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Memória

Acidente da TAM completa 10 anos. Lembre-se da reação da esquerda para proteger Lula

De Marta "relaxa e goza" Suplicy a Marco Aurélio "Top Top" Garcia, o desrespeito de petistas pelas vítimas do maior acidente do Brasil.

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Marco Aurélio Top Top Garcia e assessor.

O acidente com o vôo TAM 3054, que matou 199 pessoas, completa hoje 10 anos. Um Airbus A320-233 indo de Porto Alegre para São Paulo não conseguiu aterrissar em Congonhas, chocando-se com um prédio da própria companhia TAM Express, além de um posto de gasolina, matando todos os 187 passageiros e tripulantes a bordo, além de 12 pessoas em solo. É o acidente aéreo com mais vítimas da história da aviação brasileira.

Na época, o Brasil vivia uma série crise aérea, com aeroportos hiperlotados, falhas logísticas intermináveis, estrutura claudicante e ainda agravada pela recuperação judicial da Varig, que terminaria por decretar falência.

O governo Lula, que havia acabado de ter sua imagem manchada pelo mensalão, saiu-se com uma desculpa infame pelos séculos dos séculos: não havia crise nenhuma, o governo era tão eficiente, mas tão eficiente, que os pobres do Brasil estavam começando a viajar de avião, o que nunca tinham feito antes na história desse país, e a classe média não gostava de Lula e do PT porque ele era tão bom e fazia todo mundo ser rico e esta classe média não gostava de pobre entupindo aeroporto. Faltaria ainda alguns anos para o Brasil se tornar definitivamente a Suíça, todos os pobres terem um BMW e um Audi e os índices de criminalidade e educação dispararem para baixo e para cima, exatamente nessa ordem.

Marta Suplicy, ainda uma petista roxa, havia se tornado Ministra do Turismo na distribuição de cargos para petistas e apaniguados no governo Lula. Falando sobre a crise aérea numa entrevista em 13 de junho de 2007 (quase exatamente um mês antes da tragédia), a sexóloga respondeu sobre a crise aérea aos brasileiros, desembestando-se a rir: “Relaxa e goza, porque depois você esquece de todos os transtornos!”

A frase mal educada ganharia contornos mórbidos dali a um mês.

Apagão aéreo

Os pilotos reclamavam muito da pista de Congonhas, que consideravam muito escorregadia e difícil de fazer aterrissagens. A pista onde se daria o fatídico acidente chegou a ser apelidada de Holiday on Ice pelos pilotos. A chuva era um terrível agravante. Congonhas, na época, vinha sendo usado como um aeroporto para escoamento dos vôos que não tinham para onde ir, atendendo aviões com muito maior porte do que aqueles para o qual o aeroporto havia sido projetado. Como o Airbus A320 da TAM.

Um ano antes do acidente, um Boeing 737 da BRA Transportes deslizou na pista e só conseguiu parar porque o piloto realizou um “cavalo de pau” na pista. Com acidentes, atrasos e cancelamentos de vôos, a Infraero prometeu um recapeamento do asfalto da pista de Congonhas instalando groovings, ranhuras na pista para escoar água da chuva e evitar alagamentos.

Em setembro de 2006, o acidente do vôo Gol 1907, que matou 157 pessoas, causou um apagão aéreo, que levou até à queda do ministro da Defesa de Lula, Waldir Pires – e posteriormente, ao “relaxa e goza” de Marta Suplicy. A pista de Congonhas acabou sendo liberada às pressas em 29 de junho, semanas antes do acidente, mas sem os groovings.

Uma informação pouco conhecida do público sobre a crise da época é que a gestão petista estava se livrando dos militares no comando dos aeroportos. Dois controladores de tráfego aéreo explicaram que o problema maior do caso não era a desmilitarização, e sim a péssima qualidade dos quadros técnicos colocados em substituição. Numa das provas para concurso da ANAC, havia uma pergunta sobre a ex-prostituta Bruna Surfistinha, por exemplo. Todos os cargos do alto escalão estavam sendo indicados pelo Executivo, na típica compra de apoio de partidos políticos que era uma das marcas registradas do petismo no poder.

