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Cunha afastado: acabaram as desculpas

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O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi afastado do cargo por Teori Zavascki. Cunha é investigado por possuir contas não declaradas na Suíça e seu afastamento, antes do fim da investigação que poderia ou não comprovar seus crimes, se deu sob argumento de que ele estava atrapalhando investigações.

Dilma Rousseff, a presidente, é investigada pela Procuradoria Geral da República. Suas contas foram rejeitadas em decisão histórica pelo Tribunal de Contas da União. O Tribunal Superior Eleitoral investiga se não houve fraude nas suas eleições, o que fez o PT mudar às pressas o bordão “respeitem as urnas”. É investigada pelas pedaladas fiscais, que mostram que, para fechar as contas dos gastos sem fundo do governo petista foram pagos fraudando empréstimos de bancos públicos e privados (pagos com o dinheiro do trabalhador). Tem Pasadena e diversos outros documentos mostrando que malgastou os bilhões da Petrobras. Tem gente de sua esfera próxima envolvida em tramóias pesadíssimas. Seus tesoureiros e marqueteiros estão presos. A Lava Jato apura se sua campanha foi paga com propinas. O senador que coordenava as ações do governo foi preso tentando silenciar a delação de Nestor Cerveró, e posteriormente outro senador foi preso tentando silenciar a delação deste primeiro senador. Dilma ainda inventou de indicar Lula para um ministério, tão somente para lhe garantir foro privilegiado, o que constitui crime de desvio de finalidade. O mesmo Lula negociava abertamente cargos e dinheiro para comprar o voto de deputados para barrar o impeachment. A lista não pára.

Com essa comparação, foi preciso inventar um discurso para aparentar equalizar os pratos da balança.

A solução para o PT continuar acreditando que o maior problema do país é quem é contra o PT foi concentrar todos os esforços em Eduardo Cunha. Como se ser contra o PT fosse ser a favor de Cunha – o Cunha que pediu votos para o PT e era líder do governo até quase o fim de 2015. O Cunha que rejeitou mais de 30 pedidos de impeachment.

E como se as contas na Suíça de Cunha estivessem no mesmo patamar das falcatruas do PT. Como colocar 50 elefantes num prato da balança e uma formiga do outro. Com o maior agravante ainda de que as contas na Suíça de Cunha, ao que tudo indicam, podem ter dinheiro sangrado dos mesmos cofres esbulhados pelo PT.

O grande erro óbvio é que, não importa o que o jornalismo diga, quem é contra o PT não está nem aí para Eduardo Cunha. Um ou outro cai em sua lorota como “anti-petista” justamente por não conhecer sua atuação pró-PT, mas são uma minoria ínfima. Cunha e o PT não formam dois pratos da balança: estão no mesmo prato, trocando acusações, enquanto os brasileiros que não são filiados à CUT estão do outro.

Os petistas, depois de desfraldar a bandeira do “E o Cunha?” para milhões de brasileiros que nem sabiam de sua existência até anteontem, tentam em vão uma jogada dupla, que só funcionaria para os próprios petistas: fazer parecer que todos os anti-petistas são cunhistas e, o que o palpitariado menos percebe, que as idéias em voga no Brasil hoje têm respaldo na velha disputa partidária.

Erro duplo, custo duplo ao PT e sua construção de narrativas.

O que o partido da presidente e do ex-presidente está fazendo é forçar o pensamento analógico sobre todo o continente. Tudo funciona não por definições, por quintessências, como no pensamento filosófico: funciona por analogia a alguma outra coisa. Pega-se um elemento de algo e compara-se a outro elemento de somenos importância em outra coisa – em pouco tempo, estarão tratando as duas coisas como se fossem a mesma.

Por isso os apelos a elementos de obediência imediata e grande apelo psicológico como “fascismo”, “ditadura” e “golpe”, assim como o esvaziamento da palavra “democracia”. Nunca por suas essências, mas sempre fazendo analogia com o que não são essas coisas.

O PT, que não é exatamente o campeão mundial em estudo (muito menos com o seu bordão robótico “vai estudar História”, que só faz referência às aulas de História dos próprios petistas em auto-congratulação umbiguista aboletados no MEC), não sabe o que pensa um conservador, um liberal austríaco, um positivista da Escola Militar, um social-democrata hirschmaniano, um neoliberal tucano.

Para o PT, basta aplicar a analogia: se são contra o PT, como a ditadura militar foi contra o PT, são apoiadores da ditadura. Se são contra o socialismo, a ditadura do proletariado, pior ainda: como o nazismo foi contra os comunistas, jura que são nazistas, sem entender que o nacional-socialismo é uma forma específica de, justamente, socialismo.

