Cartaz dos X-Men: há razão para a crítica
Quando notícias como o simples cartaz de divulgação do novo filme dos X-Men gera polêmica, esqueça a manchete: entenda a mentalidade em jogo.
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O cartaz do novo filme dos mutantes da Marvel, X-Men: Apocalipse, foi alvo de críticas de feministas e grupos progressistas. Na imagem, o vilão Apocalipse (Oscar Isaac) aparece estrangulando pelo pescoço a mutante Mística (Jennifer Lawrence).
O furdunço começou quando a atriz Rose McGowan, cujo maior trabalho foi a cena da morte na garagem no primeiro Pânico, criticou o cartaz em seu Facebook, dando logo após uma entrevista para o site Hollywood Reporter. Disse a atriz, conforme mostra o Adoro Cinema:
“Há um grande problema quando os homens e mulheres na 20th Century Fox pensam que violência casual contra mulheres é uma boa maneira de promover um filme. (…) Não há contexto no cartaz, apenas uma mulher sendo estrangulada. O fato de ninguém ter impedido isso é ofensivo e, francamente, estúpido. Os gênios por trás disso precisam se olhar no espelho para pensar em como eles estão contribuindo para uma melhor sociedade. (…) Imagine se fosse um homem negro sendo estrangulado por um homem branco ou se fosse um homem gay sendo estrangulado por um hétero?”
Há uma resposta para o questionamento da atriz: se fosse um negro sendo estrangulado por um branco ou um gay sendo estrangulado por um hétero, pessoas normais veriam o cartaz e pensariam: “Que horror”. Exatamente a mesma reação que tiveram ao ver o cartaz com Apocalipse e Mística nas mesmas posições: que Apocalipse é o vilão, que Mística é a mocinha. Qual a dúvida?
Eu não lembro exatamente da personagem Mística, e sei que X-Men é abarrotado de anti-heróis e personagens não encaixáveis no padrão maniqueísta típico da Marvel, não tendo personalidades facilmente categorizáveis como “mocinhos” ou “vilões”, como Vampira, Gambit e o próprio Wolverine. Ainda assim, bastou que eu visse o cartaz para perceber que Mística é a mocinha, ou pelo menos muito mais mocinha do que Apocalipse.
Também deu pra perceber numa olhadela que Mística está numa situação de risco. Que o filme coloca Mística e provavelmente mais uma porrada de mutantes e humanos em risco. Que a graça e a aventura do filme é essa, e que o filme pode ser eletrizante justamente porque os X-Men estarão em risco graças a um vilão poderosíssimo e precisarão envidar seus melhores esforços físicos, metafísicos e sinápticos para sair dessa. Que se, ao contrário do risco apresentado por um vilão poderoso, os X-Men estivessem felizes e a cantar, sem ameaça nenhuma agarrando seus pescoços, fungando em seus cangotes e ameaçando todo o mundo (dica: repare no nome do filme!), o filme não teria muito mais graça do que 2 horas seguidas de Teletubbies, que dirá os conflitos morais, sociais e até mesmo raciais tratados na série, como a segmentação entre homens e mutantes em guetos incomunicáveis. Que o filme é de mentirinha, cacete, e mutantes como Mística e Apocalipse não existem. E, por fim, que os X-Men salvarão o mundo no final e Apocalipse não será morto, mas trancafiado em algum portal transdimensional capaz de servir como “prisão” ou o que o valha para um mutante gigante e malvado, mas sem mortes, no safe space que são os filmes da Marvel, deliciosos em seu escapismo, já que na realidade fora do cinema qualquer guri de 13 anos armado com um revólver na minha cara é bem mais assustador do que o Apocalipse do cinema.
Será que sou um gênio absoluto da humanidade por perceber e deduzir rapidamente isso de um cartaz, acima de todos os comuns mortais, ou será que essa chorumela é que é mais mongolóide do que Faustão e Marcos Mion somados e amalgamados num mutante apocalíptico apresentando o show das ideologias depois dos reclames do plim-plim? São questões em aberto. Mas qual a porra da dificuldade em entender isso? Precisa desenhar?
O fato é que a lenga-lenga lamuriosa de Rose McGowan faz sentido, ao menos dentro dos padrões feministas de pensamento, o que nos permite entender a diferença entre a apreensão e compreensão da realidade entre uma pessoa normal e uma feminista, com suas graves dissonâncias e quase intransponíveis diferenças.
Uma pessoa normal, sobretudo no Ocidente judaico-cristão, está acostumada à idéia de bem e mal, de coisas que são boas por si, são ferramentas para o bem ou podem ser boas em determinadas circunstâncias (daí toda a graça da ficção, em sua indeterminação do que os personagens devem, podem e vão fazer, com todos os conflitos entre estes caminhos), tal como para o mal. A humanidade caminharia dilacerada pela dialética entre um e outro, sempre dividida entre o bem para si e o que pode acabar sendo o mal para outrém, com conflitos que através de ritos de passagem levam à maturidade e ao enfrentamento das conseqüências de cada escolha.
Já uma pessoa feminista não é capaz de enxergar nada disso, reduzindo toda a aventura humana no mundo a redesenhar a sociedade através da política para que a população como um todo seja exposta à propaganda feminista – do contrário, tudo será machismo, estupro e mutantes apertando o pescoço de mulheres por serem mulheres, e não porque alguém, um homem ou mutante azul gigante, é mau.
