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São Paulo

A metamorfose kafkiana contra o Uber e os aplicativos de transporte

Um novo (de novo!) Decreto quer proibir o Uber em São Paulo. Mas não proibiiiirrr.... É assim, só uma ˜regulamentação", só umas norminhas...

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Uber x Taxi em São Paulo

Uma noite, após sonhos intranqüilos, aplicativos como Uber, Cabify, 99 e similares acordaram na cama e se viram transformados em velhos taxis burocratizados por um Estado ainda mais velho.

A metamorfose já seria trágica por si – testemunhar o desenrolar apatetado de uma farsa sendo reprisada em ritmo de Vale A Pena Ver De Novo (spoiler de sempre: não vale) apenas anestesia o Brasil para a sua eterna vocação para o atraso – e sempre com os mesmos velhos atores numa pantomima burlesca de enredo idêntico que não poderia render um final diferente.

Repetindo-se o enredo, atores e cenários, o povo desiste de acompanhar a novela petite bourgeoisie e permite facilmente que o pior desfecho possível ocorra – senão na primeira, na décima quinta tentativa.

Ou décima sexta. A Prefeitura de São Paulo votará pela décima sexta vez uma resolução que quer proibir de forma nada velada o modelo dos aplicativos de transporte, como Uber, Cabify e 99, para que todos se tornem taxis na forma, no conteúdo, no modelo e às vezes até na cor – com a módica diferença de que não os chamaremos de taxis. Então não é assim que proibiiiiiram, entendeu?

Agora, é a vez do Decreto 56.981/2016, de março de 2016, que será votado nos próximos dias. Seu objetivo é entupir de burocracia um sistema que funcionava bem sem burocracia, simplesmente porque burocratas estatais juram que tudo está muito mal, e certamente precisamos deles para que nossas vidas passem a funcionar. Afinal, tudo o que queremos para nossa vida ir pra frente é de burocratas burocratizando. Dá até vontade de pedir um vereador ligado ao Sindicato dos Taxistas de presente de Natal.

Para salvar o consumidor de sua própria escolha em usar aplicativos de transporte, burocratas querem que os motoristas que conseguem movimentar a economia e ter uma fonte de renda mesmo sem precisar dos maravilhosos empregos estatais sejam sujeitos a uma burocracia infinita para poder oferecer seus serviços ao consumidor. Afinal, sem isso, estará tudo tão mal com o Uber, mas tão mal, que ninguém nem sonharia em querer utilizá-lo.

Oh, ops. Na verdade, é exatamente o que o Sindicato dos Taxistas quer, já que está todo mundo preferindo o Uber. E vereadores preferem fazer lobby com seus financiadores de campanhas do que em cuidar do grande público. E já reparou como campanhas eleitorais na grande São Paulo sempre terminam com algumas estranhas tragédias envolvendo transportes, de Celso Daniel aos 20 centavos de Junho de 2013?

Esta é a situação atual da burocracia para alguém trabalhar e servir ao público com aplicativos como o Uber:

Burocracia atual do Uber

E assim ficará o monstrengo burocrático a partir de janeiro de 2018 caso o Decreto seja aceito pela Prefeitura de São Paulo:

Burocracia do Uber em Janeiro

Tudo para o nosso bem, claro.

A tendência atual do Estado brasileiro é se transformar em um gigantesco Leviatã que não mais oprima, que seja “contra” o povo que está machucando, tratando-o como inimigo, no jargão político de Carl Schmitt. A preferência leviatânica atual é crescer e sufocar, mas dizendo que faz o bem. Quem nos salvaria de nós mesmos, se não fosse a maravilhosa burocracia estatal?

Assim se criarão regulações até sobre um código de vestimenta (sem nenhuma norma para motoristas do sexo feminino, diga-se), sem levar em conta que o Uber tem uma vantagem enorme em relação aos taxis para o consumidor (não é ele que importa? tal como somos todos pedestres, também somos todos consumidores): o próprio usuário pode avaliar mal um prestador de serviço que não trabalhe bem (seja em roupas, trajeto, educação etc), fazendo com que os motoristas se policial para oferecer um bom serviço.

Com taxis, nada disso é possível, e a tendência geral não é de um aperfeiçoamento constante, restando ao consumidor torcer pela boa vontade do profissional (que os há, há em profusão, mas eles são bons contra o modelo taxista, e não graças ao modelo taxista).

Ou seja: são contínuos e seqüenciais projetos de lei, decretos, portarias e demais ordens burocráticas que vão contra o povo, o consumidor, o pagador de serviços entupidos de impostos (que só paga, como o próprio nome diz, por obrigação, e não por receber algo de bom em troca). Mas favorecem a curiosa casta de quem quer continuar oferecendo um serviço ruim, a despeito e quase contra também os bons taxistas. Sempre a mesma casta que se envolve nos escândalos que mais param uma cidade como São Paulo. Por mera coincidência.

A metamorfose kafkiana dos Ubers, Cabifys, 99 e aplicativos de transporte no velho modelo desgastado do taxi, sem dizer que é taxi, é um retrocesso que nem a esquerda progressista consegue defender – a esquerda viciada em falar de sindicato e direitos trabalhistas, mas gostosamente com MacBook vivendo no Leblon e vivendo de empreendimento e renda familiar patriarcal.

Vide Gregório Duvivier, que defendeu o modelo Uber, bizarramente acreditando que tinha algo de “esquerda”, por dividir poder (Alexis de Tocqueville, em A Democracia na América, mostra que esta é a vantagem da América conservadora sobre os povos revolucionários: justamente, dividir o poder).

A esquerda só consegue ser esquerda no discurso abstrato (“direitos trabalhistas! impostos! sindicatos!”), e também é com palavras vazias que quer transformar o Uber em taxi, sem dizer que é taxi, mas com a mesma regulamentação, burocracia, despesa e, claro, dinheiro sendo transferido do consumidor e do prestador de serviço ao Estado leviatânico. Todo Uber tem um Gregor Samsa se preparando para transformar em barata dentro de si.

João Doria, o prefeito do marketing, das aparências e do discurso, parece ter se assumido como sem nenhuma substância por detrás da perfumaria diante de toda a opereta. Sem entender como sindicatos e organizações de lobby funcionam, ignora que, tão logo o interesse da população desapareça quando se tenta uma lei impopular uma vez, tentarão de maneira ainda mais dura e sem alarde dos veículos de comunicação.

Quase ninguém fala do terrível Decreto 56.981/2016. Buscar notícias a respeito do ímpeto do Estado diante do indivíduo é tarefa hercúlea, apenas para quem já o conhece e já sabe de suas conseqüências temíveis. É bom alertar a população para que fique alerta, pois a luta pela liberdade no Brasil ainda mal começou.

E foi sem alarde e notícia alguma na mídia que a metamorfose que Kafka relata aconteceu. É sob o mesmo estrepitoso silêncio que o Uber pode deixar de existir da noite para o dia.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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