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O rock, ao contrário da imprensa, não morreu

Calma, você ainda pode ouvir Deep Purple ao contrário, tocar air guitar e comer morcego à vontade. Pacto com o demo é melhor evitar

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rock, funarte, cultura

Saiu hoje o edital do  PRÊMIO FUNARTE DE APOIO A BANDAS DE MÚSICA 2020 causando choro e ranger de dentes entre os grandes membros de nossa esplendorosa imprensa, e defesa apaixonada entre os eleitores mais fervorosos do presidente. Enfim, mais um dia como outro qualquer.

As manchetes pululam: “FUNARTE PROÍBE ROCK  EM EDITAL DE INCENTIVO A BANDAS”. Estaríamos diante de vilões de filmes dos anos 80 onde algum pastor puritano quer proibir a “música do demônio”?

Vejamos o trecho polêmico:

“DAS CONDIÇÕES

4.2.1 Não poderão participar deste Edital “fanfarras” ou “bandas marciais” ligadas ou não a instituições do ensino regular público ou privado, “bandas de pífanos”, “bandas de rock”, “big-bands”, bem como conjuntos musicais assemelhados, conjuntos musicais de instituições religiosas, bandas militares e bandas de instituições de segurança pública.”

Olhando de perto, para variar, foi muito barulho por nada. Claro que a palavra “rock” é completamente desnecessária no edital, mas a impressão que o noticiário nos dá é que estamos diante de Shaw Moore, o reverendo de Footloose (1984) que queria proibir o rock na sua cidade. Nada mais longe da realidade.

O edital trata da doação de instrumentos de sopro para “bandas de música constituídas sob a forma de instituição pública ou privada sem fins lucrativos”. E a premiação é a distribuição gratuita de instrumentos para 158 projetos. É, amigo, a ditadura está demorando em ser tão ruim.

Se compararmos o que governos passados fizeram com dinheiro público para ações culturais como o edital que deu R$ 17.600,00 à “performance” onde, literalmente, cagavam na Avenida Paulista, nos sentiremos em uma tarde ensolarada em Berna.

Confesso que, quando li a notícia, mandei um zap pro nosso editor: “DEIXA ESSA COMIGO!”. Vim para o computador pronto para desancar o projeto. POR QUE ROCK,  MEU DEUS? Então a banda abaixo estaria fora dos padrões, certo?

Mas ao olhar de perto, apesar desse tipo de idiossincrasia, o prêmio não é esse horror todo. O objetivo final, como se lê acima, é doar instrumentos novos às bandas que tiverem mérito. Quem é músico sabe a dificuldade de adquirir um bom instrumento. Além de o prêmio existir desde 2004, o trecho do texto do edital é o mesmo desde 2013! Chega a ser comovente a choradeira dos bem pensantes que, até ontem, fechavam os olhos para a gastança de dinheiro com filmes, performances, dedo no brioco, mijada no chão…

Não concordo com quase nada que esse governo fez nessa área. Isso não chega a ser demérito: concordava ainda menos com o que os outros governos fizeram. Políticas governamentais devem interferir na cultura apenas na construção e manutenção dos espaços (museus, teatros, orquestras), em ensinar técnicas artísticas a quem não tem acesso, em garantir a livre expressão. A criação e definição da arte – e da expressão – não cabe ao Estado sendo apenas justa sua intervenção quando há um flagrante crime como no caso do “Le Bête”, performance que ficou conhecida como “peladão do MAM”, e que também teve uso de dinheiro público, diga-se.

Colocar um gênero musical como limitador em um projeto desses é uma bobagem. Mas nunca esqueçamos que a intervenção estatal na arte e na liberdade de expressão sempre foi uma bandeira de muita gente que hoje está rasgando as vestes.


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Assuntos:
Filipe Trielli

Compositor, Músico e Sócio da Panela Produtora. Produz os podcasts "Chá com a Gente" e "Guten Morgen". É responsável pelo canal "Chinchila TV", no Youtube. Produz discos e peças publicitárias para rádio, cinema, internet e TV. Acompanhe no Facebook e Twitter.

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