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Noticiário

A manchete é: “muçulmano terrorista assassina gays”. Qual a dificuldade em dizer?

As notícias e manchetes sobre o atentado terrorista em Orlando falam de tudo. Exceto do principal componente: o que motivou o morticínio.

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As manchetes dos jornais no Brasil e no mundo não escondem a crise de objetividade no jornalismo atual. Todos tentam passar sua visão de mundo, ou mesmo uma agenda política, travestida de fatos. O atentado terrorista islâmico em Orlando, Flórida, no domingo revelou por que é fácil atacar o Ocidente na segunda-feira: os jornais ocidentais simplesmente se recusam a escrever a palavra proibida do jornalismo mundial.

O fato óbvio é este: um muçulmano, filho de um paquistanês com canal de televisão em apoio a al-Qaeda, assassinou 50 pessoas numa boate gay em Orlando, numa gun-free zone (área em que armas não são permitidas, o que, por algum motivo razoavelmente óbvio, não foi “respeitado” pelo muçulmano terrorista). O Estado Islâmico reivindicou o atentado.

O homem, que estava na mira do FBI há anos, ainda havia ligado para a polícia antes do atentado para declarar sua fidelidade ao grupo jihadista. A polícia, sabendo do alvoroço da opinião pública quando se persegue terroristas muçulmanos, nada fez, mesmo com uma ligação deste quilate. O homem matou 50 americanos gays.

Algo sobre o terrorista, seus valores, sua religião e sua filiação ideológica e terrorista foi comentado nos principais jornais do Ocidente?

Não. As manchetes falam numa abstração. Como se abstrações matassem pessoas. Falam em “ódio” e “homofobia”. Ou que “um atentado” qualquer, sem cores, sem motivo claro (além da “homofobia”), sem um ser humano de carne e osso empunhando uma arma por uma razão e motivação tivesse matado as pessoas. Parece que “homofobia” é algo como uma dengue ou câncer que se pega no ar, sem vontade, sem remédio além de ativismo gay, sem nenhuma idéia de construção social, religiosa ou cósmica por trás.

O motivo para o terrorista de Orlando assassinar pessoas é óbvio. O mundo sabe. Qualquer pessoa que travou contato com um tiquinho de islamismo sabe. Mas é algo proibido de ser dito pela nova linha editorial de todos os jornais do Ocidente. Pode-se falar absolutamente qualquer coisa do atentado terrorista, inclusive e sobretudo culpar pessoas como republicanos, conservadores e religiosos, de qualquer religião – exceto a islâmica. Aquela, do Estado Islâmico.

Método Globo News de notícia

Quando um evento que desafia a convenção de explicações fáceis da realidade acontece, como o atentado terrorista na Flórida, todos os jornalistas do planeta correm para sacar o manual do Método Globo News de noticiar fatos.

Funciona mais ou menos assim: uma explosão acontece em, digamos, Belfast, Joanesburgo ou Bangkok. A cartilha do Método Globo News de notícias dirá: o islamismo é uma religião pacífica!!! Horas depois, pode ser que anunciem que foi uma explosão de um posto de gasolina ou um vulcão desconhecido. Mas o Método Globo News já terá avisado que não está condenado o islamismo.

Conforme o desenrolar dos fatos, caso não tenha sido uma explosão acidental, não-volitiva, pode ser que descubram novas informações sobre a explosão. Que foi provocada por alguém. Que teve intenção de machucar e matar. Que seus alvos eram pessoas ocidentais, ou não-muçulmanas. Que o autor da explosão tem nome árabe, e provavelmente sua família, se for num país não-islâmico, está no máximo há 1 geração no país. Que ele era (é sempre a última informação a ser dada, se for divulgada) muçulmano. Que estava ligado a grupos jihadistas, ou, como chamamos no Ocidente, terroristas.

Imediatamente, repetir-se-á o primeiro verso da canção: lembramos que o islamismo é uma religião pacífica!!!, e então tudo aquilo que envolver o islam será tratado por generalizações: extremismo religioso, intolerância, fanatismo. Nada mais sobre a religião de Maomé, sobre a geopolítica do islam, sobre o que o islam pensa a respeito de homossexuais, biquinis, bacon, judeus. Palavras como califado, jihaddhimmitaqiyyahijrah ou shari’ah, nem pensar.

