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Impeachment

Quem tem moral para julgar Dilma? o/

Grita-se que há muitos senadores com "ficha corrida", sem moral para julgar Dilma Rousseff. E a ficha corrida dos que a defenderam?

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Gleisi Hoffmann notabilizou-se no processo de impeachment como a mais aguerrida defensora da permanência da presidente Dilma Rousseff, julgada e condenada democraticamente por crimes fiscais. Sua frase mais famosa foi acompanhada de uma pergunta retórica: “Aqui não tem ninguém com condições para julgar ninguém. Qual a moral do Senado para julgar uma presidente da República?”

Gleisi ela própria respondeu no dia seguinte, como lembrou o Estadão:

“Não me arrependo (de afirmar que a Casa não tem moral). O Senado não tem moral para julgar a presidente Dilma. Uma parte grande dos senadores está respondendo a processo, inclusive eu”, disse Gleisi. “Me incluo nisso”, afirmou. E complementou: “Estou apontado o dedo para uma pessoa, tem três apontados para mim”.

Tal declaração não foi lida em blogs progressistas, que alardearam a frase anterior de Gleisi apontando dedos. Com efeito, ninguém no Senado teve um cônjuge preso recentemente por corrupção – não qualquer corrupção, mas roubo de dinheiro de aposentados – como o próprio marido de Gleisi Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo. Gleisi não foi presa, mas foi denunciada pela Procuradoria Geral da República após investigação policial concluir que os dois receberam R$ 1 milhão de propina de contratos firmados entre empreiteiras e a Petrobrás (sempre o mesmo script) para custear sua campanha ao Senado em 2010.

Gleisi Hoffmann, que sempre criticou a advogada Janaína Paschoal por “não ser senadora” e falar no Senado, chegou ao Senado, portanto, sob forte suspeita sobre seu discurso de ser “democraticamente eleita”. Parece mais o caso de ser empreiteitoralmente eleita.

Ah, espere. Não é apenas Gleisi Hoffmann que tem cônjuges com problemas na Justiça. O marido de Vanessa Grazziotin, outra das mais palavrosas defensoras de Dilma Rousseff, também tem pendências com a Justiça. O ex-deputado estadual amazonense Eron Bezerra teve seus direitos políticos suspensos por oito anos e terá que pagar R$ 1,135 milhão aos cofres públicos.

No campo moral da família, João Viana é irmão e seguidor de Tião Viana, ex-senador petista pelo Acre. Tião Viana, no lançamento de um programa do governo, já humilhou um morador que fez críticas ao também ex-governador do Acre que usou o programa como palanque eleitoral:

“Uma pessoa que só vem aqui para falar mal, recebe dez reais para falar mal, merece que a gente diga que esse tipo de gente não serve para nada, não vai vencer na vida. Vem para cá para trazer a mentira, para provocar as pessoas. Vá trabalhar, rapaz, e ter responsabilidade no seu dia-a-dia. Eu nunca vou no palanque da oposição para falar mal de ninguém, agora a oposição tinha que botar emenda para tapar as ruas de Manoel Urbano. Estão lá em Brasília passeando, tomando whisky e não vêm trabalhar.” (grifos nossos)

Não há relatos de investigações sobre o que o ex-governador quis dizer ao afirmar que sua audiência “recebe dez reais”.

Mas a frase de Gleisi pegou. Tico Santa Cruz, por exemplo, compartilhou a seguinte imagem em sua página:

Twitter de Cidadão Médio sobre ficha corrida de cada senador

A frase chama a atenção de quem se impressiona facilmente com palavras e corre a tirar conclusões apressadas. Será mesmo o caso, após alguma análise mais perfunctória?

O senador petista Lindbergh Farias, famoso como líder dos caras-pintadas que depuseram (na linguagem corrente, deram um golpe de Estado) em Fernando Collor, em 1992, acaba de ter seus bens suspensos na Justiça. A decisão se deu por contratação irregular de empresas de coleta de lixo em 2009, com o custo total de mais de R$ 40 milhões. R$ 40 milhões. O mensalão, lembre-se, era uma mesada de cerca de 40 mil reais, um centésimo do valor, no caso mais alto comprovado.

Não foi Lindbergh que gritou “Canalhas! Canalhas! Canalhas!” do alto da tribuna sobre os outros senadores?

