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Literatura

Por que a Flip está mais chata do que cagar de terno?

A FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, termina mais um ano sem despertar ninguém pra literatura. Mas a política, de novo, foi protagonista.

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A última mesa da FLIP, a Feira Literária de Paraty, terminou com gritos de “Fora Temer”. A notícia pode ser encontrada reverberada rapidamente no Google em jornais de esquerda como El País, Folha, Brasil 247, Fórum e Agência Petroleira de Notícias (sic).

Em se tratando de notas sobre literatura, é necessário pedir escusas pela obviedade literária que vai acima. Falando de escritores (ou da classe artística, letrada ou intelectual brasileira), é redudante, tautológico e pleonásmico afirmar que mais de um deles freqüentou o mesmo ambiente e começou a gritar babuinamente: “Fora Temer! Fora Temer!”

Qualquer um no país hoje sabe que se dois jornalistas forem ao banheiro juntos, em 2 minutos estarão gritando: “Fora Temer!”. Se mais de dois músicos se juntarem para fazer uma jam, depois do segundo acorde já virá um “Fora Temer”. Se um painel com dois escritores para comentar a conjuntura política nacional for feito no Rio Grande do Sul ou no Acre, o resultado será pouco mais do que berros histéricos de “Fora Temer!”. Se for na FLIP, que deveria reunir os maiores escritores do mundo, o resultado só será diferente por toda a rouanetosfera esperar Karl Ove Knausgård terminar sua apresentação para iniciar o “Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer!”

A maldição de nossa época é a própria crença de que nossa época é algo a ser louvado por si, uma época das épocas, a super-época – finalmente estaríamos “na nossa época”, como se fosse melhor do que todas as outras épocas. É o credo chamado modernismo, ideologia que chama tudo o que não seja ela própria de ideologia. A superioridade da moda sobre a tradição, a glorificação do que está vivo como elevado a tudo aquilo que mereceu luto por ter morrido.

Uma das marcas do modernismo no Brasil, com todos os defeitos do modernismo, besuntado em caipirismo e macaqueação barata, foi o poema Poética, de Manuel Bandeira, que versa:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Qualquer brasileiro já foi julgado, condenado e torturado pelo crime de ser brasileiro a ler estas malfadadas na escola para entender o que é modernismo (não vai muito além disso). A seita modernista, “antropofágica”, umbigocêntrica e masturbatória como sói, acabou devorando-se a si própria: hoje, ali na FLIP 2016, é o lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. Ou, no caso, à sra. Dilma Vana Rousseff e sua capacidade de dar lei Rouanet pra quem não venderia livro nem com miçanga grátis em feira hippie.

flip-foratemerPedindo novamente escusas, não averiguei se os escritores (nem averiguei quem são os escritores) vociferando “Fora Temer!” na FLIP apóiam a Lei Rouanet. Mas aposto que, perguntados sobre a crise desgraçada da literatura brasileira, que não produz mais um escritor digno de um Guimarães Rosa ou Lima Barreto, obtemperarão de pronto: “Quêêê? Maaaagina que a literatura brasileira tá uma porra, nós somos excelentes, mas se a literatura, e não nós, escritores que a produzem, está pior do que encoxar a mãe no tanque, tudo o que precisa é entupir o rabo dos escritores de Lei Rouanet para fomentar a cultura, amém, Dilma, afinal, se os leitores não lêem nossos livros, que são perfeitos, pra ficar chuchu beleza só precisa é o governo obrigá-los a pagar nossa vida de luxo burguês pra gente poder morar no Leblon e passar férias em Paris sem precisar vender livro, que aí a literatura estará salva!”.

Alguém aí aposta 2 reais contra?

Literatura política

Tem alguma coisa mais cacete do que política? Não inventaram a literatura para estarmos num nível mais alto, que engloba a política e a explica sob auspícios de uma visão maior, ao invés de deixar que as bajulações e lambeção de bolas oficiais determinem nossa metafísica?

