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Colômbia

“Acordo de paz” com as FARC é como “paz” com o Comando Vermelho

O tão defendido "acordo de paz" com as FARC pode soar bom, mas significa recompensar guerrilheiros com dinheiro e poder.

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FARC - Reféns de seqüestro

As FARC, Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, são o grupo paramilitar que mais matou na América Latina. Não é um grupo criminoso como a máfia italiana, cujo intuito é a proteção da família, ou uma quadrilha de narcotraficantes qualquer: as FARC são uma guerrilha de esquerda, de inspiração marxista-leninista (stalinista), que busca atingir uma sociedade sem classes através da revolução.

As FARC, portanto, fazem o mesmo que a esquerda brasileira preconizava, através do terrorismo, estupro, seqüestro, do assassinato, da expulsão de populações inteiras e de conflitos armados que legaram cerca de 220 mil mortos em 65 anos, além de centenas de milhares de refugiados. Tanto a ditadura que respondeu ao terrorismo da esquerda brasileira quanto as FARC se iniciaram em 1964.

Os conflitos com as FARC pareciam ser uma realidade perene da Colômbia, fazendo com que os conflitos armados para a instauração de uma ditadura do proletariado, aliada aos violentíssimos cartéis de Cáli e Mendellín, de Pablo Escobar, deixassem as cidades colombianas entre as mais violentas do mundo.

A situação se inverteu em fins da década de 2000. O presidente Álvaro Uribe, um dos presidentes mais tendentes à direita da história sul-americana, impôs seguidas derrotas militares às FARC, mesmo com o apoio que passaram a receber do presidente venezuelano Hugo Chávez. A popularidade de Uribe disparou com seu planejamento para tornar cidades como Bogotá e Mendellín entre as mais seguras do mundo em menos de uma década, através de uma reestruturação que é modelo global, enquanto o vizinho bolivariano Hugo Chávez era obrigado ao uso da força e da manipulação da lei para se manter no cargo, cada vez com mais independência do eleitorado.

No más FARC, ColômbiaNa virada da década, as FARC quase pareciam passado, ao menos no noticiário internacional, com as seguidas derrotas que diminuíram o poder militar e econômico da guerrilha comunista e o apoio popular a Uribe, então o presidente mais bem avaliado nas Américas. Uribe ainda faria seu sucessor, Juan Manuel Santos, sob o lema No más FARC. Santos, ao invés de continuar a política de Álvaro Uribe, seguiu por uma via oposta: transformar os terroristas das FARC em um partido político legal.

Nesta semana, foi alardeado e comemorado por todos os veículos de imprensa no mundo todo o “acordo de paz” com as FARC. Segundo a propaganda governista, Juan Manuel Santos conseguiu a paz “sem nenhum tiro”. Entre a paz e a guerra, foi uma paz atrasada em 55 anos, e todos comemoraram.

“Acordo de paz” além das manchetes

Entre a paz e a guerra, é normal preferir a paz. O difícil é saber pelo que se está lutando: o pacifismo absoluto, como um valor e meta em si, pode ser ainda mais nocivo do que a paz. Basta-se pensar, abusando-se do clichê em nome do didatismo, se gostaríamos de um “acordo de paz” com os nazistas em 1945, ou se o mundo só vislumbrou alguma justiça após derrotá-los e acabar com seus líderes, um a um.

Pela impressão imediata dada pelas manchetes, parece que a guerrilha foi derrotada, julgada, e apenas seus defensores menos aguerridos acabaram por merecer a paz. Até mesmo se pode pensar que um partido político “lutando por democracia” finalmente terá seus direitos políticos defendidos por um governo tirânico.

Desfile das FARC em San VicenteAlguns detalhes, todavia, parecem escapar de quem só lê notícias e se impressiona facilmente com a idéia de paz. De acordo com o podcast Xadrez Verbal, Juan Manuel Santos garante que as FARC deixarão de existir e se tornarão um movimento político sem armas. O acordo ainda precisa passar por um referendo, exigindo comparecimento de ao menos 13% de eleitores possíveis. As primeiras pesquisas indicam que 88% do levante eleitoral querem que ex-guerrilheiros da FARC cumpram pena de prisão.

A passar o acordo de paz, tais pessoas podem se deparar com uma realidade bem menos agradável do que à primeira vista.

Ainda de acordo com o Xadrez Verbal, serão julgados os guerrilheiros que tenham cometido crimes de lesa-humanidade: assassinato, tortura, seqüestro, estupro e aliciamento de menores. Quem cometeu roubo, extorsão ou “delitos políticos”, como usar a própria farda das FARC não será julgado. Tais crimes terão anistia geral.

Pela Justiça Transicional, quem confessar os delitos terá uma sentença de 5 a 8 anos em “restrição de liberdade” – ou seja, em vigilância em áreas de movimentação limitada. Quem for julgado e condenado podem ser condenados a até 20 anos de cadeia em prisões comuns.

Os guerrilheiros anistiados receberão mensalmente por 24 meses 90% de um salário mínimo “para facilitar sua adaptação à vida civil”. Se depois desses 2 anos, tal guerrilheiro não tiver cometido nenhum delito e estiver ou trabalhando ou fazendo parte de um projeto comunitário, como desativação de minas terrestres, ou ainda matriculado em algum curso profissionalizante, receberá ainda um “prêmio” de 8 milhões de pesos colombianos, cerca de R$ 8.900,00, como um peso final para reconstruir a vida.