Tudo o que é espécie (o islam) é tratado através do gênero (religião). Para igualar o povo do califado e da jihad e da shari’ah, cujos líderes afirmam que assassinar gays é ato de compaixão para ajudá-los a se salvarem (sic), com as velhinhas carolas rezando o Pai Nosso e definindo casamento como entre homem e mulher. Afinal, se na espécie são duas realidades diferentes, no gênero tudo pode ser equalizado como “homofobia”.

As frases são tratadas como slots a serem substituídos por abstrações. Não é mais “um terrorista islâmico que assassinou 50 gays”. Foi “O ódio intolerante homofóbico que assassinou 50 gays”. Não foi a jihad que motivou a morte de homossexuais ocidentais, considerados hereges pelo califado muçulmano e pela shari’ah, a lei islâmica (e não só do ISIS). Foi a intolerância religiosa que não aceita o casamento gay que matou pessoas que só queriam se amar.

Passa-se então a falar do ato terrorista não mais pelo ato concreto, pelos dados da polícia, mas apenas em generalizações cada vez mais genéricas. Ou, na verdade, específicas: o truque é fazer com que algo que tem como principal alvo o Ocidente pareça ser culpa do Ocidente. Na verdade, dos cristãos e conservadores do Ocidente, que defendem a proteção da civilização ocidental da shari’ah, enquanto justamente os progressistas protegem os seguidores da lei islâmica, que pretendem promulgá-la no nos países civilizados pelo cristianismo.

O truque funciona: nem 0,0001% das pessoas no Ocidente parou para ler o Corão, ou a história da jihad, ou o que defendem tanto os “extremistas” muçulmanos quanto os islâmicos não-extremistas. Informando-se pelo Método Globo News de notícia de fatos, até mesmo pessoas estudadas e com alguma cultura crêem fanaticamente que todos os religiosos do mundo são igualmente fanáticos, e que é uma abstração, como “o ódio homofóbico”, que gera fatos como o atentado terrorista de Orlando.

Palavras esvaziadas e culpa invertida

A palavra “homofobia” (que é ideológica, e não uma mera descrição objetiva de fatos da realidade) é usada para qualquer postura não-gay, como não aprovar o casamento homossexual. Assim, uma velinha católica ou alguém que reprove o ensinamento da “ideologia de gênero” para crianças de 10 anos são confundidos, sob a mesma palavra genérica, abstrata e diluída, com assassinos jihadistas que querem colocar todo o mundo de joelhos perante o califado do Estado Islâmico. Como se fossem todos iguais, a mesma coisa, os “intolerantes”, os “homofóbicos” que promovem “ódio”.

Obviamente que o esvaziamento de significado não é um esvaziamento em si, um esvaziamento pelo esvaziamento: toda a tentativa tem o mesmo alvo dos jihadistas: os valores ocidentais, o cristianismo, uma cultura que não queira se suicidar em nome do “multiculturalismo”, a crença de que as culturas se equivalem (quando a mais forte e mais protegida pela mídia certamente dominará aquela que não dispõe de tal proteção).

Vide a própria Globo News: seguindo, naturalmente, o Método Globo News de noticiamento, assim que as primeiras informações sobre o atentado em Orlando vieram à tona, afirmou que não se sabia qual a motivação do atentado (obviedade que também por obviedade logo se desmonta, revelando o óbvio a todo mundo minutos depois).

Como era um clube gay numa cidade latina, os correspondentes na América foram chamados para responder a questão de fogo da emissora: será que não seria alguém com discurso homofóbico e que odeia latinos? Faltou, é claro, perguntar: “Será que não foi Donald Trump e seu ‘discurso racista’ [nunca provado de fato racista] ele próprio que entrou na boate porque estava de mau humor e assassinou 50 pessoas a esmo?”

Claro, Donald Trump, o histriônico e vulgar pré-candidato republicano à presidência americana é chamado de “racista” justamente por querer suspender a imigração na América de pessoas de países que promovem o terrorismo (boa parte deles entra na América pelo México).

