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Vai, não vai

Gustavo Bebianno vai embora e, com ele, mais uma narrativa da mídia e da independentosfera

Bolsonaro exonera Bebianno. Era o óbvio, mas como ficará o manancial de notícias amalucadas dando "furos" sobre como seria a negociação para Bebianno continuar no poder?

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Gustavo Bebianno, o garoto-problema do governo Bolsonaro nos últimos dias, foi finalmente exonerado no fim do horário (normal) de expediente desta segunda (18), conforme esperado. O agora ex-secretário-geral da Presidência da República foi demitido numa novela que pareceu um jogo de gato e rato público, com indiretas, ameaças, reclamações, vociferações e faniquitos pela mídia, que terminou mais como um jogo de damas com nítida superioridade de um lado do que num complexo tabuleiro de xadrez.

Bebianno foi colocado em uma Secretaria Geral da Presidência esvaziada completamente de significado: todas as pastas milionárias que ficariam sob seu comando lhe foram tiradas. Na prática, funcionava quase como um zelador do Palácio do Planalto.

Afeito ao poder, há razão para crer que queria até mesmo a vice-presidência, minando todos os outros nomes cotados para o cargo – como Janaína Paschoal ou o príncipe Luiz Philippe de Orleans. Dotado de um cargo simbólico, aproveitou-se do status para uma relação com a mídia que era adorada por jornalistas que odeiam em uníssono o governo Bolsonaro, e adoravam ter contato com alguém “interno” para fazer a caveira do presidente.

Desde sexta-feira, quando uma reunião de contigenciamento adiou sua óbvia demissão para esta segunda, a mídia deu um escarcéu daquilo que ela própria chama de “fake news”, ou de análises que atiram tão longe do alvo que acabam acertando apenas o próprio atirador.

Logo após o Jornal Nacional de sexta garantia a permanência de Bebianno, uma reportagem do SBT mostrava o exato oposto. Bebianno, que diminuiu seu tom de otimismo com a mídia após ser desmentido por Carlos e Jair Bolsonaro no episódio de ter “falado com o presidente” no hospital, estava firme, mas silencioso. Durante o fim-de-semana, foi admitindo cada vez mais sua derrota.

Chegou ao ponto de dizer que se arrependia de ter “ajudado” a eleger Bolsonaro, uma frase “ouvida por um interlocutor próximo” que foi repetida ad nauseam pela mídia como se fosse um grande escândalo que pudesse chocar um único eleitor de Bolsonaro no país. A despeito da repetição goebbelsiana, ninguém faz a menor idéia de qual seria a “ajuda” de Bebianno com o PSL, se todo o eleitorado de Bolsonaro mal sabia da existência do partido, e o inundou de votos graças ao simbolismo do próprio Bolsonaro, sem nem saber quem era Bebianno (a maior parte do país ainda não sabe).

Diogo Mainardi fala sobre Gustavo Bebianno

Nesta manhã, graças ao comentário de alguns jornalistas, todos repetiram o dog whistle do “Diário Oficial”, repapagaiando o discurso de que a demissão de Bebianno ainda não havia aparecido. Aventou-se mil possibilidades (já que a insustentabilidade do garoto-enxaqueca da vez só poderia ser negada por quem não sabe do que acontece no Brasil), como Bebianno ganhar uma embaixada em Lisboa ou Roma em troca de seu silêncio (hipóteses que, afinal, ainda não foram descartadas).

O curioso, que não ocorrerá, será lembrar do manancial de notícias que deram sobre Bebianno no dia de hoje. O modelo seguido é copiado do jornalismo americano: dar um grande furo responsabilizando uma “fonte” supostamente interna que não pode ser identificada para sua grande acusação, e depois se livrar de qualquer conseqüência inescapável quando a verdade se revela o oposto do publicado, apenas culpando um anônimo indeterminado pela escorregada.

https://twitter.com/Smith_Hays/status/1097626868793163779

A narrativa da mídia, insuflada através de sutis palavras que jogam o holofote sobre algo secundário, era a de que Gustavo Bebianno era um todo-poderoso dentro do governo Bolsonaro, que poderia destruir sua credibilidade e a de sua família (curiosamente, usando como exemplo da maldade de Bolsonaro justamente o pouco poder que o presidente teria conferido ao seu ex-ministro). Que Bebianno estava prestes a colocar a boca no trombone e derrubar a república, num sonho meio laurojardineiro com direito a Plantão da Globo e tudo. A independentosfera, o reino daqueles que se julgam “independentes” justamente por copiar obedientemente os passos de quem queria estar no poder no lugar de Bolsonaro, comprou a narrativa ainda mais feliz do que a esquerda.

Há muito o que não se sabe ainda sobre os trâmites internos do governo, e logo lançaremos nossa análise completa do caso Bebianno em nossa revista para nossos patronos, mas fica claro que Bebianno tinha amigos, no mínimo, esquisitos para um ministro de Bolsonaro: parecia mais afim de Rodrigo Maia, Lauro Jardim, Luiz Fux e dos sites cheios de “EXCLUSIVAS” sobre supostas notícias desabonadoras da família Bolsonaro do que, afinal, do próprio governo.

Para estes, e não para o governo, parece que a fonte secou. E a narrativa de ter um grande escândalo a ser explorado foi junto. Alguém se lembrará destes erros daqui a alguns meses?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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