Vítimas das FARCPara isso, portanto, precisa cumprir uma série de exigências, como andar na linha por 24 meses. É um conceito curioso de justiça: todo colombiano que sofreu com as FARC cumpriu a lei, não cometeu delitos e até mesmo teve a sua liberdade de locomoção restringida pela própria guerrilha. Exigir 2 anos de “vida normal” de guerrilheiros para, então, terem uma vida normal, não soa exatamente a punição.

A liberdade política concedida às FARC também não serão apenas garantidas, mas exigidas: as FARC participam das eleições já em 2018, até 2026 seu partido receberá uma verba fixa do Estado, e ainda nas duas próximas eleições os guerrilheiros terão um mínimo garantido de 5 cadeiras em cada casa legislativa.

De acordo com o Instituto Ipsos, 70% dos colombianos não querem que as FARC se tornem um partido político.

Pela noção básica de recompensas da vida, soa bastante estranho, afinal, que guerrilheiros que aterrorizaram a população, roubando seus bens com ameaças mortais para instaurar uma ditadura na qual controlarão todos os bens de toda a população, além de se tornarem políticos, ainda tenham mais bens da população transferidos para si.

Ou seja: ser honesto e não assassinar ninguém em nome da ditadura do proletariado tem como recompensa ter seu dinheiro transferido para quem não foi honesto e fez parte de uma guerrilha que estuprava, seqüestrava, matava, expulsava de casa, roubava e fazia tráfico de drogas para seu caminho até o socialismo.

O crime sob Juan Manuel Santos definitivamente compensa. Fora o forte catolicismo colombiano, parece não haver outro incentivo para as pessoas serem honestas.

“Paz” = anistia para as FARC

Se as razões instrumentais do “acordo de paz” já soam muito menos dignas de elogios e comemorações entusiastas do que as manchetes fazem parecer, as razões históricas e políticas soam ainda menos alvissareiras.

A palavra “paz” é uma das palavras com mais universal apelo psicológico. O cuidado com as palavras e seu verdadeiro significado é algo que sempre incomodou filósofos, fosse Sócrates ou Heidegger.

É fácil vender um “acordo de paz” como algo histórico, a ser cantarolado por gerações pelos bardos. Mas apesar de ninguém desejar a guerra contra um povo pacífico, um acordo de paz com quem agrediu e maltratou o povo não soa como algo além de um eufemismo para rendição. E anistia para crimes que só vieram de um lado.

Se já parece um acidente do destino, um golpe de diplomacia, a coisa se torna pior quando se pensa no que querem as FARC.

Uma guerrilha marxista-leninista não quer viver às sombras do poder, vivendo de narcotráfico. Seu objetivo é o coração do poder, é governar o povo, é ter reconhecimento internacional, é ter controle sobre todo um país.

FARC - seqüestroO terrorismo das FARC sempre teve essa mensagem política: desestabilizar o governo para ir tomando-o pela força. Como as FARC não buscaram concorrer em eleições, pensa-se nelas como apenas uma “guerrilha” sem objetivos políticos, sem notar que uma guerrilha é apenas uma forma de revolução sem tantos recursos e sem a preparação de intelectuais urbanos.

Se as FARC sempre quiseram o poder, “legalizá-las” e lhes dar assento no governo é apenas não se subjugar ao totalitarismo da ditadura do proletariado modelo stalinista, mas cumprimentá-la e lhe dar espaço para ir realizando seu plano aos poucos. Isto não é exatamente um “acordo de paz”: é uma legalização, recompensa e prêmio dado por mais de meio século de busca do poder pela violência.

Seria o mesmo que, hoje, algum político dizer que cessará a guerra contra o PCC ou o Comando Vermelho, propondo um “histórico acordo de paz”, em que os membros do PCC ou do CV formarão um partido político, serão anistiados de crimes “leves” (que não atentem contra a humanidade) e ainda ganharão dinheiro do pagador de impostos brasileiro para iniciar sua “nova vida”.

No más FARC - no más secuestros, no más muertes, no más terrorismoDiga-se, o PCC já tem planos de se tornar um partido político, e a inteligência policial paulista é bem desconfiada de que muitos dos crimes cinematográficos que ocorrem com bancos e empresas de segurança coincidentemente em ano de eleição, como se viram vários em 2016, servem justamente para financiar candidaturas do PCC espalhadas por partidos de esquerda. E o Comando Vermelho não tem esse nome senão pela gestão de Leonel Brizola como governador do Rio de Janeiro, que misturou presos políticos e comuns nas mesmas cadeias, com um belo intercâmbio entre ideário socialista e criminalidade física.

Menos surpreendente é saber quem são os contatos do narcotráfico das FARC no Brasil. Sua ligação com a fronteiras é feita justamente com traficantes como Fernandinho Beira-Mar e Marcola, o líder do PCC. Será que os jornais deveriam comemorar tanto um “acordo de paz histórico” que desse poder e dinheiro diretamente nas mãos do PCC e do Comando Vermelho para logo elegerem seus Beira-Mares como deputados, prefeitos, quiçá governadores, senadores e quejandos?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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