Por que o black bloc só se “infiltra” em protestos do MPL?
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Os black blocs voltaram à tona ontem, sobretudo no eixo Rio-de-Janeiro-São-Paulo-Belo-Horizonte, com novos protestos organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre) contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô.
Seguindo o roteiro conhecido a partir de junho de 2013 (mas não restrito àquele mês), a inflação gerada pelo governo federal fez o preço das passagens subirem.
Jovens membros a coletivos de partidos políticos, como Juntos! (do PSOL), ANEL (do PSTU) e UJS (do PCdoB), tomam às ruas junto a sindicalistas e o que a América chama de community organizers, os “líderes comunitários” cujo trabalho é organizar manifestações de rua (Barack Obama, antes da advocacia, era um community organizer).
Os protestos se iniciam num horário determinado, sempre provocando alguma espécie de incômodo extremo para a população. Raramente seguem o combinado com a polícia para a manifestação – isto quando a polícia é acionada.
Logo, a polícia tem de tomar alguma atitude para restabelecer a ordem. Esta palavra tão complicada, ordem, é associada a alguma forma de autoritarismo. O que nunca é exibido é o estado das cidades enquanto a manifestação é realizada. Em São Paulo, com todas as vias entre o centro antigo (sobretudo o Anhangabaú onde fica a prefeitura e arrebaldes) e o novo centro (Avenida Paulista e região) tomadas, alguém no trânsito pode ficar preso por mais de 5 horas para andar menos de 1 quilômetro. É esta “ordem” que precisa ser restaurada – apenas num exemplo sem chamas, vandalismo etc.
Com a polícia atuando, logo há confronto, e manifestantes que passaram toda a primeira fase do protesto provocando a polícia passam a fazer papel de vítimas, filmando cirurgicamente os atos policiais contra eles, que sempre se auto-declaram pacíficos, mártires da causa justa – tão justa que é combatida com “truculência” e “forte repressão” por aqueles que são pintados como “autoritários”. A causa em questão, mesmo a mais impopular, é tratada como justa, correta e necessária – até mesmo heróica, após tal “resistência”.
Nestas horas, aparecem black blocs – os grupos de mascarados “infiltrados” num protesto que “começou pacífico”, e então foi tomado por uma “minoria de vândalos”.
O curioso deste roteiro vale-a-pena-ver-de-novo, fora a reprise milimetricamente copiada, é esta narrativa da imprensa.
Por que os black blockers (assim definindo os participantes dos black blocs, conforme definição do black blocker e pesquisador do fenômeno Francis Dupuis-Déri), se são infiltrados na manifestação, apenas se “infiltram” em manifestações do Movimento Passe Livre?
Ou, no máximo, ligadas aos coletivos e community organizers da esquerda, como CUT, MST, UNE e quejandos?
Se são “infiltrados”, se aproveitando da manifestação para praticar seu vandalismo (e um vandalismo niilista art pour l’art seria “o objetivo” deles), por que não se “infiltram” em manifestações outras? Há mais de 200 manifestações por ano apenas nas cercanias da Avenida Paulista em São Paulo. Por que os blockers apenas se aproveitam naquelas promovidas pelo MPL?
O termo “black bloc” (que deveria dizer respeito ao “bloco” inteiro, e não aos blockers em particular) ficou famoso no Brasil graças à capa da revista Veja de 17 de agosto de 2013, que estampou em sua capa a blocker “Emma” (posteriormente edulcorada por Caetano Veloso, que se vestiu como blocker em homenagem ao fenômeno).
Cristalizada como exotismo no senso comum brasileiro, a expressão entrou para o maleável vocabulário popular e político sem uma definição precisa. O jornalismo da Veja investigou e apresentou os participantes, mas o restante do jornalismo apenas usou o termo sem entender do que falava.
O black bloc não é um grupo, como o MPL: é uma tática. Ou seja, não é que uma manifestação do MPL é repentinamente tomada por um grupo de blockers. É que os próprios membros do MPL ou seus admiradores e acólitos podem repentinamente sacar suas camisas, blusas e máscaras, cobrir o rosto e praticar atos de vandalismo conforme as circunstâncias.
Desconhecendo o que pensam tais anarquistas, socialistas e community organizers, as análises no Brasil, já em 2016, prosseguem repetindo sempre a mesma cantilena ad nauseam: que as manifestações “começam pacíficas” (até um assalto costuma “começar pacífico”), e então são tomadas por infiltrados, como se eles fossem aproveitadores da manifestação original, virginal, pura e perfeita.
