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Guerra Política

João Dória e o dog whistle funcionando na prática

Tentaram emplacar dois rótulos no prefeito eleito: um foi jogado fora pela força dos fatos, o outro colou. Entenda o que pichação tem a ver com dog whistle, uma das estratégias mais utilizadas pela esquerda.

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João Dória, pichação, dog whistle

Um “dog whistle” é uma mensagem codificada que passa um significado para o grande público e outro para um grupo específico de pessoas – que reage de maneira determinada e seguindo a cartilha, normalmente ditada por outras pessoas, muito mais inteligentes que as do tal grupo. Algumas dessas mensagens codificadas colam, outras não. Quer ver?

João Dória, pichação, dog whistleTentaram emplacar dois rótulos no João Dória: o de “higienista”, por, em tese, “tirar mendigos da rua para esconder o problema” ou qualquer baboseira do gênero, e de “Dorian Grey”, por estar limpando as pichações e os grafites degradados (às vezes os próprios pichadores que degradam) e, quem diria!, mostrar que uma cidade é cinza.

O primeiro não colou. A narrativa se voltou rapidamente contra o narrador, e não pararam de surgir notícias de que Dória daria qualificação para os moradores de rua, melhoraria a situação dos albergues, faria parcerias com o setor privado para conseguir doação de produtos de higiene pessoal, arrumaria mais de 20 mil empregos, etc. A força dos fatos, assim como no caso do Brexit e da eleição do Trump, foi mais forte do que a força do discurso.

João Dória, pichação, dog whistleO segundo colou porque se aproveitou da subjetividade do assunto: existe quem gosta e quem não gosta de pichação (acreditem se quiser). Apesar de não haver nenhuma pesquisa séria sobre o assunto aqui no Brasil, é de se supor que as pessoas prefiram cidades limpas em vez de encararem todo dia assinaturas toscas e figuras disformes no trajeto de mais de uma hora pro trabalho. A limpeza passa uma sensação de ordem que protege a própria cidade, como já foi demonstrada na famosa Teoria das Janelas Quebradas. A claque organizada que pensa diferente, porém, foi rápida em dizer que isso era uma medida para “calar a voz da periferia”, ou qualquer insanidade do tipo, para “provar” que Dória é um prefeito dos ricos e, por isso, vai tomar medidas elitistas.

Um parêntese rápido: para quem leu O Retrato de Dorian Gray, do escritor irlandês Oscar Wilde, o apelido soa mais bizarro do que seria razoável. O personagem do título e a própria história do livro não têm relação nenhuma com as ações (e suas respectivas reações) de João Dória. O nome remete apenas ao significado literal de uma corruptela do sobrenome dentro do contexto (Grey = Cinza) e o primeiro nome é razoavelmente parecido com o segundo do prefeito. Aliás, é curioso que o povinho “antenado com as causas da periferia” e “progressista” tenha apelidado o prefeito com um nome de um personagem da literatura gótica anglófona do século XIX.

João Dória, pichação, dog whistleConseguiram, então, emplacar o assunto da pichação na grande mídia. Não foi incomum grandes jornais de “grande” circulação fazerem matérias sobre uma suposta “guerra aos pichadores” e “protestos organizados” e “polêmicas intermináveis” etc. A polêmica, no entanto, estava muito mais na cabeça daquele estereótipo clássico, do jovem progressista da classe média culpada paulistana, que diminui sua culpa ao dizer que tem “consciência social” e se apega a qualquer slogan fácil e que está na moda. Converse com quem tem que pegar o Terminal Varginha lotado às seis da tarde pra voltar pra casa depois do trabalho e verá que a polêmica é muito mais virtual do que real.

Mesmo assim, esse foi o aviso que a manada precisava, sendo ela militância ou os idiotas-úteis: daqui em diante, ataca-se o Dória porque ele apaga pichações. Nada de falar dos mais de 243 mil exames agendados graças à parceria da prefeitura com hospitais particulares, por exemplo, mesmo sendo essa uma medida claramente “de direita” (sic) e que é pregada pelo pensamento economicamente liberal. O assunto é pichação, e Dória é mau por não gostar dela – caso você também não goste, você também é mau, elitista, quer calar a voz das periferias, etc. Muito prazer, dog whistle: um aviso para a militância falar deste assunto e, por consequência e por automatismo, o cidadão comum também.

João Dória, Pichação, Dog WhistleAliás, é importante reforçar um comportamento nesse caso específico e que é típico dessa manada: não fazem a diferenciação entre “pichação” e “grafite” propositalmente. Se você ataca as pichações, você automaticamente é contra o trabalho dos “grandes grafiteiros” e eles já chegam mostrando matérias falando do tal “maior painel de grafite do mundo” que o Dória estaria apagando na avenida 23 de Maio. É nessas circunstâncias que eu me pergunto se esse povo sabe ler. Enfim.

Num país onde relativizar é normal e onde a liberdade de expressão é um conceito muito mais do que uma realidade – porque liberdade pra “pensar igual” não é liberdade, é ditadura -, tentar fazer oposição a algum assunto chique da moda chega a ser desgastante. Poucos são os que tem paciência pra tomar tiro, porrada e bomba por defender um ponto de vista. Lembra alguém da Espiral do Silêncio? Trump? Brexit? Acordo das FARC?

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Assuntos:
Bernardo Coimbra

Carioca morando em São Paulo, 27 anos, rubro-negro e jornalista. Surpreendentemente, apesar de tudo isso, direitista.

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