Exatamente quando um ato como o atentado na boate (contra gays!) ocorre, ao invés de finalmente se tocaram de que Donald Trump, afinal, tosco ou muito tosco, tem lá sua razão, pela tática de esvaziar as palavras e tratar espécie pelo gênero (e quanto mais genérico e menos específico, melhor), tentam jogar a culpa… em Donald Trump e as pessoas que o apóiam justamente para que outras carnificinas iguais não ocorram.

Em poucas horas (para a média de divulgação de casos semelhantes), foi descoberto que o terrorista (ou, usando a acepção correta, jihadista) era filiado ao Partido Democrata. Alguma informação a respeito saiu, en passant, na Globo News? Alguém tentou responsabilizar a política democrata de open borders de Barack Obama, Hillary Clinton e Bernie Sanders pela tragédia? (o pai de Omar Mateen, o terrorista, veio do Afeganistão, e se considera “presidente” do país, como nos mostrou Flavio Gordon)

Em algum jornal que disfarçou de todas as maneiras que o terrorista Omar Mateen era muçulmano? O próprio Barack Obama, no seu pronunciamento pós-atentado, falou e falou, mas palavras como islamic ou muslim apareceram um total de zero vezes em seu discurso. 

Na capa da Folha de S. Paulo, não há menção ao islamismo – apenas que o atirador “declarava repulsa a homossexuais” (pode-se esperar a mesma frase a respeito de Jair Bolsonaro ou das nossas vovós que fazem bolo de cenoura). Na manchete, quem mata não é alguém, mas “um atentado”. Não se espere o mesmo de um atentado terrorista cristão ou judaico – ou não se esperaria se os houvesse.

A tática segue no concorrente paulistano O Estado de S. Paulo. A única menção ao islamismo é sobre o Estado Islâmico (que, pelo Método Globo News de noticiamento, é sempre desvinculado do islamismo, como se algum jornalista soubesse explicar o que é salafismo ou um califado).

Já o carioca O Globo se destaca: além de não haver islamismo, é “o ódio homofóbico” que pegou um AR-15, ligou para a polícia para jurar lealdade ao Estado Islâmico e matou ocidentais que o islam considera “hereges”. Enquanto noticia que Obama “pede” por regulação nas armas (o que concentraria ainda mais armas nas mãos de terroristas), o jornal afirma que Donald Trump “aproveita” para “atacar democratas”.

E que tal o nova-iorquino Daily News, o famoso “jornal do metrô” da Big Apple, com uma ironia fina: fala das 50 mortes na boate em Orlando e estampa: “Obrigado, NRA”. Fala da National Rifle Association of America, que protege os direitos americanos da Segunda Emenda, para que os americanos possam usar armas contra ameaças à sua vida?

Por que o jornal não menciona que o morticínio ocorreu justamente numa gun-free zone, e não questiona o que aconteceria se algum dos presentes possuísse uma arma, se muito provavelmente algumas dezenas de vidas ceifadas não estariam hoje respirando, abraçadas a seus entes queridos?

A técnica faz parte do que Richard Butrick chamou de Síndrome Contagiosa Allahu akbar: jornalistas não param de noticiar que alguém, de repente, pegou um vírus ou bactéria na rua e, do nada, saiu assassinando pessoas cristãs ou apóstatas do islam gritando “Allahu akbar!” Nada a ver com o islamismo, claro.

Não há nada de errado com a tomada de posição. A “objetividade total” é uma esparrela: tomamos nossa posição e fazemos nossa escolha tão somente por escolher sobre o que vamos falar – uma notícia sobre as joaninhas no jardim da prefeitura é ideológica – pode muito bem ser um jornal disfarçando um atentado terrorista naquele segundo. A objetividade total é uma crença cega: seria nociva se existisse, pois qualquer um que falasse em nome da objetividade estaria exigindo um valor de verdade absoluto. Como se o proferidor não existisse, ou como se fosse único. Ortega y Gasset sabe muito bem disso ao afirmar: “Eu sou eu e a minha circunstância”.

Mas se vê bem em que crise estamos ao perceber como a os erros da objetividade jornalística sempre erram para o mesmo lado.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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