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Cabulando aula

Não existe “greve de estudantes”

Não adianta falar em Artigo 9.º da Constituição ou Lei N.º 7.783: estudante não tem como fazer greve, não está protegido por estas leis.

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Greve de Professores - ou de Professoras (os) - em Sorocaba.

A UNE, uma entidade da época da ditadura, que não consegue nem representar a si própria como eterno braço com funções paramilitares do PCdoB, sempre se envolve em arruaças promovidas pelo PT, inclusive enquanto estava no poder, para aumentar o poder do partido sobre o Estado e as leis, dando a impressão de que é “o povo” que deseja o que não deseja nas urnas. Uma de suas invenções jabuticabas mais típicas é uma estrovenga chamada “greve de estudantes”.

Assim que se fala que estudantes estariam fazendo “greve” (embora as aspas também mereçam recair sobre a palavra “estudantes”), imediatamente convida-se algum “especialista” em Direito para falar, com esgares de propriedade e vernáculo vetusto, o óbvio que se descobre em 10 segundos no Google: que o artigo da Constituição que permite o direito à greve é o 9 (pronunciar com a mão dançando uma valsa forever alone) e que a lei que o regula é a Lei N.º 7.783, de 28 de junho de 1989 (pronunciar como quem quer vomitar caviar estragado). E lá se está a explicação para a UNE unar.

Mas ocupando o lugar de juristas especialistas em falar à plebe rude a folha de rosto de artigos que parecem exigir anos de estudo para serem descobertos, poucos parecem querer entender o que é uma greve. Uma greve, como já explicamos, é proibir outros trabalhadores de trabalhar, geralmente após uma assembléia deliberativa. Não inclui, por exemplo, fechar ruas, agredir quem tenta pegar um ônibus ou botar fogo em pneu em rodovia. Isso não está “protegido” pela lei, nem os criminosos que praticam tais atos devem ser chamados de “manifestantes”.

Estudantes como estudantes estudam, não trabalham. Professores trabalham. Mesmo o direito à greve da Constituição, que permite até trancar a porta de uma fábrica e proibir que outros trabalhem, não inclui proibir outros de estudar. Quando você se recusa a estudar, você não faz greve, você faz um boicote. É uma outra categoria de ação: e não há proteção no artigo tal, nem na lei de vários números-mas-sou-de-Humanas que permita obrigar alguém a boicotar algo com você.

Não é preciso ser muito especialista de Globo News para entender a diferença – e que não importa o quanto invoquem o “direito à greve”, estão tentando aplicá-lo a algo que nada tem a ver com “direito à greve”, concordando-se ou não com ele ou com o motivo da greve em questão.

Apesar das “marchas pela ciência”, do “racionalismo” e do “vá estudar”, a esquerda, sobretudo o seu quinhão mais notável, o infanto-juvenil, tem se voltado a tentar reinstaurar uma espécie de pensamento mágico em seu modus operandi. É o pensamento xamânico antigo, que acredita que uma palavra, ou ao menos as palavras mágicas, formam matéria (creo materia) ou podem destrui-la (perdo materia).

Basta que vários crêem que boicote de estudantes é greve, repetindo bastante entre especialistas da Globo News (que no passo seguinte será chamada de “mídia golpista”), e voilà, criou-se algo da cartola que não estava na Constituição, mas juram que estava lá. Crendo em conjunto, como antropólogos de Lévi-StraussMarcel Mauss estudaram, criam uma sociedade mágica, com ritualística definida, palavras-passe de ordem e refazendo tribos contra tribos.

É uma pena que a realidade seja sempre mais chata do que quer nossa vã esquerda.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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