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Mídia

Boicote é diferente de censura. É preciso ser um Einstein pra entender ou você também consegue?

O boicote ao Santander foi tratado pela mídia por todos os nomes pesados, de censura a nazismo. Exceto pelo que é. Fake news funcionam assim.

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Boicote ao Santander pela exposição Queermuseu

Ultrapassou demasiadamente as raias do ridículo a grita de jornalistas, celebridades e demais membros da classe falante, a intelligentsia soviética (ou a classe de “espermatozóides verbosos”, na classificação de Emil Cioran) na defesa da exposição Queermuseu, do Santander. Basta ver como foi tratado o boicote auto-organizado pelo povo em repúdio à mostra enaltecendo pedofilia e zoofilia.

Perguntado aleatoriamente se acredita na mídia, o brasileiro é ávido em recusar a crença, afirmando haver uma manipulação e desinformação (não importando se é de direita ou esquerda) e joga a credibilidade da mídia (pense-se em Folha ou Globo) no bueiro. A mídia tem credibilidade para menos de 5% dos brasileiros.

Mas quem quer entender como funciona a manipulação, precisa observar além e aquém, ou melhor ainda, por dentro das entrelinhas e subterfúgios lingüísticos de jornais. A dominação hegemônica, em sentido gramsciano, de uma única ideologia nas grandes redações não era uma realidade e não criava um monobloco de pensamento até as faculdades de jornalismo, letras, psicologia e demais áreas que cuidam do imaginário coletivo serem dominadas por lingüistas, semióticos e demais profissionais embrulhados em estruturalismo para explicar a realidade.

O estruturalismo, tido como única verdade absoluta em meios acadêmicos, basicamente rachou as palavras, divorciando mortalmente o seu significante (seu som, sua imagem gráfica, seu símbolo representativo) de seu significado. Ceci n’est pas une pipe, no famoso chiste de Magritte.

Sem a mediação pela realidade, jornalistas, sobretudo a partir dos anos 60, não vão mais para a faculdade para aprender a investigar o real, desvendar artimanhas de políticos, compreender os desvãos do Direito ou desvendar crimes até antes da polícia, seja no lobby de um hotel ou nos extratos de movimentação de dinheiro na Suíça.

Bem ao contrário, o jornalista é ensinado a mover a indignação, surpresa, admiração, apreço, amor ou horror a algo muito mais conforme as palavras com as quais é ensinado a escrever textos. Muito antes da investigação da realidade, é o manual de redação da publicação que o jornalista “foca” hoje é forçado a engolir.

No caso do Santander, o estratagema ficou claro como o meio dia: se a exposição, que busca “causar reflexão”, teve como conclusão da reflexão um repúdio por parte da sociedade, que não queria acesso de crianças a obras enaltecendo a sexualidade infantil, o caso foi de censura.

Censura, obviamente, é quando um censor, quase sempre estatal, proíbe (repetindo: proíbe) algo por não querer que outras pessoas tenham acesso àquilo. Via de regra, acontece pela manutenção do poder político (a censura que foi quase a solitária marca autoritária da ditadura militar brasileira, a totalitária censura soviética e nazista, o temor anti-domínio das religiões).

Também pode haver censura pela manutenção de uma moralidade pública – aqui, bem ao contrário do que pensa nossa vã esquerda, ávida em denunciar “moralismo” de todos que não sejam ela própria, deve-se incluir também os siricuticos feministas e denunciando “discursos de ódio” e “preconceitos” de quem pecha tudo de “racismo, machismo, homofobia e fascismo”. Censura é o que faz o politicamente correto defendido pela Escola de Frankfurt e tudo quanto é jornalista, afinal.

Se isto ainda é insuficiente para se definir a censura, podemos adicionar ainda uma definição: censura é proibir o acesso a algo para um adulto. Uma criança não pode ver filmes pornográficos, ou nem mesmo muito violentos, e isto não é considerado “censura” (muito menos com chiliques fazendo eternas e mofadas analogias com o fascismo). Assim se consegue uma definição que busca mais uma essência – bem o oposto das analogias malucas e do estruturalismo.

https://twitter.com/flaviomorgen/status/907302606007099393

Se jornalistas estivessem minimamente preocupados com alguma verdade, buscariam antes averiguar os fatos: houve um boicote à exposição do Santander. Uma organização pós-exibição pedindo, através da defesa de uma causa, que ela não fosse freqüentada. A pressão não envolveu destruição de obras, fechar o acesso à exposição com piquetes (como as greves da esquerda), ameaçar freqüentadores, fazer pichações na frente.

Não: foram pessoas que, livremente, por serem clientes de um banco privado, foram encerrar suas contas. Em um dia, foram mais de 20 mil contas no Santander encerradas. Um boicote: a não utilização de um serviço. Pouco mais do que cócegas para uma instituição do tamanho do Santander, mas muito mais do que um arranhão em sua imagem pública.

Acontece que jornalistas não estavam interessados em averiguar a verdade. Pensar em fatos e, seguindo os fatos, quase como detetives, deslindar um fenômeno difícil de ser percebido pelo olhar desatento. Jornalistas andam muito empenhados na ideologia de gênero: preferiram tão somente se forçar a usar uma palavra que soe pesada, dissociada de qualquer sentido, e pechá-la contra um grupo rival.

Assim, não houve boicote nenhum ao Santander: houve “censura”. E não, é claro, pelo povo, mas pelo MBL, o Movimento Brasil Livre, principal movimento de rua de mobilização pelo impeachment de Dilma.

Ninguém pensa se o MBL tem 20 mil contas para fechar no Santander em um dia, ou se fechar uma conta no banco é o mesmo que censurá-lo – assim posta, a situação revela o ridículo factual que é. Mas não se argumenta contra palavras: argumentação se dá no nível do silogismo, com sentenças já cheias de palavras.

Com uma única palavra, como “censura”, todo o problema está resolvido para os jornalistas: o telefone sem fio da fofoca (nenhum jornalista vai deixar de aumentar um pouco a historieta e a analogia com o nazismo, nunca com o comunismo ou o islamismo), logo está o povo inteiro acreditando que o MBL, sozinho, esses nazistas, impuseram “censura”. Sobre a “arte”, que “causa reflexão”. E os nazistas do MBL e, claro, todos que o apóiam e, mais claro ainda, todos que apoiaram o impeachment, são nazistas censores.

Uma exposição com quadros com enaltecimento à sexualização infantil e à zoofilia teria sido brutalmente censurada pelo “extremo moralismo” do MBL (movimento que já falou em “direita transante” e tem mais jovens per capita do que todo o PSOL).

Enquanto você não souber diferenciar palavras e cobrar jornalistas pelo seu mau uso, você será tapeado. Não é preciso ser um Einstein para notar a brutal diferença entre um boicote e censura. Comente todos os textos, cobre os jornalistas nas redes sociais pela manipulação, cobre das redações responsabilidade dos seus jornalistas. Não deixe a historieta do Santander entrar para a história como mais um caso da censura brutal da direita contra a esquerda toda boazinha e fofinha que só quer direitos humanos e o bem de pobres, mulheres, crianças e cabras.

Afinal, o que eles falam é mentira. É fake news (e logo eles, claro, estarão amanhã criticando as “notícias falsas” da internet, que, em sua cabeça, “elegeram Trump”, o que é mais uma notícia falsa). Se eu que não sou um Einstein consigo perceber a diferença, certamente que você também consegue.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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