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Espelho, espelho meu!

A arte de debater com o espelho

Porque debater com garbo, elegância, prudência e sofisticação, só é possível enquanto se coloca os cílios postiços ou se faz a barba. O mundo real é um incômodo obstáculo para quem faz de si o centro falante do universo

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O programa da CNN, Grande Debate, uma espécie de Gigantes do Ringue das idéias, em que um mediador conduz uma contenda sonolenta entre indivíduos que propagam idéias opostas, teve um desdobramento inesperado quando a debatedora Gabriela Prioli anunciou que, por constrangimentos sofridos, deixava o programa. 

A notícia pegou os 0.02% da audiência do programa de surpresa. De um lado, esquerdistas fizeram o que fazem de melhor: culparam o machismo estrutural, a sociedade patriarcal, o lobo mau, Deus e a Virgem Maria. Direitistas, por sua vez, também colocaram o melhor de si na discussão: memes.

Pelo visto, a revolta da apresentadora foi com o fato de ser interrompida muitas vezes durante o programa. Alegou as velhas bobagens feministóides como “espaço de fala” e “constrangimento”. A cena que causou indignação da moçoila é patética. Investida de uma autoridade fingida, que causa boa impressão entre jecas de alma infantil, Gabriela, respondendo a uma pergunta normal do apresentador, subiu nas tamancas da arrogância e sentenciou: “não emito opiniões pessoais!”

O apresentador pediu uma opinião pessoal, mas Gabi, que deve achar que todos menos ela são parciais, com risinhos de escárnio, declarou que só emitia opiniões científicas, análises técnicas, prova e contraprova, noves fora, e a discussão começou. 

Gabriela foi, então, ao Twitter chorar as mangabas. Seu longo adeus é a expressão perfeita da classe falante mimada e estupidificada que esperneia em busca de atenção, mesmo sem possuir nenhum talento especial para isso. Gabriela é muito bonita, mas só. Vinicius já versou bem sobre esse tipo de beleza em seu Samba da Benção. 

No Brasil, terra das aparências, é comum que um “debatedor” se arme com todo um gestual que lembra um filósofo alemão enquanto propaga idéias dignas de um estudante do primário. É a aparência de um Hegel e a substância da Simony. E, quando desmascarado, sai batendo o pezinho todo ofendido.

Esperar que um debate, sobretudo nos tempos correntes, onde todos andam à flor da pele, não tenha momentos de tensão, é, no mínimo, insensato. Na mídia mainstream, por exemplo, à exceção da Jovem pan, não existe esse tipo de espaço para a confrontação clara de visões de mundo.

Só que, bem longe da exaltação de ânimos e até da truculência dos debates do Morning Show, por exemplo, o Debate ao Vivo parece mais uma peleja de comadres invejosas que, durante o café da tarde, aproveitam para se alfinetar. 

Mas se faltam aos debatedores a elegância nos movimentos e o autocontrole na hora da porrada de um Hulk Hogan ou de um Ted Boy Marino, abundam clichês e fingimento de lado a lado. Como num jogo de várzea, vale mais pressionar o juiz e dar canelada, do que propor um jogo franco e sincero.

Entre embromação retórica e esgares de superioridade, há o autoritarismo de quem se acha acima das opiniões corriqueiras, mesmo que as propague às dúzias, escondendo-se por trás de títulos e honrarias que só impressionam seus familiares, seus amigos e, talvez, os vizinhos. 

A substância intelectual que falta é substituída por um acúmulo de caras e bocas de deboche, um desrespeito absoluto à opinião do outro. Na primeira reprimenda, Gabi fez-se de ofendida, pegou a tiara de diamantes e zarpou fora.

Nas redes, foi defendida por expoentes do mundo intelectual, o crème de la crème do universo das idéias, como Anitta e Oscar Filho. Uma miríade de notáveis, como se vê.

Gente que tudo o que entende de um debate é alternância de poucos verbos – mitar, lacrar, jantar, cancelar – se colocou em campo para defender que Gabriela tenha a única coisa que lhe faz jus: um espelho para debater. 


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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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