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Impeachment

Sem Cunha, impeachment seria ainda mais grave

Cardozo critica o impeachment por ter sido aceito por Cunha. Sem Cunha tentando se salvar, a peça tocaria em crimes ainda mais graves.

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Dilma Rousseff e Eduardo Cunha

De acordo com a defesa de Dilma, consubstanciada na fala do ex-Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, o processo de impeachment é viciado e contaminado em seu princípio por ter sido aceito, numa troca de favores, pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, político-anátema do país.

Eduardo Cunha, até fins de 2015, era da base governista, tendo pedido votos para a eleição e reeleição de Dilma Rousseff. Como a reeleição de Dilma passou por um triz (pouco mais de 1 milhão de votos), sem os votos de Cunha, forte liderança no meio evangélico carioca, a presidente ora afastada poderia nem sequer ser eleita.

Político envolvido até as narinas em falcatruas, Eduardo Cunha passou todo o ano de 2014 sinalizando, em claro tom de ameaça, que poderia deixar de ser interlocutor do PT na Câmara. Enquanto isso, muito mais próximo de Dilma do que de Temer, habilmente recusou mais de 30 pedidos de impeachment.

José Eduardo Cardozo, todavia, usou, abusou e desgastou a imagem que Eduardo Cunha deixou para a nação nos rastros de seu poder: o de um político com contas na Suíça, mentiroso e corrupto.

De acordo com Cardozo, o processo de impeachment foi aceito por Cunha em retaliação ao PT, e apenas se o processo de cassação de seu próprio mandato fosse extinto.

Além da contradição óbvia (Cunha caiu bem antes de Dilma), a grande questão que passa despercebida é que Cunha tem dinheiro longe dos olhos vendados da Justiça justamente graças aos mesmos esbulhos do PT, fonte da qual Cunha também tomava goladas copiosas.

E Cunha, como admite o próprio Cardozo, retalhou o processo de impeachment, justamente para não acatar crimes que envolvessem sua própria atuação. Quando despachou o processo, retirou tudo o que envolvesse 2014 e também a Petrobras – os mesmos crimes petistas com somas vultosas que dificultariam em grau máximo a defesa da presidente.

Cardozo, useiro e vezeiro de uma retórica para o público, integralmente oca em fundamentos jurídicos, abusa da captatio benevolentiæ ao afirmar que o impeachment só aconteceu por um “conluio” envolvendo a oposição e Eduardo Cunha, nome que choca ouvidos pouco profundos.

Auscultando-se sua mensagem, entretanto, abrilhanta-se um ato falho: Eduardo Cunha só aceitou parte do pedido, justamente retirando os crimes do PT que também complicariam sua própria situação.

É curioso que José Eduardo Cardozo afirme, no mesmo discurso, que o impeachment é viciado pelo toque de Eduardo Cunha, e que, a um só tempo, a denúncia envolve muito pouco. A imprensa, dócil, tampouco explica – e ainda aceita ser chamada de “mídia golpista” sem um muxoxo em resposta.

H. P. Lovecraft, inicia seu mais famoso conto de horror, O Chamado de Cthulhu, atentando para o fato de que a sanidade da mentalidade humana reside tão somente no fato de não reunir dados desconectados da realidade para formar um todo coerente. Se as pessoas começarem a fazer isso, a loucura será geral.

José Eduardo Cardozo, o PT e a esquerda acusam a peça acusatória de fraca e de manipulada por Cunha, crendo na ignorância do curral eleitoral do PT, que votou sem ligar um fato a outro. Todos acusam os dois ao mesmo tempo como duas falhas da acusação – e não como uma dupla negativa reveladora. Se tal eleitorado percebesse como seus heróis os tratam como gado, o fim do PT seria ainda mais rápido.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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