Theresa May é a nova Primeira-Ministra britânica: devemos comemorar?
A nova Primeira Ministra britânica Theresa May é uma incógnita para o mundo – e, apesar de promissora, também para os próprios britânicos.
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Duas mulheres estiveram no páreo para se tornarem a próxima Primeira-Ministra britânica devido à renúncia de David Cameron do cargo pós-Brexit. Uma era Andrea Leadsom, candidata com tendências pró-UE. A segunda, vencedora do pleito com a desistência de Leadsom, é Theresa May, há mais de uma década entre os favoritos do Partido Tory (Conservador).
Duas mulheres na disputa pelo cargo mais importante da principal monarquia constitucional do mundo – monarquia esta que também mantém como chefe de Estado uma mulher, a rainha Elisabeth II – deveria ser comemorado pelas feministas, cuja principal bandeira em épocas eleitorais é a da ausência de mulheres na política.
Alguns insistem na tese de que o feminismo não seria simplesmente “defesa das mulheres”, mas sim apenas um recorte do que é aparentemente atraente para mulheres, sobretudo jovens abaixo dos 30 anos, no rol ideológico identificado com a esquerda. Seria uma boa chance para se mostrar que o feminismo talvez significasse, de fato, algo além de propaganda esquerdista.
Não foi exatamente dessa vez.
Duas mulheres do Partido Conservador a liderarem um parlamento não são digno de comemoração pelas feministas. Não se trata, pois, da defesa de mais mulheres na política. Como apontou um dos maiores jornalistas do mundo, Brendan O’Neill, Andrea Leadsom é contra o casamento gay, portanto, como mulher, para uma feminista, vale tanto quanto um homem, um padre, uma pilastra de concreto. Trata-se de mulheres com a agenda feminista na política. O que dificulta quem tenta dar uma colher de chá ao feminismo e não considerá-lo tão somente propaganda esquerdista com uma roupagem moderna.
A desistência de Andrea Leadsom talvez tenha marcado a liderança mais curta da história do Partido Tory. Como noticiou brilhantemente Fraser Nelson, editor-chefe da Spectator, simplesmente se tornou óbvio aos olhos de todos que Andrea Leadsom não estava à altura do cargo.
Para quem vestiu o cabresto e enxerga o mundo apenas pelo prisma do feminismo, é uma complicação: Andrea Leadsom foi mais praticante do que vítima do chamado “machismo”.
Em uma entrevista ao The Times, afirmou que não gostaria de atacar sua oponente Theresa May por não ter filhos, e fez exatamente isso a seguir. Ainda chafurdou na situação acusando sua entrevistadora Rachel Sylvester de fabricar citações. Sylvester então soltou o áudio com suas próprias palavras.
Se a situação já pareceu ridícula, Andrea Leadsom então foi à tribuna lendo em uma folha de papel uma declaração sobre sua confusão em uma entrevista para um jornal. Presumivelmente, ela lia de uma folha de papel para garantir que ela não iria fazer confusão sobre uma declaração sobre ter feito uma confusão. No dia seguinte, Andrea Leadsom afirmou que todo o episódio a fez se derramar em lágrimas.
Parece uma situação pouco agressiva da parte do jornalismo (até mesmo o britânico) apenas citar a frase de um parlamentar àquele parlamentar. Não foi, desta feita, a arte de um jornalismo mal criado que deflagrou a cambulhada. Os ingleses, acostumados com a idéia de algo próximo ao que chamamos de “opinião pública” há praticamente 8 séculos, têm facilidade em imaginar como seria Andrea Leadsom diante de Vladimir Putin ou de uma reunião para refazer os acordos comerciais pós-Brexit.
Ou, digamos, passar uma semana na mira dos tablóides ingleses.
A realidade não funciona pelo binarismo homem-mulher (nem por seus correlatos, como branco-negro ou hétero-gay). Com duas mulheres na disputa por um cargo que foi ocupado pela primeira vez por uma mulher na figura de Margaret Thatcher, voltamos à programação normal sem binarismos e recaímos novamente na idéia de que há alguém mais capacitado para o cargo – e é isto que se disputa, não identificações forçadas com grupos mais suscetíveis a se tornarem massa de manobra.
Talvez a disputa fosse diferente caso fossem duas mulheres do Partido Trabalhista (Labour) no pleito. Mas a esquerda, na Inglaterra, ainda não consegue deixar de ser um amontoado de “velhos brancos e ricos”, como adora acusar os outros. O que a torna mais parecida com o Brasil – e mais fácil de entender para quem acompanha só as nossas notícias.
May Theresa May?