Dividindo o mundo entre “feminismo” e “cultura de estupro”, num dos reducionismos mais estúpidos e, talvez exatamente por isso, mais capazes de fazer a cabeça de universitários seguidores de celebridades no mundo, feministas só podem mesmo crer que o que diminui estupros e agressões a mulheres no mundo seja, por exemplo, não mostrar um filme em que um mutante de mentirinha enforque uma mutante de mentirinha num claro ato dos autores do cartazes de gerar repulsa ao mutante de mentirinha (o enforcador, não a enforcada).
É o que acontece quando se abandona os conceitos de bem e mal, quando não se enxerga mais a humanidade cheia de conflitos internos, com indivíduos podendo ir da santidade ao pecado em uma dobra de esquina, sofrendo todas as paixões e se arreliando para praticar o primeiro e evitar o segundo.
Tudo o que se consegue entender do mundo a partir da visão feminista é que as pessoas reagem a estímulos imediatos, obrigatoriamente, inapelavelmente, indisfarçavelmente. Seria assim porque a própria feminista age apenas reagindo a estímulos imediatos. Do contrário, não seria feminista, a modinha do momento – refletiria, ao invés de obedecer a um estímulo imediato que a obriga a um comportamento e um padrão de pensamento, valores e “argumentos” prontos.
Para uma pessoa assim, um cartaz com um mutante vilão apertando o pescoço de uma dos X-Men não possui nenhuma profundidade (e olha que estamos falando dos X-Men, Virgem Mãe de Deus!!!), não possui nenhum elemento de bem contra mal, não possui camadas de significado envolvendo a ameaça, a emergência, o conflito.
Para alguém que só é capaz de reagir a estímulos imediatos com cérebro e obediência de uma formiga operária, uma feminista só poderia ver um cartaz desse e concluir que todos os homens, mutantes ou não, sairão enforcando todas as mulheres, azuis ou não, pelo caminho, tão somente porque viram num cartaz (o estímulo imediato). Macaquinho vê, macaquinho faz. Feministinha vê, feministinha faz. E acha que toda a humanidade é tão rasa e repetidora de discursos e seguidora de ondas quanto ela.
Daí para os textões do escol de “O novo cartaz do filme dos X-Men está promovendo a violência contra a mulher! Não há contexto! Ninguém impediu isso! Isso é ofensivo e estúpido! O cartaz não está contribuindo para uma melhor sociedade (sic)!” é apenas um pulinho no Facebook.
Apesar de todo o discurso chic feminista, com palavras como sororidade, gaslighting, empoderamento, manterrupting, bropriating, não-binária ou amab/afab, para tudo sempre começar com “miga” e terminar com “para que tá feio”, basta pensar um pouquinho fora da gaiolinha de definições apressadas da Escola de Frankfurt, do foucaultismo e da psicanálise de 140 caracteres para perceber que toda essa verborréia é incapaz de perceber o elemento mais fundamental do comportamento e da organização social: pessoas fazendo o mal, e nossa vocação interna e externa, envidando nossos melhores esforços, para tentar fazer o bem.
É claro que é impossível fazer amiguinhos adolescentes ou na pós-adolescência, aquele delicioso intermezzo pós-vestibular em que já temos carta de motorista e independência financeira só pra balada, podendo contar com a grana do papai para todo o resto, falando em bem e mal numa mesa de bar. Falar em “machismo”, em “patriarcado”, em mansplaning, em apropriação cultural e token vai render não só coleguinhas no mesmo grau de cerebrismo, mas até mesmo descolar uma monografia com aquela professora de roupas coloridas da aula de semiótica e análise do discurso.
Mas, quer queira, quer não, os conceitos antigos, milenares, aqueles caretas e parecendo nossa vó falando, dão conta de uma realidade muito maior, mais rica, mais detalhada, com mais particularidades e tocando fundo no coração de cada homem. É por isso que os conceitos são simples e estanques: porque foram testados.
Pense na civilização como uma gigantesca tese de doutorado: quem ganha não é quem fala em micro-agressão, é quem fala em bem, mal, perdão, culpa, justiça. Ao contrário da litania feminista, estas não precisam ser reinventadas a cada novo blog.
Nada da pedanteria feminista que rende trabalhos acadêmicos com Simone de Beauvoir saindo pelo ladrão: são palavras que hoje soam simples, mas demoraram séculos, quiçá milênios, para serem aceitas e se tornarem algo comumente aceito. Pode não dizer respeito à nomenclatura acadêmica burocrata ABNT frankfurtiana desconstrucionista soviética dos doutorados de hoje, mas diz respeito à verdade e a realidade. Pode manter a logorréia só para seu professor dizer que você é progressista o suficiente, mas pense com definições e raciocínios melhores.
A ironia final da “polêmica” com o cartaz (como se tivesse ofendido alguém normal, como se a “polêmica” não fosse apenas uma atriz que ninguém lembra quem é dando chilique, sendo rigorosamente imitada por todas as feministas que imitarão o que qualquer celebridade que se diga feminista disser ou fizer) é que esta falha de conceitos estava bem ali, no próprio cartaz do filme.
O filme não se chama X-Men: Apocalipse? Pois então, a imagem deveria ser apocalíptica. O vilão chamado Apocalipse não poderia ser agradável. Soubessem essas feministas o que significa Apocalipse, toda essa bufonaria de quem não tem mais preocupações na vida além de ver injustiça em cartazes de Hollywood teria sido calada antes de um julgamento final.
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