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Crônica da Semana

O naufrágio dos grandes romances

Estréia da coluna de crônicas do Senso: porque só política enche os "pacová"

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Vida de escritor é uma confusão só. Quer dizer, deve ser. Eu bem que queria ser escritor, mas uma dor aguda na lombar me impede de ficar sentado muito tempo. Tenho até uma bela vista. Da minha janela eu vejo todo o esplendor do vale do Anhangabaú. 

Segundo o senso de 2015, já foram registrados mais de quatrocentos e quinze problemas para quem quer começar a escrever. Faulkner dizia, isso sim um grande conselho, que para ser um escritor é preciso sentar a bunda em frente à máquina de escrever. Acho que ele não disse isso, mas quem se importa? 

Já não sou nenhum garoto. Juntei tantas experiências que poderia sim ser um grande romancista. Desses que ganham prêmio, inclusive. Não literário. Acho que de melhor síndico do ano é possível. 

Na lojinha do meu pai eu vi muita coisa. Loja de fotografia é assim mesmo. É tudo azul, amarelo e magenta. Talvez por isso minha escrita seja tão negativa. 

O Otto Lara Resende diz que o brasileiro conhece os três primeiros minutos de qualquer assunto. Eu escrevo os três primeiros minutos de qualquer romance. Acho que tenho um batalhão de grandes primeiras frases. Tudo em vão. Acho que sofro do fígado. Ou deveria deitar-me mais cedo. 

O fato é que de grandes ideias não se enche o balão, dizia Gandhi. E se ele não disse isso, é primeira vez que não diz algo.

Toda vez que eu começo a escrever um romance acontece de o personagem principal cair da escada e ficar tetraplégico, ou resolve tirar férias bem no ponto de máxima tensão. 

Outro dia comecei um conto incrível: o herói parecia um sujeito dos bons, honesto, com esposa e uns filhinhos, então dezoito linhas depois conheceu uma dona encantadora, quase calva e bem vesga, que vendia jogo do bicho num boteco na Praça da República, e decidiu se converter ao candomblé. Quer dizer, outro canalha! E anacrônico ainda por cima.

Já tentei de tudo. 

Criei um agente secreto boliviano com licença para dar socos e chutes. Pois quando ele estava em Nova Iorque, no encalço de índios antropófagos que haviam sequestrado e assado uma criada da Rainha Vitória, contraiu febre amarela e quase morreu. Quer dizer, a receita do assado se perdeu pra sempre. 

Um amigo me disse que o melhor lugar para procurar bons personagens é no puteiro. Passei um mês indo lá. Hoje estou falido e divorciado e não me apareceu uma porcaria de um personagem, nem sequer um figurante. 

Tô pensando em ir pra filosofia. Já tenho um diálogo quase pronto: faltam uns travessões, dois contra-argumentos e uma interjeição de dor. É uma explicação sobre a condição e a disposição da alma quando o garçom quer ser engraçadinho. Logo logo entrego à editora lapidadinho. 

Se isso não der certo eu volto a trabalhar na lojinha do papai. O papai que, nesse momento, me avisa que vai comprar cigarros e já volta.

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Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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