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Não é “aproveitamento”: variação do preço da gasolina tem lógica

A mídia descreve o aumento no preço da gasolina como se postos estivessem "se aproveitando" dos clientes. O aumento tem mais lógica do que abaixar o preço na canetada.

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Preço da gasolina

Desde antes do fim da greve dos caminhoneiros e do ajuste no preço feito no tapetão pelo governo Temer para conter a ruptura que se avizinhava, pulularam pela grande mídia “denúncias” de postos de gasolina que estariam “se aproveitando” do desespero do consumidor e aumentando o preço da gasolina, que já é vendida acima de R$ 4/litro na maior parte das grandes cidades (no Recife e em outras cidades, a gasolina chegou a ser vendida por R$ 8,99 no auge da crise).

A explicação de um “aproveitamento” egoísta de donos de postos de gasolina traz sempre o ranço da “teoria da exploração” que aprendemos na escola e crescemos sem compará-la com algo mais sólido e verdadeiro. É a teoria da exploração – de que o lucro é pernicioso, e é sempre uma forma de “passar a perna” no comprador – que molda nossos sentimentos sobre a economia e o mercado desde a puberdade, e raramente nos livramos de seu cabresto.

Não há argumentos e livros com mil páginas contra sentimentos, afinal. Eles são o maestro da vida toda de quem acredita na teoria da exploração.

Entretanto, a teoria da exploração, que teve como principal nome Karl Marx (o mais fraco) e Johann Karl Rodbertus (o mais forte) foi já refutadíssima tão logo seus escritos foram publicados (no caso de Marx, antes de o terceiro livro d’O Capital ter sido lançado). Entre centenas de outros economistas, por Carl Menger e sobretudo Eugen von Böhm-Bawerk (enquanto no ensino médio e na vida, a esquerda acredita que a direita até hoje só segue Adam Smith).

A grande vantagem do capitalismo é que, não sendo um sistema centralmente dirigido, cada um pode seguir o seu próprio interesse, e mesmo assim a economia funcionar, sem ninguém precisar viver às custas de outrem, como em todo outro sistema.

Assim, não é que donos de postos de gasolina precisem pensar no “bem comum” para o bem comum funcionar. Podem pensar no seu interesse próprio, que o sistema econômico como um todo sairá ganhando. E o interesse próprio não é necessariamente “se aproveitar” de uma situação ruim pela qual passa a população, ainda que alguns tentem tirar vantagem pessoal (e, nas CNTP, teriam de lidar com a concorrência vendendo um produto mais barato, embora a greve justamente centralize o que antes era uma livre concorrência).

Com um produto escasso, como a gasolina, o primeiro a ser prejudicado é, afinal, justamente quem depende dela para viver. Um posto de gasolina que passou 8 ou 9 dias sem vendas invariavelmente irá aumentar o preço do produto quando puder tê-lo em estoque para cobrir as vendas que não teve. Não faz sentido ignorar tal fato e exigir “combustível barato” esquecendo-se de que também há contas para pagar do outro lado.

Um preço alto é antes de mais nada uma informação para o consumidor: o produto está sendo desejado e é um bem escasso (ninguém vende areia a R$ 200 o kilo por muito tempo). Bens escassos precisam ser comprados com mais economia: mesmo sendo milionário, talvez não seja a hora de colocar o jipe devorador de gasolina na rua para impressionar as gatinhas, já que depois de algumas voltas, mesmo tendo dinheiro, não será possível comprar o produto. Mantê-lo em estoque soa mais interessante do que gastá-lo.

O funcionamento do mercado depende da alocação de recursos ou, em termos menos pedantes, de cada um ter, razoavelmente, uma quantidade básica de bens adequada. Todos os sistemas econômicos centralizadores do mundo tentam prometer uma alocação perfeita ou mais “bem intencionada” alocando os recursos através de um comando central estatal: da burocracia de uma ditadura militar tecnocrata ao socialismo, todos presumem que podem estatizar setores estratégicos (como o petróleo) ou mesmo determinar o quanto cada um pode e deve trabalhar e quanto deve ter de comida, vestuário ou itens variando de higiene ao lazer.

Ora, buscando o seu próprio interesse, o dono do posto de gasolina querendo corrigir sua perda de lucros acaba por provocar uma realocação de recursos natural e instintiva que nenhum governo socialista ou social-democrata conseguiria produzir com décadas de tabelas: ninguém que vai encher o tanque para ficar com o carro na garagem irá fazê-lo na alta dos preços. Nem quem pode se servir de outro meio de transporte. Apenas para quem é imprescindível (pensando em casos extremos, uma ambulância, uma viatura de polícia, o caminhão dos bombeiros) a gasolina será comprada.

A realocação de recursos acontece naturalmente, aos trancos e barrancos, e não costuma demorar muito, mesmo no caso de um bem tão imprescindível quanto a gasolina. O que seria impossível sem um sistema de preços, como em economias socialistas (em que uma simples greve causa décadas de fome, derruba sistemas, empaca a indústria por quase um século, impõe a lei marcial, mantém a população na miséria e faz o país perder guerras).

O aumento no preço da gasolina tem mais lógica do que abaixá-lo na canetada para favorecer um setor em detrimento de outro, sem realocar recursos pela lógica da escassez e da oferta e da procura. Mantê-la baixa poderia levar o país inteiro à bancarrota, quebrando setor por setor em um dominó que não levaria mais do que um mês para destruir a economia.

Veja-se, por outro lado, o que acontece quando um comando central tenta ignorar as leis básicas de oferta e procura, acreditando estar dando uma aula de boas intenções e bom mocismo. Vide as bicicletas que o banco Itaú (logo um banco) disponibiliza perto de estações do metrô em São Paulo para aluguel. Com a crise, o banco quis fazer uma propaganda auto-elogiosa deixando-as disponíveis para quem quisesse usá-las como substituto pelo valor simbólico de R$ 1.

O resultado, bem diferente de um paraíso holandês de pessoas usando bicicletas para percorrer uns 30 km entre a casa e o trabalho (como é bem comum em São Paulo), foi simplesmente chegar nas estações e raramente encontrar bicicletas, já que todas haviam sido pegas por quem iria apenas usá-las para recreação, nestes dias meio de “férias”. Prateleiras vazias em supermercados da Venezuela? O princípio não é muito diferente, logo depois de o ditador socialista da ocasião decretar abaixar preços na canetada.

É claro que falamos, no Brasil, de um sistema que nem mesmo se parece com o capitalismo (uma observação por 3 dias do funcionamento da produção e das trocas de um país como a América ou a Inglaterra mostra nosso avançado grau de estatismo).

Aqui, o governo decreta abaixar o preço do diesel a fórceps para conter a greve sem explicar como vai pagar o rombo, há sindicatos dos caminhoneiros negociando preço, sindicato dos donos de postos de gasolina avisando que ainda estava vendendo estoque anterior e portanto não deve receber a multa milionária do governo, gasolina aumentando também na canetada do governo para compensar, uma estatal de petróleo que manda e desmanda e ninguém pode recorrer a uma concorrente, conflito de preço entre produtora e distribuidora monopolista…

Mas o cenário todo, carcado na idéia de que todo mundo que lucra é um explorador de coitados, mostra como sempre que o Brasil não faz idéia do que é (ou como seria) um livre mercado, não possui nenhum conhecimento sobre teoria de preço além de variações da “mais-valia”, e quem mais deveria informar a população, que são os meios de comunicação de massa, são os que menos entendem do fenômeno que têm diante de si.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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