Theresa May exige um pouco mais de imaginação para ser compreendida para a ótica e o vocabulário fraco da política brasileira.
Geógrafa com experiência em consultoria bancária de Essex, Theresa May se identifica, justamente, como feminista. Não se trata de algo parecido com Jout-Jout ou Lola Aronovich, naturalmente: foi na Grã-Bretanha que se iniciou o movimento das Suffragettes, que exigiam o voto das mulheres na virada do século XIX para o XX. Os direitos políticos das mulheres vieram com tudo com a Primeira Guerra, cuja carnificina legou às mulheres a administração e reconstrução completa do país. Até hoje, todavia, é creditado às Suffragettes a conquista do voto.
Graças a tal filiação, Theresa May se tornou Ministra das Mulheres e das Igualdades em 2010, embora seja Membro do Parlamento desde 1997. Como ministra, apoiou em um vídeo o casamento gay, tal como o próprio David Cameron o fez, justamente para explicar princípios conservadores. Trabalhou com diversos congressistas, incluindo David Cameron, que não disfarçava sua preferência por May.
Suas políticas, contudo, são austeras. Bem diferentes de sua companheira européia Angela Merkel, que a cada ano aderiu mais à retórica globalista e politicamente correta em relação ao islamismo, abandonando os princípios de seus dois primeiros mandatos como Chanceler (cargo análogo ao de Primeiro Ministro) para naufragar num pântano de impopularidade que destruiu seu partido. De Hillary Clinton nem se fala.
Theresa May teve sua carreira como congressista muito marcada por suas vitórias sobre o Partido Trabalhista, que, apesar de atascado em uma crise que só não se considera sem precedentes por se tratar da Inglaterra, está sempre crendo numa representatividade gigante e numa popularidade que só possui nos tablóides britânicos.
Excelente jogadora de xadrez, é vista com relutância pelos Tories exatamente por sua habilidade política. Os conservadores, desconfiados de qualquer político poderoso, torcem o nariz para políticos que conseguem obter tanto poder vencendo oponentes. Mesmo que Theresa May consiga aplicar bem as políticas do partido, como reduzir gastos, controlar a imigração, acatar a decisão do Brexit, manter uma política criminal mais próxima da pequena comunidade, ser dura com o terrorismo.
Contudo, Theresa May ainda se mostra, para a ojeriza dos conservadores britânicos, ser mais uma política do que uma pessoa admirável por si. Mesmo, por exemplo, para os apoiadores do Brexit, May causava desconforto com suas declarações que pareciam usar países europeus de economia mais fraca como peças de barganha. Norman Baker, democrata-liberal, definiu trabalhar com Theresa May como “andar na lama”.
O perfil de “generala” pode enganar a primeira vista, sobretudo os pouco informados, fazendo crer que se trate de alguém com a admiração que Margaret Thatcher possuía no mesmo cargo – o que lhe rendia tanto o apelido de “Dama de Ferro” quanto o de “Maggie”, o que aparentemente é o non plus ultra do que uma mulher realizada na vida pública tem como respeito, admiração e carinho, a um só tempo.
O efeito encantatório se dissipa pois Thatcher tinha um pensamento e um norte moral claros: sua defesa do capitalismo como promotor da riqueza e da liberdade, o que só irritava setores eivados de corporativismo (herança curiosamente fascista), como os sindicalistas mineiros, que não podiam contar com apoio da população que trabalhava sem benesses corporativistas.
Margaret Thatcher era considerada forte e poderosa por suas idéias – inclusive seus argumentos destruidores na tribuna. Theresa May chega ao cargo de Primeira Ministra aparentando uma idade bem mais avançada do que a sua real e pode ainda mostrar muita força e inspiração – por isto a aposta Tory. Mas sua força advém de seu jogo político, não de suas idéias.
Thatcher era uma líder para o mundo e uma inspiração para aqueles anos que venciam a tirania socialista no mundo: May precisa de algo além de ser uma excelente jogadora de xadrez (ou bridge) para ser algo maior do que a defensora apenas dos britânicos, em uma época em que a tirania está espalhada por redes de terror que estão ocupando a nossa própria vizinhança.
Foi a própria Margaret Thatcher quem afirmou que ser poderoso é como ser uma dama: se você precisa explicar que é, você não é. Conservadores, afinal, gostam dessas definições claras, não do relativismo esponjoso do pensamento esquerdista. Theresa May pode se tornar a líder que a Europa precisa depois do fiasco Merkel – o problema é que, se depender apenas de manobras políticas, seus erros, por pequenos que sejam, serão contabilizados e lembrados como incrivelmente maiores do que são.
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