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Cultura

Por que o Vaporwave irrita tanto a esquerda

Há décadas uma estética cultural não incomoda tanto a elite política brasileira quanto o Vaporwave

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Tropa de Elite do Vaporwave

A estética waporwave surgiu no início da década de 2010 nos Estados Unidos como um gênero musical e também relacionada às artes visuais. Visualmente, o vaporwave é caracterizado por uma mistura de referências à cultura retrô das décadas de 1970 a 1990, games, tecnologia, publicidade, elementos neoclássicos, kitsch, cyberpunk, punk e cultura pop japonesa.

Vaporwave Abraham WeintraubMusicalmente, ele incorpora o musak (a música de fundo, background music ou música de elevador; um tipo de música que recebe uma atenção somente secundária do ouvinte), sempre com uma pegada lounge e setentista, meio funk, com sax e vozes, feito com samplers, sequenciadores e sintetizadores e carregado na edição de efeitos, loops, time-stretches, cortes bruscos, fades, etc. As mixagens são geralmente acompanhadas por edições de vídeo e publicadas na web.

Em 2015, durante a campanha eleitoral à presidência dos Estados Unidos, a estética vaporwave foi incorporada informalmente por eleitores de Donald Trump na internet. Os memes criados durante a campanha tiveram tanta repercussão que a oposição de esquerda começou a usar o termo depreciativo “fashwave” (de “fascista”), para designar essa apropriação do vaporwave pelos eleitores de Trump (a expressão “fashwave” foi disseminada pelo site esquerdista Vice).

Comunismo vaporwaveA despeito do vaporwave original não ter nascido politizado, há de fato memes vaporwave com diversas referências político-ideológicas, sejam elas referências ao nacional-socialismo, fascismo e comunismo, que são inclusive mais antigas do que os memes pró-Trump. O vaporwave usado como meme político nas eleições americanas não tem nada a ver com o fascismo, sendo simplesmente peças virais de propaganda eleitoral.

No Brasil, o vaporwave surge na mesma época. Já há mixagens vaporwave brasileiras publicadas em 2013 e, em dezembro de 2017, com a publicação do primeiro vídeo do canal Brasileirinhos no YouTube, o vaporwave desponta como elemento importante na campanha presidencial na internet. Diferente do vaporwave original americano, o vapor dos Brasileirinhos, além das referências originais à cultura nerd dos anos 1990, cultura pop japonesa, elementos neoclássicos, etc., incorporou o rock brasileiro dos anos 80, um pouco de Glauber Rocha, um pouco da Tropicália e da pornochanchada, num caldo caótico da cultura retrô brasileira dos anos 70-90.

Vaporwave liberalismAssim como na América, a estética vaporwave foi adotada informalmente no Brasil, sem o apoio de partidos ou dirigentes, pela militância pró-Bolsonaro no ambiente das redes sociais. E, como no hemisfério norte, os memes causaram a mesma histeria na oposição esquerdista (e também entre os liberais), que logo sacaram da cartola a expressão “fashwave”. Como nos EUA, a apropriação do vaporwave se deu sem a música, mas apenas em sua estética visual. O resultado, tanto aqui como lá nos EUA foi o mesmo: a esquerda perdeu as eleições.

Mas o que causou frisson na internet brasileira foi quando o assessor especial da presidência para assuntos externos, Filipe Martins, usou uma imagem vaporwave com uma frase do poeta galês Dylan Thomas como capa de seu perfil pessoal no Twitter. Logo a militância esquerdista e liberal começou uma massiva campanha de difamação e assassinato de reputação contra Martins, acusando-o de chancelar o atentado cometido pelo psicopata neozelandês pouco antes.

Vaporwave Filipe Martins

O atentado ocorreu em março de 2019. Até então ninguém sabia de um ”manifesto” supostamente contendo o tal poema. Numa associação pra lá de forçada, como se o uso de qualquer obra de arte por um maníaco tornasse essa obra sua propriedade, a militância suja tentou ligar Martins ao sociopata de Christchurch, sem sucesso.