Havia um problema extra surgindo no horizonte político, não visto pelo feudo do jornalismo: Nelson Jobim surgia com força como ministro da Defesa para ajudar a resolver problemas que poderiam ser solucionados com mão de ferro, no estilo turrão do então ministro. Como o PT havia ficado sem indicado para a substituição de Lula, com a queda de Palocci e Dirceu, havia um braço de ferro para evitar que Nelson Jobim, do PMDB, ganhasse muitos holofotes e aparecesse como o “solucionador” do apagão aéreo.

Quem havia sido colocada na diretoria da ANAC, Agência nacional de Aviação Civil, era uma antiga amiga de José Dirceu, Denise Abreu, não muito famosa por sua, digamos, delicadeza. Após o acidente com o vôo da GOL, em 2006, familiares relataram que Denise Abreu voltou-se a eles com as pérolas de sabedoria: “Vocês são inteligentes, o avião caiu de 11 mil metros de altura, o que vocês esperavam? Corpos?”

Denise Abreu posteriormente se desculparia ao então ascendente senador Demóstenes Torres, sem admitir o que teria dito aos familiares das vítimas. Logo mais, tentaria um reaparecimento, desta vez como estrela “conservadora”.

O acidente da TAM

Um dia antes do acidente, quatro pilotos reclamaram da falta de aderência na pista, inclusive um piloto da TAM, que só conseguiu parar seu avião a poucos metros do final da pista. Após uma pausa nas operações do aeroporto, a Infraero liberou a pista por “ausência de poças e de lâminas d’água”. Mas 18 minutos depois, uma aeronave ATR-42 da Pantanal aquaplanou, fez uma curva abrupta para a esquerda, invadiu o gramado e colidiu com uma caixa de concreto e um pequeno poste de luz. O piloto também fez um “cavalo de pau” para frear o avião, destruindo o trem de pouso e parte do nariz da aeronave. Seria o último aviso antes do fatídico acidente da TAM.

Quando o acidente com o vôo da TAM ocorreu, boa parte das informações técnicas acima vieram a público.

Lula fez um pronunciamento na TV sobre o acidente já com uma mensagem pouco velada: “Não se pode condenar ou absolver quem quer que seja com base em opiniões apressadas”, além de “serenidade para não cometer injustiças”. Era uma forma de se eximir de responsabilidades, em um discurso curiosamente na defensiva após um acidente aéreo.

Lula também falou de “algumas decisões tomadas hoje pelo Conselho de Aviação Civil”, falando em uma “mudança do perfil operacional do Aeroporto de Congonhas” que ocorre até hoje. De acordo com Lula, “embora Congonhas atenda a todas as normas internacionais de segurança, isto não basta”.

O segundo ponto apresentado seria o “fortalecimento da Agência Nacional da Aviação Civil”, criada pelo Executivo em 2000. Denise Abreu seria a grande beneficiária. Já o penúltimo ponto foi uma promessa política que envelheceu mal: “Definição em 90 dias do local da construção de um novo aeroporto na região de São Paulo”. Estão sendo longos 90 dias.

Lula ainda admitiria o óbvio: “Nosso sistema aéreo, apesar dos investimentos que ‘fizemo’ na expansão e na modernização de quase todos os aeroportos brasileiros (sic), passa por dificuldades.”

Lula havia sido inquerido no debate presidencial com Geraldo Alckmin sobre 100 milhões de superfaturamento apenas em Congonhas (soma que, hoje, comparada ao petrolão, soa a troco de pinga). Lula respondeu em tom arrogante, afiançando que “não sobrará pedra sobre pedra e tudo será apurado”. Uma expressão ominosa e mau agourenta sobre o PT e si próprio.

Frases de petistas sobre os 10 meses de crise aérea entre os dois acidentes soaram igualmente funestas.

Guido Mantega, o pior ministro da Fazenda da história do país, afirmou que “a crise é devida ao crescimento econômico” (sic). Difícil explicar como o suposto enriquecimento ilusório inflacionário de Guido (posteriormente preso) acalenta qualquer familiar das 157 vítimas do acidente da Gol e das 199 vítimas do acidente da TAM.

José de Alencar, vice-presidente e ex-ministro da Defesa, desculpou-se: “Investimos pouco. (…) Pedimos paciência”.

Já Walfrido Mares Guia, um dos criadores do Ministério do Turismo e um dos fundadores do Sistema Pitágoras de Ensino, então deputado federal pelo PTB, repetiu no Jornal Nacional: “A culpa não é do presidente Lula; a culpa não é do presidente Lula”. Walfrido cairia no caso do “mensalão mineiro”, abrindo espaço para Marta Suplicy.

