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Prefeitura de São Paulo

Haddad retira cobertores de moradores de rua no frio: o intelectual e os pobres de verdade

A notícia de Haddad tirar cobertores de mendigos não é um "acidente" na gestão petista: é o resultado da ideologia dominante na esquerda.

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Causou um choque muito grande que, em pleno inverno mais rigoroso em 22 anos (uma época em que ninguém mais fala em aquecimento global até voltar a não soar ridículo), o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, esteja consciente da ação da Guarda Civil Metropolitana, de retirar cobertores de moradores de rua.

A justificativa dada pelo próprio prefeito (não por algum porta-voz da prefeitura: pelo próprio prefeito, ele, Fernando, o Haddad) é a de que isso seria para “não deixar favelizar praças públicas”, como conta a Exame.

Como Haddad admite, ele que passa a orientação e fala com o comandante da GCM “todo dia sobre o assunto”. A GCM se pronunciou explicando que a ação é para evitar que a população de rua “privatize” espaços público.

Melhor argumento para a privatização não há. A população de São Paulo, aquela que é acusada de elitista, branca, loira de olhos azuis, classe média e, claro, coxinha, ficou enojada com o modelo Fernando Haddad de “gerenciar” os pobres. Pelo menos seis moradores de rua em São Paulo morreram de frio nessa semana nas madrugadas da cidade. Neste mês, já somam 40. Não há nenhum textão sensacionalista na capa da Folha com manchete gritantemente partidário até o fechamento deste artigo.

O que importa entender não é esta ação isolada de Fernando Haddad: é sua coerência dentro do projeto Fernando Haddad de desconstruir São Paulo. É uma ação dentro de um contexto de ações perturbadoramente idênticas.

Fernando Haddad, o prefeitão muito mais adorado por jovens universitários em seus primeiros empregos bebendo na Vila Madalena do que pelos moradores da periferia que jura defender, possui um modelo de gestão baseado no micro-planejamento e nos incentivos.

É adorado justamente por aquelas pessoas que crêem em “incentivos”: aquela turma que acredita que a miséria da cultura nacional é “falta de incentivo” do Ministério da Cultura – ou seja, se hoje os jovens estão ouvindo emo e acabam votando em gente apoiada por bandas emo, é culpa do pouco dinheiro que o Ministério da Cultura arranca à força da população para fazer compras forçadas para a população em nome da cultura da população.

Pouco importa que tal modelo de “incentivo” só é bom justamente para que o emo continue em primeiro lugar nas paradas de sucesso (parece que hoje é um tal de hip hop, amanhã o funk carioca ou o ostentação tomam de vez São Paulo). Se a cultura ficar ainda pior, será culpa da falta de incentivos. As pessoas precisam ser incentivadas a ter cultura. Ou serem saudáveis. Ou não serem preconceituosas. Ou votarem num partido, a despeito de toda sorte de denúncias pesadas sobre ele. Ou acreditarem no que é correto de se acreditar, que misteriosamente se confunde cirurgicamente com as crenças do próprio prefeito.

Para Haddad e para os haddadistas, nada funciona sozinho, ninguém nem se mexeria ou se leria um livro se não fosse um incentivo. E cabe a Fernando, o Haddad, o prefeitão, aquele que a todos nos guiará ao paraíso petista, a arte de nos incentivar.

Apenas isso poderia explicar o que se passa no cérebro de um prefeito que tomou 1/3 da maioria das ruas da cidade para pintar ciclofaixas que ninguém usa, em ruas que nunca serão usadas por bicicletas por não levarem de nenhum lugar lúdico a outro lugar pelo qual se pode ir confortavelmente de bicicleta sem prejuízos (como chegar todo suado no trabalho de terno na Faria Lima debaixo de um sol escaldante). Afinal, ferrar a população no trânsito é um “incentivo” a elas para não ficarem no trânsito e irem de bicicleta, ainda que de Itaquera para a Barra Funda ou de Perus para a Praça da República, segundo a cabeça do nosso gestor.

