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Devemos trocar as aulas de literatura pelas Operações da Polícia Federal

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O ensino brasileiro é muito ruim. Tal como no caso da política, onde, como afirma Bruno Garschagen, o brasileiro não confia nos políticos, mas ama o Estado, há um vezo generalizado de se idolatrar exageradamente os professores e se desprezar o ensino. Algo pernicioso para professores, alunos e o próprio ensino.

O fato se agrava no que temos de próprio. Se a matemática é universal e mal a vislumbramos, os chãos se abrem com muito mais rapidez abrindo a bocarra do abismo quando se trata de um produto local como a literatura.

Ora, não é porque a Inglaterra possui um Shakespeare, a Espanha um Cervantes, a França um Victor Hugo, a Alemanha um Goethe, Portugal um Camões, que necessariamente devemos procurar um equivalente nacional e estudá-lo fingindo a mesma profundidade de se ler Homero fundando o Ocidente ou T. S. Eliot mostrando os seus escombros. Não temos algo do mesmo nível, não importa o quanto finjamos.

É claro que possuímos livros e escritores excelentes, alguns verdadeiras jóias da humanidade. O mundo invejaria o único livro de Augusto dos Anjos se o conhecesse, tal como muitos temas, da antigüidade germânica ao modernismo de Virgínia Woolf, podem ser encontrados em Grande Sertão: Veredas (sem falar em um dos mais perfeitos contos da humanidade, A Terceira Margem do Rio). Até aquele clichê horrendo que inventaram, o “Bruxo do Cosme Velho”, o grande Machado de Assis, talvez o melhor escritor do mundo a falar da hipocrisia, da ironia relativista para auto-engano, da mentira interior.

Mas é difícil crer que algo do que torramos o tempo dos nossos alunos que poderia ser muito mais bem aproveitado lendo-se Neil Gaiman ou Garth Ennis realmente valha a pena nas aulas.

A literatura brasileira tem como grande objetivo, anseio máximo de cada escritor, cair no Vestibular, para então milhares de adolescentes ansiosos por fugir do inferno das suas vidas comparem o livro tão somente para conseguir ter uma vida melhor do que nas aulas de língua portuguesa no ensino médio. Os escritores querem entrar e fazer parte do sistema, os leitores querem fugir dele. E é a isso que se resume 90% de nossa literatura.

Da ridícula Semana de 22 que refolegou a modinha do modernismo até hoje, dá para contar em poucos dedos o que se salva de nossa produção – sobretudo do que se ensina para nossos alunos. Até hoje se usa versinhos modernóides modelo “Stop. A vida parou ou foi o automóvel?” como provas de que a poesia pode ser ótima por ser próxima de nós, contemporânea, por falar gíria, por ser “jovenzinha rebelde”. Como se alguém ainda falasse “automóvel” ou se achasse a última Tubaína da favela por falar “Stop.”

(Nem falemos de Macunaíma e outros livros que só seriam lidos pela tia da faxina dos sebos, não fosse a desgraça do Vestibular.)

Há uma solução muito melhor. Trocar todas as aulas de literatura por aulas sobre as operações e apreensões da Polícia Federal.

Seus nomes, de Lava Jato a Gasparzinho (que buscava funcionários fantasmas “camaradas”), são um show à parte. A deflagração da Operação Breaking Bad, que fechou um laboratório de drogas em Santa Catarina, reacendeu o debate.

Basta pensar, por exemplo, na Operação Acrônimo. Aparentemente singela, técnica, até mesmo burocrática e coxinha, muito engravatada de escritório, a Operação teve como principal alvo Fernando Damata Pimentel, atual governador de Minas Gerais.

Entendeu? Acrônimo, as primeiras letras de um nome. Fernando Damata Pimentel. Toda vez que o nome da operação é citado, conseguem passar um recado pouco disfarçado sobre o que pensam, e estão no limite entre a commedia dell’arte e a cantiga de maldizer, sem prejuízo de suas atribuições, e podendo dizer isso até no Jornal Nacional da Globo sem que ninguém possa fazer nada.