João Brás Pereira, supervisor do aeroporto de Congonhas, junto com outros funcionários na Infraero, depois das 3 e meia da madrugada, são flagrados numa vista privilegiada dos escombros do acidente da TAM. Riam, apontavam para os escombros, faziam algum comentário e riam mais um pouco, até perceber estarem sendo fotografados.

João Brás Pereira, supervisor do aeroporto de Congonhas

A reação dos petistas

Imediatamente após o acidente, blogs progressistas, até então em fase ascendente com as polpudas verbas públicas ainda não investigadas repassadas pelo governo Lula, começaram a defender o governo, o aeroporto de Congonhas e até mesmo a qualidade da pista (sem nenhum laudo, no dia seguinte), pois, afinal, a pista do aeroporto era de responsabilidade do governo.

Gilberto Dimenstein, futuro criador do Catraca Livre, foi um dos primeiros a achar o culpado pelo acidente, antes do laudo que demoraria mais de um ano: é a “nossa baixa de cidadania –o que se traduz em irresponsabilidade” (sic). Foram nossos “descuidos e de irresponsabilidades que conduzem a pequenas, grandes e médias tragédias”. Tivéssemos todos nós, um todo indefinido incluindo o leitor, mais cidadania, e não haveria tragédia. Nada de politicagem do setor aéreo, teoria da conspiração da extrema-direita.

Paulo Henrique Amorim, que tudo entende de transponders, reversores, spoilers groovings, sabendo arremeter sozinho de olhos vendados, resolveu ironizar uma reportagem da Globo sobre o acidente:

“O repórter Rodrigo Bocardi demonstrou de forma irrefutável que as condições da pista eram tais que uma chuva da espessura de uma moeda de R$ 1 foi suficiente para matar 199 pessoas. Reportagem memorável, porque se cercou de propriedade da Ciência Física que nem Einstein imaginou. Como prêmio, este repórter, hoje, domina a cobertura internacional da Globo, a partir de Nova York. (…)

A investigação do acidente concluiu que Lula não estava na cabine de comando do avião da TAM e que a “moedinha” de água do Bocardi cobrindo a pista de Congonhas não foi a causa da tragédia: a manete de aceleração/reverso estava na posição errada durante o pouso. Àquela altura, todas as hipóteses culpando Lula e/ou o governo pelo acidente já tinham sido testadas.”

Paulo Henrique Amorim diria pouco depois que blogueiros progressistas são “combinação de Einstein com Machado de Assis” (sic).

Em outra genialidade de bom gosto, Paulo Henrique Amorim ainda ironizaria uma coluna de Eliane Catanhêde sobre um laudo do acidente: “Porém, num gesto de argúcia investigativa, Eliane Cantanhêde não menciona a presença do presidente Lula na cabine de comando.” Até mesmo quando a imprensa é séria e não tem como incomodar petistas, petistas se incomodam, colocam Lula no meio e reclamam que seus desafetos não são tão baixos quanto eles próprios.

O próprio Lula, três anos depois, lembraria do caso “com mágoa” da imprensa que investigava e contava ao público os dados técnicos que assustam quem é capaz de entender sua gravidade:

“Tenho muita mágoa. Fomos condenados à forca e à prisão perpétua em 24 horas. Se eu tivesse algo para não lembrar, seria o acidente. Pessoalmente, a TAM foi muito pior do que o mensalão. O outro [mensalão], foi problema político, e os partidos que tratassem de resolver. Vi editorial jogando 200 corpos nas minhas costas e depois não saiu nenhuma errata.”

É difícil imaginar que errata poderia ser feita, se todos os problemas eram reais.

A tese defendida por blogs progressistas, que saíram imediatamente afirmando que a pista de Congonhas era segura, era de que era sim possível aterrissar à vontade em Congonhas com apenas um reversor ligado, como foi o caso do vôo TAM 3054.

Diogo Mainardi, em um podcast para a Veja, trouxe o discurso para a realidade. Falou do então famoso avião presidencial, o Aerolula, e sugeriu que Lula, para provar o que dizia, pousasse umas 10 vezes em Congonhas com apenas um reversor, sob chuva. Se tudo corresse bem, comemoraríamos. Se o avião se estatelasse como o da TAM, precisaríamos parar por uns três dias para pensar, como Lula o fez com seus assessores, avaliando o impacto do acidente na imagem pública dele próprio.

