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Por que Delcídio do Amaral importa

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Delcidio-Amaral

Quando Delcídio do Amaral, líder do governo no Senado por praticamente uma década, assinou um termo de colaboração premiada para se tornar delator, já era infame a frase de Dilma “Não confio em delator” (seguem-se eternas, repetitivas, cansativas e já inúteis metáforas com a ditadura).

De fato, um teste simples pôde ser aplicado sobre a sabedoria de Dilma. Perguntei ao zelador do meu prédio se ele sabe quem participava de reuniões secretas para sangrar a Petrobras. Ele não sabia. Perguntei a meu professor de filosofia escolástica com foco em Santo Agostinho se ele sabia quem recebeu malas de dinheiro para aparelhar Furnas. Tampouco sabia. Perguntei ao padre da minha paróquia que informações ele possuía sobre os partidos da base e da oposição que tomaram assento na divisão de propinas com as empreiteiras para os contratos fraudados e superfaturados sob responsabilidade imediata de Dilma Vana Rousseff. O pobre velhinho não conhecia um único nome.

Perguntado sobre estes e outros desmandos e casos de quadrilha e bandidagem explícita no Roda Viva desta segunda-feira, Delcídio do Amaral sabia de tudo. Até mesmo ao praticar o que mais fez diante dos entrevistadores – tergiversar longamente para acabar nunca responder o que foi perguntado.

Dilma Rousseff tem razão. Mais de uma razão. Quem vira delator é criminoso que está podendo abrandar sua pena colaborando com a justiça dedurando outros criminosos – bandidos estes que, do contrário, nunca iriam presos. Sem provar o que diz, o delator não tem sua pena abrandada. Quem tem futuro na vida, qualquer mãe sabe, é quem não anda com bandido. Basta olhar para as fotos de Lula e Dilma nos 10 anos últimos para ver que ela andava com gente sem futuro.

Mais razão ainda em não confiar em um delator como Delcídio do Amaral: os crimes que ele está delatando são os dela ou são próximos a ela. No momento, ela só confia em quem pode mantê-la longe de complicações com a Justiça, ainda mais com a Justiça comum. Delcídio do Amaral não é alguém em quem Dilma Rousseff pode confiar. Ela pode confiar no zelador do meu prédio, no meu professor de filosofia medieval, no padre (com este, pode até confessar os pecados), nas velhinhas do tai chi chuan no parque. Em Delcídio não.

Ironia do destino, quem assinou a lei de delação premiada foi ninguém menos do que a presidente Dilma Rousseff. Alguma coisa boa ela fez pelo país, afinal.

Delcídio do Amaral, na condição de líder do governo, sabia o que fazia. E é um dos raros casos de petista com informações disposto a dar tais informações – a um preço alto, e o preço em questão foi salvar sua própria pele.

O contraste entre Delcídio do Amaral e petistas da linha dura, como José Dirceu e José Genoíno é chocante. Genoíno que teve a desfaçatez mundial de pegar uma toalha de mesa, enrolar no pescoço e usá-la como capa de super-herói para sair sob câmeras para a prisão levantando o braço como se fosse o Super-Petista, o Capitão Cueca (era um seu assessor), o Homem-Propina, o Incrível Bolivariano. Já Delcídio hoje chora em público ao pensar nos danos causados em sua família por suas articulações nas obstruções de Justiça para silenciar delatores anteriores a ele que poderiam complicar a situação jurídica de Dilma e Lula.

Isto explica por que quase todos os deputados que votaram homenageando suas famílias, seus esposos e esposas e filhos, votaram pelo impeachment de Dilma Rousseff. É difícil olhar no olho de um pai ou mãe, arquétipos de conduta, ensinadores do certo e errado, e admitir que votou para permitir que um político roubasse, comprasse votos, interferisse ditatorialmente na separação entre poderes, obstruísse a Justiça e saísse impune tão somente em troca de um milhãozinho, um cargo ou uma ideologia.

Delcídio do Amaral no Roda Viva se mostrou um ás na arte de não falar nada. É um caso curioso: o que importa não é o que Delcídio fala, mas o que deixa de dizer. Delcídio rodeou um entrevistador sobre Aécio Neves poder ter recebido propina por Furnas, mas se vê nas entrelinhas que contornou todos os fatos sobre o ovo da serpente ter uma estrela do PT, e não deixaria que ambos os corruptos fossem equalizados, se apenas há tanto esbulho porque o partido vermelho abriu a caixa de Pandora, sem a qual os outros nem conseguiriam tascar a mão.

Ainda concluiu lembrando que tem muitas gravações com personalidades do porte de Lula e Márcio Thomaz Bastos, o maior sofista desde Górgias e maior defensor de mensaleiros e bolivarianos que já existiu, que ainda podem vir à público.

É quase uma contra-ameaça: se os áudios ainda não vieram a público, é quase uma certeza de que Delcídio os mantém por questão de sobrevivência. Em caso de ameaça à sua vida, virão a público. O PT, que se sabe que pode celsodanielizar muita gente quem quiser, parece entender o recado quanto a Delcídio.

São estas informações que são passadas com eufemismos e disfemismos num jornal televisivo sem que ninguém perceba. Esta é a política em tempos de PT, de bolivarianismo, de Foro de São Paulo, de “normalização” de um discurso socialista depois do falhanço soviético no fim dos anos 80.

O que fica mais claro, além de seus eufemismos e de suas tergiversações, é a naturalidade com que fala sobre a perda de seu mandato de senador. Sem ressentimentos, sem vitimismo, sem terceirização de culpas e privatização de perdas. Delcídio já sabia de tudo. E simplesmente havia jogado a toalha.

Quando Demóstenes Torres teve seu mandato cassado, o DEM resolveu expulsá-lo do partido antes da cassação por ter agido em benefício próprio junto a um bicheiro (logo ele, dado como paladino da ética e com credenciais para ser um presidenciável de tirar o sono de qualquer João Santana).

Quando Delcídio teve o julgamento de seu mandato, já havia sido expulso do PT. Pelo crime de comprar o silêncio de um delator que só poderia prejudicar senão Dilma e Lula? Crime, portanto, dificilmente crível que tenha sido pro domo sua, de estro próprio, por mero dever cívico, sem ordens superiores. Não. Pelo “crime” de prejudicar o PT com a delação. Sem delatar, poderia ter o mesmo destino fofinho e de “herói do povo brasileiro” que tiveram José Dirceu, José Genoíno e tantos outros.

É a diferença entre agir pelo PT e agir, ainda que por arrependimento mortal após crimes tão graves, buscando uma justiça tardia. Quando a jornalista Maria Lima, n’O Globo, chamou Delcídio do Amaral de “o mais tucano dos petistas” assim que ele foi preso, sem o perceber, acabou lhe fazendo o melhor elogio (e até ao partido dos tucanos, cada vez mais desacreditados pelas pessoas contrárias ao PT, que exigem uma alternativa de direita liberal ou conservadora genuína). Delcídio acabou mostrando valores que nada tinham a ver com o PT. Para tristeza da jornalista.

Delcídio do Amaral importa por saber. Por ainda ter o que dizer, caso as investigações não cheguem a Dilma, Lula e altas esferas do Estado paralelo petista no Brasil.

Por ora, com seu jeito tergiversante, suas frases que nunca terminam e não chegam a lugar nenhum, sua mostra de conhecer a fundo os trâmites da corrupção no Senado, na Petrobras, no sistema elétrico e tantos outros lugares, acaba trilhando o caminho para se tornar o bom ladrão na cruz.

O padre que nada sabia de seus desmandos pode rezar pela salvação de sua alma.

velhinha-hornup

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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