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Ideologia

Mas e a narrativa “E o Cunha?”?

Morre hoje o último sustentáculo da esquerda para continuar sendo atrativa a esquerdistas: a narrativa "E o Cunha?". E agora, José?

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Fábio Porchat Fora Cunha - coluna do Estadão

Petistas apostaram altíssimo – todas as fichas que possuíram que não foram bloqueadas pela Justiça – na narrativa “E o Cunha?”. É óbvio que ela daria com os burros n’água, e apenas gente muito bitolada, que ainda se resguardou pedindo uma explicação desesperada da realidade no seu blog progressista preferido, caiu nessa.

Entretanto, petistas e apaniguados, que sempre quiseram corrigir as desigualdades igualando, equalizando e empatando as malversações de Cunha e de todo o PT, são precisamente os únicos que não estão em comemoração hoje.

Os adversários do PT, sempre acusados de serem eleitores e defensores de Eduardo Cunha (que pediu votos para Dilma em 2010 e 2014, e foi o principal articulador do governo antes de romper com Dilma), são justamente os que estão comemorando efusivamente a prisão do ex-presidente da Câmara pelo juiz Sérgio Moro.

A verdade e o discurso do PT estão em perfeita desarmonia, portanto: eles, que sempre gritam “Fora Cunha!” (sem vírgula), não comemoram a derrocada de Cunha. Aqueles que eles acusam de serem cunhistas, variando dos milhões nas ruas que não sabiam quem era Eduardo Cunha até anteontem até personagens como Sérgio Moro (que pediu sua prisão) e nossa colunista Janaína Paschoal, que teve de esperar muito do ex-presidente da Câmara, comemoram a queda de Cunha.

A verdade está na exata posição diametralmente oposta ao que diz qualquer petista ou esquerdista.

A narrativa “E o Cunha?”, tentando dar a impressão de uma perseguição de intenções partidárias à revelação pública de todos os desmandos petistas, é o que na linguagem militar de chama de “botão do homem morto”. É o que se faz quando se toma um tiro mortal em meio a um monte de inimigos. Pode-se soltar o pino de uma granada e prendê-la com a mão ou segurar algum botão de explosivo – você sabe que vai morrer, mas ao menos levará algumas vidas inimigas com você. O famoso “cair atirando”.

O “E o Cunha?” só funcionava, afinal, como uma espécie de ameaça temporal, de reclamação cósmica, de acusação virtual. Assim que a coisa é concretizada e Lula é preso, ao invés de agir como pessoas normais diante de uma injustiça sendo punida, petistas e esquerdistas perdem a voz. É como se sua última bala tivesse sido gasta. Todo o seu horizonte de eventos se dissipa. E o resto é silêncio.

Porque foi uma narrativa feita por spin doctors que se viram num beco sem saída. Apenas um botão do homem morto para dar um sentimento final a quem ainda tentava fazer crer que a esquerda brasileira, senão boa, ainda era “menos pior” do que sua oposição: que eles eram perseguidos.

Sendo um botão do homem morto, não restou mais nada após a realidade, como sempre sói, se revelar como realidade, e contrária à ideologia. Aqueles que só gritaram “E o Cunha” e “Fora Cunha” repetidamente reduziram todo o seu vocabulário e seu horizonte de conhecimento a tais cacoetes, não restando nada para montar uma narrativa (quando muito, gritar “fascismo!” aleatoriamente, o que não é uma narrativa).

Uma análise da linguagem da esquerda brasileira, sobretudo após 2005, valeria um estudo tão ou mais sério do que Victor Klemperer decantou a respeito da Linguagem do Terceiro Reich. Com um curioso efeito que nem mesmo o totalitarismo nazista conseguiu causar no discurso corrente: os trejeitos, vocábulos, conceitos, lugares-comuns, cacoetes, manias, tiques e gírias da esquerda 2.0 não tentam se focar mais na ação do que na contemplação, mas sim negam de todo a realidade e os sentimentos que devemos ter com ela.

Trocando uma linguagem mais filosófica por uma ideologia de histeria coletiva, o discurso da esquerda e seu botão do homem morto terminaram por explodir. Para ter um mínimo de credibilidade perante gente normal, a partir de 19 de outubro de 2016 terão de reconstruí-lo completamente do zero por uma nova ideologia.

Pessoas normais continuarão preferindo o doce amargor da realidade.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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