Seria melhor embarcar logo com jornalistas como Paulo Henrique Amorim. Ou Fernando Rodrigues. Ou Tereza Cruvinel. Ou, claro, Mino Carta. Todos falaram sobre aderência da pista, sobre reversores. Sem esperar por qualquer laudo técnico.

Mas a reação mais notável mesmo ficaria para um dos fundadores do Foro de São Paulo, que ganharia um apelido que grudaria em seu nome: o Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais (sic), Marco Aurélio Garcia.

Ainda em julho de 2007, uma reportagem do Jornal Nacional revelaria que o avião da TAM tinha um defeito no reversor da turbina, e por isso estaria voando com o reversor direito desligado. A informação teria de reverter a narrativa impingida pelos petistas até então: se o reversor estava desligado por apresentar defeito, basta transferir ao reversor a culpa. Não seria mais culpa da “baixa cidadania” de Gilberto Dimenstein.

Quando a reportagem do Jornal Nacional veio a público, Marco Aurélio Garcia foi flagrado em seu gabinete com o assessor Bruno Gaspar fazendo gestos obscenos ao entreverem a possibilidade de eximir o governo de qualquer culpa pelo acidente.

Marco Aurélio Garcia fez o famoso gesto que foi chamado por Reinaldo Azevedo de “top-top”, o que só deu um caráter humorístico e até fofo ao gesto. Na verdade, foi o conhecido gesto de “se foderam”, indicando uma forçada sexual violenta. Já seu assessor Bruno Gaspar foi adiante: além de ser visto pronunciando um “filho da puta” em leitura labial, ainda puxa os braços para perto de si forçando ainda mais violentamente uma idéia de “enrabada” sexual.

O apelido Marco Aurélio “Top-Top” Garcia só fez por tirar a força, a agressividade e a imoralidade do ato. Pouco importavam as vidas para os petistas: qualquer notícia que pudesse ser explorada para desviar a atenção do caos gerado pelo governo era comemorada como um orgasmo longamente esperado. E danem-se as vidas.

Valter Pomar, o homem do Foro de São Paulo, ainda saiu em defesa de Marco Aurélio Top Top Garcia. Em artigo publicado no site do PT, disse que o clima no partido é de “total solidariedade”: “Ele está sendo usado, exposto por uma coisa que não tem nada a ver com o que ele fez como pessoa física”. A lógica da frase é invertida (faria alguma tentativa de sentido se fosse “pessoa privada“), mas ainda se sobressai a tentativa de vitimizar Marco Aurélio Garcia. Sem muita afeição pelas vidas ceifadas.

Ricardo Berzoini seguiu o exemplo: “Ele não pode ser avaliado por uma situação como essa, até para não criar o estigma bobo e infantil de marcar uma pessoa pelo que ocorreu quando não sabia que estava sendo filmada”. Bobo e infantil seria “o estigma”, não Marco Aurélio Garcia.

O secretário de Comunicação do PT, Gleber Naime, completou: “O professor Marco Aurélio tem toda a nossa solidariedade. Sua privacidade foi invadida”. Até a página de Marco Aurélio Garcia na Wikipedia tenta jogar a culpa na imprensa:

Na época, a imprensa interpretou o gesto como uma celebração da notícia que eximiria o governo federal de culpa no acidente que causou a morte 199 indivíduos, cuja versão estava diariamente sendo apregoada pela emissora, no bojo da “crise aérea”.

Tragédia

Um acidente é causado por uma série de fatores em cadeia, que dificilmente gerariam um acidente de tamanhas proporções sozinhos. Houve pequenas falhas, até mesmo humanas, que encadeadas geraram o acidente que ceifou 199 vidas.

O horrendo no caso do PT é notar como o partido só estava interessado em se sair com uma imagem boa, e não com nenhuma vida.

Até hoje, ninguém foi responsabilizado pelo fatídico acidente da TAM. As pessoas que fizeram piadinhas com o acidente, ou comemoraram com gestos sexuais, continuam pautando leitores e outros jornalistas, com empregos em grandes canais de TV. Que as futuras gerações saibam o que pensam e o que fizeram os jornalistas que pensam em ideologia e em proteger seus criminosos preferidos antes de respeitar a vida.

Nossa tristeza pelas mortes, que poderiam ser evitadas sem tantas interferências políticas. E nosso desgosto pelo desrespeito reinante em certa parcela deste país.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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