Basta analisar a confusão que o PT faz com o termo aglutinador “direita”, ao aplicá-lo a elementos tão antagônicos quanto a Inglaterra de Churchill e o socialismo nacionalista alemão, tratado também por mera analogia como “extrema-direita” (termo que mataria Adolf Hitler, Goebbels, Himmler, Göring e Eichmann de engulhos). Coloque o ultra-liberalismo e Israel no pacote e é uma receita fácil para um palpiteiro de esquerda cometer as asneiras mais engraçadas da história intelectual.

Se o pensamento analógico já produz aberrações na esfera das idéias platônicas, o que dirá quando se tenta fazer o que o PT passou o tempo todo fazendo desde a descoberta do petrolão: forçar um entendimento de que as idéias em debate possuem materializações já perfeitas, canônicas e tradicionais no Brasil, consubstanciadas à perfeição nos velhos partidos patrimonialistas e de cabeças ocas do país (eliminando-se as palavras “social”, “trabalho” e “democracia”, acaba-se imediatamente com 98% deles).

Assim, ser contra o PT por roubar é apoiar Cunha. Ser contra o PT por comprar voto e concentrar poder ditatorialmente em suas mãos, mantendo a fachada de eleições para repetir o bordão irrefletido de “democracia” é apoiar Cunha. Apoiar o impeachment é apoiar Cunha. Apoiar a impugnação da chapa Dilma-Temer é apoiar Cunha (e talvez até Temer, afinal, é tudo analogia). Exigir o cumprimento da lei até pelos mandantes (o que sempre foi o almejado no país) é, claro, apoiar Cunha. E qualquer mudança para melhor sempre recai no desgastado “E o Cunha?”.

Agora Cunha foi afastado. Se 0,00001% do que o PT diz fosse verdade, as ruas estariam sendo tomadas em defesa de Eduardo Cunha. Tudo o que se vê foi… comemoração daqueles anti-petistas, até usando as palavras de Lula para Dilma voltadas a ele, com a hashtag #TchauQuerido.

Nenhum apoio a Cunha, nenhuma defesa modelo “meu bandido é melhor do que o seu”, ninguém gritando “Cunha, herói do povo brasileiro!”. Apenas isto é suficiente para jogar 99% das notícias dos jornais no último ano no lixo. Quem ficou em desespero com o afastamento de Cunha, aliás, foi… o PT, percebendo esse risco.

https://twitter.com/renanzento/status/728208264135991296

https://twitter.com/brazilfinance/status/728246208595152896

https://twitter.com/LiberalismoBR/status/728257063793643520

https://twitter.com/lucasnosofa/status/728211232847704064

 

O fim do PT para sempre como um partido tão ultrapassado e de conceitos tão desconectados da realidade concreta pode se acelerar com força quando as novas idéias políticas que estão sendo estudadas no Brasil (todas elas partindo do espectro geral da “direita”, pela falta de idéias novas na esquerda progressista) darem força aos novos partidos em voga. Lidar com a economia liberal e a tradição cultural conservadora, apenas para ficar nos maiores exemplos, será impossível para as analogias petistas.

As pessoas que ainda acreditam no PT e se escoraram tanto em criticar Cunha podem começar a escapar de sua gaiolinha de palavrinhas apertadas e finalmente buscar conceitos sólidos para seu pensamento, afinal, é impossível ser petista sem se reconhecer neste quadro.

É exatamente por isso que uma filosofia de ceticismo quanto à política e de desconfiança de soluções mágicas possui o nome feio de “conservadorismo”: por buscar conceitos estanques, fórmulas testadas, minimizar as perdas ao invés de maximizar os ganhos a todo custo.

Resta aos que foram enganados pelo discurso petista (não é preciso vergonha, uns 80% de quem entupiu avenidas pelo impeachment, em algum grau, foram uma vez ou outra na vida) admitir que erraram.

E que agora, com Cunha fora e ninguém o defendendo, vocês perceberam a diferença entre uma coisa que era só discurso, ao contrário de uma idéia mesmo. Sem um bandido do outro lado (ao menos em sua cabeça), quem perde é o PT, não quem é contra todos os bandidos. As analogias já eram falhas antes, agora ficaram ridículas.

É hora de admitir. Qualquer um que já foi engabelado por propaganda enganosa já passou por isso. Vocês trataram Cunha como mera desculpa (“a corrupção não vai acabar com o PT, falta o Cunha!”, já praticamente admitindo que querem os seus corruptos roubando). Agora a desculpa se foi.

Chegou o tempo de repudir a esquerda e o petismo para sempre.

P. S.: Agradecemos ao Cedê Silva, um dos melhores jornalistas e escritores do país, de quem roubamos parte da timeline do Twitter. Façam uma pressão para o Cedê escrever para nós!

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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