Quando algum curioso pesquisa um pouco mais a fundo, mas ainda calçando esta lente deformante da realidade, chega a conclusões que considera surpreendentes.
Por exemplo, surpreendem-se quando descobrem que a violência dos blockers é política e possui um objetivo além do vandalismo – o que costuma ser apresentado com esgares de choque, arautos de uma justificativa para a destruição.
É o caso dos fraquíssimos pesquisadores Esther Solano, Bruno Paes Manso e William Novaes, autores de Mascarados, livro que pretende contar “a verdadeira história dos adeptos da tática black bloc” (além de apenas fazerem entrevistas maçantes, apenas exibem suas impressões pessoais, chocados ao descobrir que os blockers possuem um objetivo em suas ganas por destruir o que outros criaram).
Ora, qualquer pessoa que tenha estudado movimentos de massa desde a Revolução Francesa e os métodos revolucionários, sobretudo o anarquismo, já sabe que isto não apenas não é novidade: a própria definição de anarquismo é a revolução e a coletivização de toda a atividade humana, mas ao contrário dos comunistas, preferem a ação direta. O que é a ação direta? A violência contra as instituições da sociedade.
Ou seja, os black blocs são apenas uma tática já velha e desgastada – a única novidade é trocar a estratégia da “propaganda pelo ato”, os ataques de longo prazo (de Johann Most e o assassinato da princesa Sissi e o decorrente esfacelamento do Império Austro-Húngaro ao terrorismo puro e simples, como as bombas em Wall Street que mataram 38 pessoas em 1920, colocadas pelos anarquistas italianos galeanistas), pela tática de rostos cobertos e ação em bando.
Os protestos do MPL, portanto, não são tomados por uma minoria de vândalos – do contrário, tal minoria apareceria em outros protestos.
Pelo contrário: o próprio objetivo do MPL e de outros community organizers é promover uma situação em que se possa agir de tal maneira, e dentre suas próprias fileiras, partir para a violência, com o objetivo político: o anti-capitalismo do “passe livre” (idéia ultra-coletivista por definição) e a destruição de símbolos do capitalismo como agências bancárias e lojas comerciais (mesmo singelas bancas de jornal), todos escudados por uma massa de jovens hormonais que sempre serão filmados como “vítimas de brutalidade da repressão policial” quando a polícia, despreparada que seja, tem de lidar com uma multidão.
Em junho de 2013, as primeiras manifestações, ao contrário do que a memória nacional fez crer, já eram extremamente violentas. Mas, devido justamente à empatia da população em desgostar do sofrimento de jovens diante de violência, a população correu às ruas para fazer peso para os protestos. Tendo as duas primeiras semanas sido esquecidas da memória nacional, hoje muitos pensam em 2013 como um ano em que “o povo”, sozinho, foi para as ruas para exigir algo contra o governo petista – sem perceber que obedeceram pari passu o esquematismo de revoluções e movimentos de massa desde a Revolução Francesa.
O jornalismo, ao invés de simplesmente apresentar nomes sem definição ao povo, deveria trabalhar minimamente a narrativa dos fatos, com começos, meios e fins (sobretudo os meios utilizados e os fins pretendidos). Assim, a população, mesmo a mais instruída, teria ferramentas adequadas para analisar os fatos nas ruas, sem tentar entender se, por serem de esquerda, são petistas, ou se são ligados a algum partido ou quem os financia.
Protestos com black blocs já haviam ressurgido no fim do ano passado, e tudo indicava que ressurgiriam em 2016. Não foi preciso muito mais do que uma semana do ano.
Mas todo o seu funcionamento já está descrito em meu livro, Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Não se trata de um livro sobre junho de 2013 (o black bloc, aliás, é posterior a junho). Trata-se de uma análise política, filosófica e histórica do modo de fazer política através dos movimentos de massa, tomando o Brasil como um exemplo.
Até o momento, 2016 é apenas mais do mesmo. Nada de novo no front. Nem mesmo na forma como o noticiário, percebendo ou não, praticamente justifica as causas revolucionárias (e impopulares) ao narrar as notícias desta forma – noves fora ignorar que o real objetivo dos protestos não é ser “contra a tarifa”, e sim exigir o comunista “passe livre”, e também todos os partidos políticos de esquerda ostensivamente guiando as multidões pelas ruas do país, preferindo apenas chamá-los de “manifestantes”.
Afinal, movimentos de massa têm dinâmica idêntica e resultados idênticos desde pelo menos 1789.
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