Os ataques cessaram após uma nota divulgada por Martins, que afirmou que “tomaria as medidas cabíveis” contra aqueles que promoveram aquelas difamações.

Olavo is right VaporwaveA direita, desprezando as provocações, passou a adotar o vaporwave em peso nas fotos de capa, avatares e memes nas redes sociais. Inclusive alguns deputados, artistas, escritores e intelectuais, o que irritou ainda mais os “isentões” liberais e os esquerdistas em geral. Foi quando começaram a surgir na imprensa brasileira matérias, sempre tendenciosas, sobre o fenômeno. Obviamente tais matérias buscaram não explicar ou compreendê-la, mas denegrir a estética vaporwave.

Desde o punk, que tem uma motivação ideológica (embora nonsense, mezzo anárquica, mezzo socialista) desde seu surgimento, nenhum movimento cultural incomodou tanto a elite política nas últimas décadas quanto o vaporwave que, apesar de irônico, não nasceu politizado.

É praticamente impossível ouvir o álbum Floral Shoppe, de Macintosh Plus, considerado o pioneiro dessa estética, e tentar deduzir daí qualquer conotação ideológica sem forçar muito a barra. No máximo enxergamos uma postura irônica sobre certos aspectos da atualidade.

vaporwave independência ou morteEste é o primeiro fator que gera tanto incômodo à elite de esquerda, que sempre deteve a hegemonia da cultura pop: o vaporwave não nasceu politizado (apesar de ser criação de uma esquerdista de Portland, reduto da esquerda americana), como o Realismo Soviético, a canção de protesto ou o punk, mas foi apropriado espontaneamente pela ação política de milhares de indivíduos na internet. Quando foi de fato apropriado por socialistas, foi irrelevante; quando apropriado por eleitores de Trump e Bolsonaro, ajudou a vencer as eleições. A mentalidade esquerdista, hegemônica e dirigista a priori, não se conforma com isso.

O vaporwave, um movimento político marginal, cibernético e praticamente restrito à internet, também irritou o establishment cultural (e político) por se apropriar de elementos que sempre lhe foram caros, como a estética caótica e underground, o colorido extravagante, a atitude sarcástica e despretensiosa, além da própria provocação da contracultura que carrega em si. O vapor é uma mistura de Michelangelo com Marvin Gaye e Bill Gates. Vaporwave é Joyce, Kubrik, Tarantino, Miles Davis e Olivier Messiaen sentados num sofá de veludo rosa assistindo a uma propaganda da Pepsi dos anos 80.

Vaporwave São MiguelOutro fator que faz do vaporwave uma estética odiada pelo mainstream político é que ela confronta todos os preceitos da esquerda, ao adotar a tecnologia, a publicidade e o classicismo como pontos cruciais de suas referências. Culturalmente falando, atualmente a esquerda está dividida entre a pornografia cultural (Macaquinhos, Queermuseum, Zé Celso, funk carioca, etc.)  ou, como costumo dizer: “cuzismo cultural” – e a estética riponga de Arembepe ou Woodstock. Tecnologia, games, publicidade, samplers, tudo isso remete ao capitalismo, que a esquerda odeia, tanto quanto odeia o “revival” tradicionalista das referências neoclássicas.

Uma estética que se apropria do classicismo e dos recursos tecnológicos ao mesmo tempo – o oposto do esquerdismo rastaqüera – merece a nossa atenção, por mais que não se goste dela ou que não passe de uma onda fugaz de memes. E merece ser tratada com justiça: não tem nada de fascista, muito pelo contrário, prega a diversidade, com sua sopa de referências, a liberdade, com seu apelo ao capitalismo e a tradição, com suas referências clássicas.

Vaporwave - Fascista é o cu da sua mãe

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Assuntos:
Tom Martins

Tom Martins é maestro e compositor.

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