Se o ex-prefeito de São Paulo, o PSDista Gilberto Kassab, hoje dilmista de infância, chegou a proibir a cebola no vinagrete dos tradicionalíssimos pastéis de feira paulistas (até hoje a iguaria está sendo servida com repolho no lugar da cebola), Fernando Haddad mostrou que Kassab é júnior e elevou o Estado-Babá kassabista a uma razão de ser. À única razão de ser de um petista.

fernando-haddad-joinhaPara que as ruas da cidade não se tornem favelas, Fernando Haddad, o PT, os petistas, a Folha de S. Paulo, a blogosfera progressista, a USP, os maconheiros, skatistas, grafiteiros e o povo que lê revista Cult no vão do MASP ou na Vila Madalena acreditam que basta incentivar as pessoas a não construírem nova favelas. Assim, como se todos fossem autômatos, como se não houvesse nenhuma conseqüência imprevista em suas idéionas tão intelectuais, tão sociológicas, tão de Humanas, tão a favor da igualdade que são bem desiguais daquelas outras idéias que não precisamos discutir.

Não passa pelo cérebro tão acadêmico, tão diplomado, tão Jürgen Habermas, tão “ai, essas pessoas que falam ‘esquerda caviar’, miga, parei” que suas belíssimas intenções possuam conseqüências imprevistas.

Por exemplo, a política de desincentivar behavioristicamente os moradores de rua a ficarem nas ruas durante o inverno retirando as caixas de papelão que usam para montar suas “casinhas”, ao invés de só permitir que as ruas de São Paulo só possuam casas e abrigos, e nenhuma favela, na verdade só faz com que os moradores de rua continuem na rua, mas sofrendo mais.

Perguntar aos moradores de rua por que eles não vão para abrigos não é algo que ouse passar pela cabeça de um gestor social munido de CD dos Los Hermanos numa mão, revista da Folha na outra: os moradores de rua têm medo de serem roubados (enquanto os intelectuaizinhos da USP crêem que pobreza gera roubo, e que pobre seja conivente com o esgarçamento da noção de propriedade para tentar faturar um imoralmente).

É assim que são seres humanos de verdade, pobres de verdade, que não são bem essas bizarras criaturas vilamadaleneiras descritas no blog do Sakamoto. Não são uma abstração intelectual de doutorado em Humanas: é gente que precisa se alimentar, que quer trabalhar, que é vítima de drogas, e não militante

Cogitar o reforçamento positivo, como melhorar a segurança ou até o policiamento dos abrigos da cidade para incentivar os moradores de rua a fugirem do frio é tabu para os quebradores de tabus: tal obviedade para qualquer pessoa normal presume que as pessoas sejam livres e não ajam apenas em reação a incentivos estímulos governamentais, que tenham moral própria e padrões morais próprios. Que nem tudo pode ser controlado, regulado, incentivado pelo governante (vide as ciclofaixas às moscas).

fernando-haddad-cracolandiaLembremos: estamos falando do mesmo prefeito que, para estimular a atividade econômica na Cracolândia, deu um “salário” aos viciados em crack, com o dinheiro do pagador de impostos brasileiro. Pensar que os miseráveis no centro da terceira maior cidade do mundo que lutavam contra o desespero a cada segundo sem se viciar acorreriam para o vício não foi algo que o gestor do futuro sustentável pensou. Quem precisa de realidade e conseqüências quando se está marinado em intenções?

Há estudiosos excelentes no mundo analisando como as pessoas reagem a incentivos, inclusive para a política. Vide a maravilhosa série de livros Freakonomics, que usa a economia como uma ciência dos estímulos, sem dinheiro, para analisar, por exemplo, como a escolha dos nomes dos bebês influenciará suas ideologias e suas profissões futuras.

O que Fernando Haddad e seus acólitos, mais fanáticos do que crentes da Universal, fazem é apenas retirar toda a complexidade humana, nossa dialética interna como indivíduos (que os “pobristas” haddadistas, num gesto de extremo amor tolerante pela diversidade, acreditam que pobres não possuem) e trata um ser humano como se fosse um ícone, uma formiga, uma engrenagem da máquina social, uma marionete, um bonequinho de Sim City.

Enquanto tratam o horror que é a Guarda Civil Metropolitana tomando o quase nada que os miseráveis de São Paulo têm como um mero acidente na política esquerdista de Fernando Haddad, algo que praticamente o exime de qualquer culpa, não entenderemos o principal: que os pobres estão sofrendo, e alguns morrendo, graças a um erro burocrático.

É graças a uma ideologia ensinada como “anti-golpe”, “anti-coxinha”, “anti-mercado” e “social” e a favor dos pobres que os pobres sofrem. E essa ideologia continua sendo ensinada e defendida como única coisa certa em cada banco escolar sobre História, em cada política editorial jornalística, em cada discurso de candidato a vereador ou a presidente nesse país.

Esse prefeito do “Mais Amor em São Paulo” não mostra como são deliciosamente refrescantes o amor, a tolerância, o respeito e a diversidade da esquerda? <3

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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