A própria manobra que livrou Dilma de sofrer as conseqüências foi feita por senadores tentando salvar seus próprios futuros políticos, caso caiam como Dilma. Quando a esquerda grita que um Renan Calheiros não tem moral para julgar Dilma, podemos concordar facilmente. Mas por que não comenta que estes imorais estão, justamente, preservando Dilma? Foram 16 senadores que votaram pelo impeachment que, pensando em seus pescoços, salvaram seus direitos políticos. Três se abstiveram (nenhuma abstenção aconteceu na primeira votação). Afinal, quem tem moral?

Para o impeachment passar, foi necessária maioria qualificada (dois terços) de votos. Ou seja: cada voto de pessoa “imoral” significa muito para a defesa de Dilma, sendo que todos somados significam menos de um terço dos senadores brasileiros. Ainda que encontrássemos duas vezes mais falcatruas em senadores pró-impeachment e contra a manutenção de direitos políticos, uma matemática básica, acessível até a estudantes de Humanas, mostra que praticamente metade dos votos para salvar Dilma é que seriam os campeões de noites na delegacia, caso se tratasse de crimes comuns.

Mesmo quando não há crimes claros envolvidos. Como esquecer de Kátia Abreu, que já fora cotada para vice de Serra em 2010, e hoje, dilmista ortodoxa, é uma das vozes que tentou conseguir o um terço necessário para Dilma continuar impune? Vencedora do prêmio Motosserra de Ouro, acusada por certos blogueiros japoneses de praticar o trabalho “análogo à escravidão” em suas fazendas, de repente se torna a campeã da “moral”, já que votou por Dilma.

Paulo Paim também votou a favor, e teve de fazer uma circunvolução para evitar Sergio Moro e não depor para salvar seu companheiro preso, o ex-senador Gim Argello, que queria usá-lo como testemunha em depoimento. Aliás, Gim Argello e Delcídio do Amaral, caso não tivessem sido presos e votassem pró-Dilma (ambos eram da base aliada, e Delcídio era o principal articulador do PT no Senado), como ficaria o argumento de “moral”?

E João Capiberibe? Teve seu mandato de senador pelo Amapá iniciado em 2002 cassado em 2004 por compra de votos ao custo de R$ 26 por cabeça. A esquerda é um mundo circular, onde tudo é reprise. Ficou inelegível por 8 anos. Tentou voltar ao pleito em 2010, mas caiu na Lei Ficha Limpa. Acabou só conseguindo voltar ao Senado agora, em 2014.

Alguém falou em “moral” ou “ficha corrida” aí no DCE ou na internet?

Vamos analisar Otto Alencar? Passando a palavra a Felipe Moura Brasil:

Agora é a vez do senador Otto Alencar (PSD-BA), ex vice-governador do atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.

(Precisa dizer mais? Ok.)

Seu filho, Otto Alencar Filho, foi nomeado em janeiro presidente da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), que opera recursos do BNDES no estado.

(Precisa dizer mais? Ok.)

Quando era chefe da secretaria de Infraestrutura da Bahia (Seinfra), Otto (o pai) assinou empréstimo com o BNDES para a construção da Ponte do Pontal, em Ilhéus, no sul baiano.

Sabe a quem ele entregou a obra? À UTC Engenharia, dele mesmo, Ricardo Pessoa, preso na sétima etapa da Operação Lava Jato.

Resultado: as obras, cujos canteiros o governador eleito Rui Costa e o próprio Wagner usaram como bandeira eleitoral em 2014, estão paradas desde as eleições, como quase tudo no Brasil.

Tornando curta uma história longa, Felipe Moura Brasil pergunta: Otto Alencar retirou assinatura porque banco garantiu empréstimo de R$ 50 milhões a obra de sua gestão na Bahia? Ou porque seu filho é presidente da Desenbahia (sic), que opera recursos do BNDES no estado?

Randolfe Rodrigues parece a esquerda década de 90, que pode falar em ética, que saiu do PT e quer uma “esquerda pura”? Pois Carlos Alexandre de Souza Rocha, um dos entregadores de dinheiro de Alberto Youssef, disse que o doleiro mencionou pagamento de R$ 200 mil a Randolfe Rodrigues.

E que tal Roberto Requião, aquele que defendeu Adolf Hitler como exemplo econômico para defender Dilma Rousseff do impeachment? Precisa de muito mais?

Para a sorte de Gleisi Hoffmann e de quem acredita em sua litania, o Senado não julga “a moral” de Dilma Rousseff ao julgar seu impeachment. Crimes implicam imoralidade, mas são os crimes que são julgados.

Agora, se fosse mesmo para discutir a moral, talvez sobrassem uns 10 votos no Senado. Malgrado para o PT, a votação então não seria ganha por dois terços, mas se aproximaria cada vez mais da unanimidade.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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