Como já bem observou Olavo de Carvalho, talvez o Brasil seja o único país do mundo cuja literatura não reflete nada da realidade do país. Qualquer país subdesenvolvido na África, Ásia ou Oriente Médio tem mais chance de Nobel por ter uma literatura que reflita os problemas atuais das pessoas, da crise moral ao terrorismo. Bola de feno passando na FLIP.

No Bananão, toda a literatura está até hoje falando da ditadura militar, com personagens mais rasos do que carcaça de planária. Nenhum personagem com conflito interno: a feminista desiludida, o esquerdista buscando novos conceitos depois da corrupção do PT, o pobre cuja vida não consiga ser explicada pela sociologia de Vila Madalena.

A política reflete uma realidade: apesar de criar novos fatos a partir disso, torna-se mero esquematismo e flatus vocis se tenta criar fatos nihil ad rem. E hoje escritor faz política, e não literatura.

filme-lula-presoAs grandes obras literárias apreciadas pela bolha flipista são como novela da Globo: se o mocinho progressista não vencer as trevas representadas por sua avó e o tripé mulher-negro-homossexual não passar pela Jornada do Herói de vítima social a reconhecido pela elite, o livro imediatamente é tachado de machista, racista e homofóbico, concluindo-se, portanto, que é fascista.

Os maiores escritores do Brasil a fazerem literatura, e não pastiche de propaganda do PT com norte moral de Globo News e Folha de S. Paulo, como Alexandre Soares SilvaKarleno Bocarro ou Rodrigo Duarte Garcia foram convidados pela FLIP? Ou só vale a cabala das “causas sociais” e pobre-feminismo-ditadura que substituiu a fase em que literatura brasileira só falava de mato, sertão e índio?

Críticos literários brilhantes como Rodrigo Gurgel ou Martim Vasques da Cunha são chamados a fazer crítica literária, ou só vale a troca de afagos entre confrades da camarilha? Tem alguma coisa a ser defendida na literatura brasileira que mereça aplausos numa FLIP sem ser por política e amizade com os poderosos da indústria cultural nacional – e, via de regra, estatal?

Quando o editor da Record, maior editora do Brasil, Carlos Andreazza, comentou que seus escritores eram boicotados pela FLIP, a direção da festa literária acusou-o de corporativismo. Para quem é corporativista, só se pode pensar por esta clave: crer que os outros é que querem usar o poder de monopólio para defender sua claque, quando apenas a própria FLIP faz isso e o que Carlos Andreazza achava mais interessante era justamente o contrário: ter várias idéias, e não uma só.

Tudo no país se tornou puxadinho do PT. A FLIP não seria exceção.

Ficção e realidade

Há, claro, uma explicação simples para um país continental desinteressar-se quase de todo pela literatura, com todos os pensantes e falantes da nação preferindo os jornais e o noticiário a tentar encarar meia hora de um romance brasileiro.

Vejamos o caso da ararinha, que Fábio Pegrucci narrou com presteza:

ariranha

Em 1977, num episódio que marcou a história de Brasília, um menino de 13 anos caiu no recinto das ariranhas no jardim zoológico da cidade, sendo imediatamente atacado pelos animais que, pra quem não sabe, são ferocíssimos.

Um militar, de nome Sílvio Hollenbach, que passeava por ali com a família, ao ouvir os gritos por socorro, pulou no fosso e salvou o garoto; contudo, foi puxado por uma perna por um dos animais, sendo em seguida atacado por vários deles, até que funcionários do zoológico finalmente chegassem para resgatá-lo.

O garoto foi hospitalizado e recebeu alta em poucos dias. Porém, lacerado por mais de cem mordidas, Sílvio Hollenbach morreu por infecção generalizada, três dias depois.

