aceita corrupção de ninguém. Aliás, ao contrário do Fora Collor (organizado pelo PT), estes movimentos foram organizados contra os desejos de líderes tucanos, peemedebistas (Cunha, enquanto se organizava a primeira manifestação, ainda era um líder… do governo) e de todos os outros partidos.

Por sinal, o PSDB, o principal partido de oposição, é tão hostilizado que, além de impropérios violentíssimos (já que nem sequer apoiou formalmente o impeachment até agora, sendo mais atrasado do que o povo no repúdio ao PT), seus líderes são proibidos de subir em caminhões dos organizadores. Não adianta chamar quem vai para as ruas de “tucanos”, portanto. Já é fácil notar que quem usa esse discurso é petista roxo, e conivente com uma corrupção que também é totalitária.

Apenas há uma ordem de prioridades tão óbvia que é ofensivo a quem possui QI acima de 30 ter de explicá-la: o PT está no governo federal, e o petrolão já pode ser considerado o maior escândalo de corrupção da história mundial (o da Siemens, que não começou no Brasil, é troco de pinga perto do petrolão: o petrolão roubou mais do que vale a própria Siemens). Qualquer outro corrupto, incluindo os governistas (pró-PT!) Collor, Maluf e Renan, são apenas apêndices perto do PT.

Querer o fim do PT, que faz todos os outros serem menores e é a fonte principal de roubos (ou seja: secada esta fonte, corruptos menores não conseguem roubar), é apenas uma ordem de prioridades óbvias.

Exigir que num movimento contra o petrolão se fale de cada escândalo municipal apenas para pegar bem com petistas é perda de tempo. Petistas (incluindo jornalistas, acadêmicos, falantes na TV e nas redes) apenas querem falar de tudo, exceto do petrolão, o principal da nação.

Algum, por acaso, está falando de Renan Calheiros ou de Fernando Collor, que teve sua casa revirada na mesma operação e da mesma forma que o pedido de condução coercitiva que o jornalismo considerou “excessivo” em relação a Lula? Ambos são encarnações do capeta na terra e todos sabem disso – mas como são justamente eles que seguram, no Senado, o impeachment, por serem favoráveis ao governo, nenhum petista comenta deles.

A cada “E o Cunha? E o Aécio?” de um petista, deve-se responder imediatamente: “E o Renan? E o Collor? Por que você não chamou de ‘excessiva’ a condução coercitiva, a PF batendo na casa dele, revirando os Porsches do senador?”

Prioridades. Não significa que alguém esteja ignorando desmandos da oposição (o movimento é mais de direita do que de oposição – aliás, não cansa de xingar a oposição, que é apenas menos esquerdista do que o PT), significa que está atacando o mais forte primeiro.

Se preocupar com Cunha (que negou mais de 30 pedidos de impeachment) ou algum outro deputadozinho que não é todo o Congresso, enquanto o Executivo inteiro destrói o país, é como um sniper dar um tiro no lustre ao invés de acertar a testa do seqüestrador segurando uma refém.

Quando dizem que este é um movimento “contra a corrupção”, falam num abstrato, numa maçaroca genérica sem agentes, sem definição clara. Ninguém ali quer corrupção. Mas como já determinava o maior economista de todos os tempos, Ludwig von Mises, que chamou seu principal livro de Ação Humana, só entendemos a história sabendo que as ações possuem agentes. E são estes agentes que sofrem pressão das ruas.

Não adianta fazer um movimento contra “a corrupção” e não citar o nome dos principais corruptos (ou, como querem alguns, só citar corruptos sem tanto poder para diminuir ainda mais a oposição aos principais corruptos, num isentismo que só protege o pior). Seria como fazer um protesto para um novo Dark Side of the Moon se produzir sozinho, sem David Gilmour e Roger Waters criarem o dito cujo.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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