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Economês

As perguntas que você deveria ter feito sobre a Reforma da Previdência

Antes de ser contra ou a favor de um pacote de medidas pouco congruente, importa mais saber o que incomoda na reforma da Previdência.

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Fila de aposentados na Previdência Social

A reforma da Previdência, que ensejou a greve geral que parou o Brasil inteiro neste dia 15 de março, é uma das falsas polêmicas que tanto grassam em nosso noticiário cotidianamente. Apesar de tratada como polêmica, qual é, de fato, a polêmica que, supostamente, dividiria ânimos da nação?

Tudo o que for feito por Michel Temer, o vice de Dilma Rousseff, tal como tudo o que for feito por qualquer político fora do establishment, será considerado uma decisão ou ato “polêmico”. A reforma da Previdência não seria tratada como causa natural para voltar às greves gerais dos anos 80 sem tal conivência.

A reforma proposta por Michel Temer veio em um pacote de medidas nem sempre congruentes entre si. Ser contra ou a favor “a reforma” do vice de Dilma Rousseff é quase impossível para quem busca fatos, ao invés de aprovação ou ódio instantâneo ou fanático por qualquer pessoa.

Os verdadeiros pontos complicados não são apenas ignorados pela meia dúzia de grevistas capaz de tomar avenidas e parar o país inteiro: são temas que os confundiriam tanto que pediriam ajuda aos universitários.

Uma das mais cabeludas medidas envolve os trabalhadores do setor público: aposentam-se hoje com 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), mais tempo mínimo de contribuição de 35 anos (homem) e 30 anos (mulher). A idade mínima também vai subir para 65 anos.

O problema escancarado a todos que sabem ler minudências não está na reforma da previdência: está no sistema anterior. Por que servidores públicos, afinal de contas, precisam se aposentar antes do restante da população? Este ponto da reforma da previdência apenas mostra que, hoje, cada vendedor de pastel ou pescador de caranguejo está sendo obrigado pelo governo a trabalhar 5 anos a mais de sua vida quase que tão somente para pagar por um servidor público que não trabalhará neste período.

Já um ponto curioso é a criação de um fundo em cada estado para regimentar suas próprias aposentadorias, como hoje já o faz a União. Afinal, qual seria a reclamação contra a modalidade? Será que as pessoas debatendo com tanto afinco a reforma da previdência ao menos desconfiam do que é melhor neste caso?

Como acham que a previdência é, como é de fato.Ainda há a questão dos policiais civis (militares e das Forças Armadas ficaram a terem o regime revisto numa futura emenda). Deverão ser “obrigados a contribuir”, no interessante vocabulário técnico brasileiro, por 5 anos a mais. O que sindicalistas pensam disso? São contra? Vão admitir que policiais têm uma vida muito mais arriscada do que eles?

Em uma toada análoga, o mesmo valerá para políticos que ocupem cargos públicos. Fossem realmente contra os políticos, não seria a primeira coisa a ser martelada “em nome do povo” pelos sindicalistas, vociferando “nenhum direito a menos”? Ou isso, por alguma razão, atrapalharia alguns de seus amig… digo, companheiros?

Há também um ponto engraçado: a unificação da idade mídia da aposentadoria para os dois sexos. Para feministas que passaram os últimos anos lutando por “igualdade” e “equivalência salarial”, seria uma dúvida boa a ser discutida com, digamos, argumentos. Afinal, não é algo bom equiparar emolumentos de mulheres e homens? Não devem ser iguais? E, caso sejam diferentes, o sistema previdenciário não paga mais às mulheres, no cômputo total?

Ainda nem se tocou no tema da suposta “desigualdade salarial” entre sexos no mesmo cargo, algo inexistente no Brasil – entretanto, se há uma predominância masculina em determinadas áreas e cargos, sobretudo os mais altos, apenas lembrar ao grande público que empresas terão mulheres trabalhando por 5 anos a menos (fora licença maternidade e várias outras) já explicaria, por si, sem grande hermetismo, a tendência a se contratar mais homens do que mulheres.

Lula, ele, em discurso na Avenida Paulista, afiançou (!) que “o golpe” foi feito para mirar nos direitos dos trabalhadores. É o tipo de frase de efeito que rende aplauso fácil de uma plateia incapaz de pensar em quem raios iria pagar a conta (nunca seriam eles próprios, crêem mesmo que Lula trabalharia sozinho e tiraria dinheiro do próprio bolso para lhes “dar” alguns “direitos”). Mas como os petistas, aqueles que fizeram o PIB e a riqueza nacional “crescer negativamente” em quase 10%, iriam pagar a conta?

Mesmo em paraísos de “social democracia” como a Dinamarca os trabalhadores se aposentam mais tarde do que o Brasil (já estão em 65 anos, e subirão até 67 entre 2024 e 2027 ao ritmo de seis meses por ano). Países de primeiro mundo, em uníssono, se aposentam mais tardiamente. O Japão, sempre tão admirado, e país com maior longevidade do mundo, se aposenta aos 65 anos (homens e mulheres), exigindo nada menos do que 40 anos pagando a previdência.

Ficam atrás do Brasil apenas países mortificados por crises, como a Colômbia (onde homens se aposentavam aos 60, e agora aos 62, e mulheres já penduravam as chuteiras aos 55, e hoje aos 57). A falida Grécia, que quase sofreu uma revolução graças à previdência, já passou de 65 para 67 (homens) e de 60 para 65 (mulheres) em 2012. Precisamos mesmo ser tão atrasados assim?

 E já que é para falar de homens e mulheres, há uma pergunta que deveria ser feita diretamente a Lula e quem mais estiver discursando na Avenida Paulista: como ficará a aposentadoria dos transgêneros?! Será que ninguém pensou nelxs?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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