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Retratos da corrupção

Áudio do Temer ou áudio do Bessias: Qual é mais corrupto?

O áudio vazado de Temer complica a vida do presidente. Mas a verdade é que ele não é nada perto do áudio de Dilma com Lula sobre o Bessias.

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Joesley Batista e Michel Temer, no Jornal Nacional

De acordo com Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e algumas outras fontes que flertam perigosamente entre o político e o humor involuntário, ao contrário das delações, haveria provas documentais (delações são provas documentais) de que Temer tentou comprar o silêncio de Eduardo Cunha: tudo teria sido gravado em áudio, tornando a denúncia contra Michel Temer, o vice de Dilma Rousseff, bem mais poderosa do que a miríade de denúncias contra Dilma.

A Globo alardeou o caso com o temido Plantão da Globo, e encampou o caso com alaridos para manter o suspense no Jornal Nacional. Os áudios seriam finalmente ouvidos, após serem cansativamente “lidos” em transcrição na Globo News o fim da tarde inteira.

Todos já sabiam que em uma conversa com Joesley Batista, dono da JBS, Temer teria dito sobre a propina para Eduardo Cunha: “Tem que manter isso aí, viu?”. Era o áudio que o Brasil esperava ver com contexto no Jornal Nacional.

Revelados os áudios – e seu contexto –, o conteúdo e a frase de Michel Temer, ainda que terrível, perde um pouco da força. Vide:

Joesley Batista e Michel Temer, Jornal Nacional

Joesley Batista e Michel Temer, Jornal Nacional

Aqui, no ponto mais perigoso, a frase de Temer aparece depois da de Joseley:

Joesley Batista e Michel Temer, no Jornal Nacional

O contexto não se torna tão complicado pelo que vai atrás, e sim pelas duas palavras que Joesley diz logo após à frase de Temer:

Joesley Batista e Michel Temer, Jornal Nacional

Joesley Batista e Michel Temer, Jornal Nacional

Como se vê, a frase de Michel Temer perde um pouco do efeito esperado: ao invés de um “Tem que manter isso, viu?” logo após uma frase como “Estou pagando uma mesada para o Cunha não nos cagüetar”, o que tivemos foi uma frase bem aberta a significados, rasa e vaporosa de Joesley que mereceu tal resposta. Temer, por exemplo, pode muito bem ter querido dizer “Tem que manter o bom relacionamento com o Cunha”.

É óbvio que as duas palavras seguintes de Joesley complicam muito: ninguém precisaria manter o bom relacionamento com Cunha todo mês. Mas não há resposta de Temer. E há um agravante: Joesley Batista foi ao Jaburu já com a intenção de gravar Temer e pegá-lo em flagrante. Não parece ter logrado tanto êxito, então pode muito bem ter forçado uma frase logo após perceber que seu interlocutor soltou algo que pode pegar mal.

A bem da verdade, Temer pode muito bem agora dizer que sabia da mesada de Joesley, mas que não deu aval nenhum, nem muito menos incentivo – não é preciso ser um gênio da semiótica para entender que a frase de Temer, dita antes do “Todo mês…”, não precisa necessariamente ter como sentido “Continue dando dinheiro para Cunha se manter calado, é uma ordem”. De toda forma, pode significar: o presidente deve ser forçado a dar explicações, sob pena de ser apeado do cargo de vice da Dilma.

De toda forma, é este o “áudio gravado” de que falam Gleisi, Lindbergh e companhia: algo que só ganhou peso, ironia das ironias, graças ao tropel feito pela Rede Globo. E algo muito menor do que o que temos contra Dilma.

Áudio do Temer x Áudio do Bessias

Alessandro Molon, ex-PT e atual REDE/RJ, de Marina Silva, pediu o impeachment (sic) de Temer no primeiro momento pós vazamento de áudios. Há de se supor que Molon crê na viabilidade de Marina Silva ser eleita presidente via eleições indiretas ou mesmo diretas, via emenda constitucional (quem liga para Constituição quando se tem um projeto de poder?). Tudo agora é um jogo de xadrez, et alea jacta est.

Mas é de se notar a incoerência de Alessandro Molon por ter sido contra o impeachment de Dilma Rousseff, mesmo com um áudio muito mais sério e factual, que até hoje não teve explicação nenhuma dos envolvidos: o famoso áudio vazado (e, naquela época, tratado como “ilegal”) de Dilma tratando com Lula, o do “Tchau, querida!”.

No áudio, Dilma e Lula sabem que há risco de prisão de Lula pela então descoberta do triplex, que se arrasta até hoje, graças à pressão de MST, CUT e UNE para proteger seu corrupto preferido. Dilma, nos estertores do seu governo e no surrealisticamente expressionista ano de 2016, joga nas fauces incréus da sociedade que irá indicar Lula para ministro da Casa Civil (!) para que ele tenha foro privilegiado e não vá preso.

Se alguém poderia ter dúvida a respeito de que Dilma e Lula agiram cometendo o crime de obstrução da Justiça (com o agravante de ser um crime para encobrir outro crime, com participação conjunta), bastou ouvir a frase de Dilma a respeito de como usaria o termo de posse:

Dilma: “Lula, deixa eu te falar uma coisa.”
Lula: “Fala, querida. Ahn?”
Dilma: “Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!”
Lula:  “Uhum. Tá bom, tá bom.”
Dilma: “Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.”
Lula: “Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.”
Dilma: “Tá?!”
Lula: “Tá bom.”
Dilma: “Tchau.”
Lula: “Tchau, querida.”

Dilma Rousseff, Bessias, Lula, termo de posse

Naqueles dias, havia blogs progressistas inventando mil desculpas para Lula virar ministro, e o desespero fazia a população roer as unhas. Na tarde em que tal áudio foi divulgado, foi justamente quando o povo saiu às ruas, sem preparação nenhuma de nenhum dos movimentos pró-impeachment (que dirá dos senhores Cunha, Temer e Aécio, como querem fazer crer os petistas como “organizadores do impeachment”), para gritar em todas as principais avenidas do país: “Renuncia! Renuncia!” – não era mais um substantivo, mas um verbo no imperativo.

Ora, se o áudio de Temer é algo “documental” que exige o seu “impeachment” (Temer pode ser afastado muito mais rapidamente por outros meios, mas a palavra não pega tão bem para uma militância lobotomizada), como o áudio do Bessias, que mostra o seqüestro das instituições do Estado para fins de impedir que a lei atinja alguém, pode não significar uma prova cabal contra Dilma… e contra Lula, que também deveria ser investigado já tão somente por isso?

Há de se preocupar muito quando a ideologia não permite mais que você observe a realidade mais elementar diante de seus olhos.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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