Afinal,o que ele pode fazer? Chamar a polícia?

E que tal uma aula de filosofia com a Operação Alegoria da Caverna? Deflagrada em Juazeiro do Norte (CE) para identificar uma empresa que usava fardas e documentos da Polícia Rodoviária Federal, inspirou-se em Platão, o primeiro filósofo com F maiúsculo do Ocidente, e sua famosa alegoria para mostrar a “falsa impressão de realidade” que os bandidos travestidos de polícia passavam à população.

Também é de inspiração grega a Operação Efebo, caçando um pedófilo que induzia meninos a se exibirem sem roupas na webcam. E teve também a Operação Pharisaios, que analisou madeireiros que aliciam índios para extrair madeira ilegalmente. Os “fariseus” da Bíblia foram chamados de hipócritas por Jesus Cristo, “porque diziam e não praticavam”.

Para não comentar a recente Aletheia, fase da Operação Lava Jato, traduzida como “busca da verdade”. Na verdade (!), Lethes é o rio do esquecimento, por onde as almas passam ao morrer, e sua negação, com o prefixo a-, indica que a verdade tem uma origem, e que esta origem não será esquecida, e sim investigada até seus pormenores. If you know what and who I mean.

Em Dionísio Cerqueira (SC), houve também a Operação Loki, que investigava cigarros contrabandeados do Paraguai. Loki, o deus da trapaça nórdico, é a figura do que soa ao monoteísmo como relativismo – na verdade, uma força da natureza, tanto boa quanto má, que só respeita a si mesma. Algo como um deus da trapaça.

Já do Renascimento aprendemos com a Operação Vitruviano o conceito de “homem vitruviano”, que consta em “Os dez livros da arquitetura”, escrita pelo romano Vitruvius Pollio. Seria o homem perfeito, com proporções perfeitamente simétricas, como no famoso desenho de Leonardo da Vinci – como a rede criminosa investigada.

Nem o próprio governo escapa. Um esquema de tráfico de armas, medicamentos ilegais e lança-perfumes pelo Sedex rendeu o nome da Operação Papa-Léguas. “Estou farto do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.”, diria Manuel Bandeira, sem um pingo da graça.

Documentos mentindo idade de jogadores de futebol para parecerem mais velhos? Operação Peter Pan. Fraude em documentação para receber pensão de pessoas falecidas? Operação Highlander.

Operação que usou os famosos “gatos-net” para conseguir prender bandidos? Operação Gato de Botas. Dá para aprender história imperial com a Operação Olho-de-Boi. E vários eventos muito mais importantes do que nossas chatérrimas aulas de História trotskyta com a Operação Démarche, a Operação Prestige, a Operação Trem Fantasma. (ver mais em Batismo de Fogo)

Por sinal, o principal batizador de Operações da PF, Zulmar Pimentel, caiu na Operação Navalha, por passar informações sigilosas a amigos. Navalha, afinal, fecha em si mesma e é feita para cortar quem a usa.

A Polícia Federal não perdoa. Nem a si própria. Não pode existir órgão mais confiável no país.

Isto sem falar nas apreensões, e como os artistas tanto da Polícia Federal quanto da Civil, Militar e Rodoviária fazem verdadeiras obras a serem admiradas em museus com as apreensões.

Não deixe de gastar uma hora da sua vida visitando a Frick Collection em Nova York, o Museu d’Orsay em Paris, a Galleria Borghese em Roma, a National Gallery em Londres e o Tumblr Apreensão e Arte, aí onde você está sentado.

Segue apenas um tira-gosto, com curadoria do próprio Tumblr:

apreensão arte fluidez

A obra transita com fluidez entre equilíbrio e tensão

Pontilhismo x expressionismo

Pontilhismo x expressionismo

apreensão arte carnaval

Carnaval vibratório

Legoland

Legoland

Monocromático sim, monótono nunca

Monocromático sim, monótono nunca

A placa de acrílico foi um toque de mestre

A placa de acrílico foi um toque de mestre

apreensão arte 1

apreensão arte 3

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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