“Tenente Sílvio Delmar Hollenbach” hoje é o nome oficial do Jardim Zoológico de Brasília, em homenagem ao herói; é nome de ruas e escolas em várias cidades; também dá nome ao auditório do Hospital das Forças Armadas de Brasília, onde o militar servia à época.

Adilson Florêncio da Costa é o nome do menino salvo por Sílvio; hoje, trinta e nove anos depois, Adilson foi preso pela Polícia Federal.

Ex-diretor do Postalis – o fundo de pensão dos funcionários dos Correios -, Adilson é acusado no envolvimento em fraudes que resultaram em prejuízos de 90 milhões ao fundo, numa intrincada tramoia que inclui a criação de uma empresa de fachada destinada a assumir o controle de universidades falidas para, através delas, captar recursos para supostamente recuperar as instituições de ensino.

Segundo investigações da PF (deem um Google e vocês, se tiverem curiosidade e paciência, vão entender), o fundo Postalis, e também o fundo Petros, da Petrobras, foram os únicos que investiram pesadamente o dinheiro da aposentadoria de seus funcionários em títulos emitidos pela empresa gestora das universidades – e (surpresa!) o dinheiro sumiu, as universidades faliram, o preju ficou todo com os funcionários das estatais.

Ainda segundo investigações, os destinatários principais da rapinagem seriam o senador Renan Calheiros (PMDB – AL), a campanha derrotada ao governo do Estado do Rio de Janeiro de Lindbergh Farias (PT – RJ) e o ex-sindicalista, ex-ministro de Dilma Rousseff e deputado federal Luiz Sérgio (PT – RJ).

A PF come pelas beiradas, enquadrando primeiro os bandidinhos pé-rapados, porque os bandidões – pra variar – têm foro privilegiado. Mas, em breve, tudo isso vai estar nas manchetes dos principais jornais.

É uma PUTA história, que começa com ariranhas enfurecidas e termina com ladrões de aposentadorias presos: merece um filme!

Ah, a propósito: a família do herói Sílvio Demar Holenbach aguarda há 33 anos por um singelo “obrigado” da família do então menino Adilson Florêncio da Costa.

Tem como alguma ficção romanceada dos escritorezinhos brasileiros concorrer com histórias como essa?

Convenhamos: a Lava Jato vale mais do que muita série hollywoodiana (House of Cards?! Puff!!), um Eduardo Cunha, um Jair Bolsonaro, uma Sara Winter, um José Dirceu são personagens muito mais ricos e complexos do que 99% dos personagens de toda a nossa literatura.

Que dirá a concorrência com os “livros-reportagens” de jornalistas da Folha “debatendo” entre a Ave Maria e o amém na FLIP, com seus relatos de viagens pela Síria, para mostrar que não entendem lhufas do conflito, mas vêem um monte de gente pobre matando outro monte de gente pobre e passam a escrever sobre como é tudo “muito mais complexo do que dizem por aí” e ganham resenhas de seus cupinchas no caderno de Cultura afirmando que “o livro levanta mais dúvidas a cada página” já que até na análise da realidade os escritores brasileiros não consegue sair de si mesmo.

Alguma chance de isso tudo ser minimamente mais emocionante, interessante agradável do que o próprio movimento de xadrez do juiz Sérgio Moro? Do que o jogo de delator delatando que quem ainda não foi preso comprou o silêncio para não delatar quem poderia delatar ainda mais? Das notícias em moto perpetuo de que homem de cabelo branco penteado para trás acusou outro homem de cabelo branco penteado para trás de corrupção e afiançou que ele próprio é inocente? Do que o chorume da feminista famosinha graças à Globo promovendo feminismo xingando a Globo de golpista fascista? Como um grupo de escritores gritando “Fora Temer” na FLIP quer ser mais lido do que alguém que, digamos, escreva ou faça algo com mais do que 5 palavras-clichês?

O Brasil, definitivamente, não é pra principiantes e amadores.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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