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Política Internacional

Geert Wilders e a arte de vencer na derrota

A esquerda e o establishment global estão celebrando a derrota de Geert Wilders na eleição holandesa, mas isso não significa que ele foi realmente derrotado. Entenda por que o novo governo holandês será pautado pelas idéias de Wilders, que perdeu a eleição mas obteve uma grande vitória ideológica.

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Sem se esforçar muito, pense em cinco políticos europeus que governaram seus respectivos países em algum momento das últimas quatro ou cinco décadas. Pensou? Não é preciso ser um gênio, nem possuir qualquer capacidade telepática, para dizer que nenhum dos políticos que vieram à sua mente é holandês. Isso porque os Países Baixos estão entre as raras nações em que o governo tem um papel secundário, nas quais os políticos são quase irrelevantes e o sistema político é inteiramente funcional, conduzindo ao consenso e à coesão cenário em que a guerra pelas mentes e pelos corações que se dá na esfera da cultura, da moral e da psicologia das massas goza de uma primazia ainda maior que de costume. (Geert Wilders)

Geert Wilders, Holanda, Mark Rutte, Vitória DireitaApesar disso, o establishment global está comemorando a aparente derrota de Geert Wilders, hoje indiscutivelmente o político holandês mais conhecido no mundo. Como seu partido, o Partido da Liberdade (PVV), não foi o mais votado, Wilders provavelmente não fará parte do governo que emergirá das complexas negociações que, desde ontem, estão sendo realizadas para construir uma coalizão capaz de governar o país. Os jornalistas do mundo todo vêem nisso razões para celebrar e, com isso, demonstram mais uma vez sua incapacidade de compreender o que está acontecendo.

Os holandeses donos de uma das economias mais pujantes da União Europeía, com uma taxa de crescimento maior que a da Alemanha e uma taxa de desemprego abaixo dos 7% — responderam à mensagem de Geert Wilders, dando a ele e ao seu partido um crescimento de 25% no número de assentos na câmara baixa do parlamento holandês, ao mesmo tempo em que impunham ao partido do atual primeiro ministro, Mark Rutte, uma perda proporcional ainda maior no número de assentos, em comparação com a última eleição.

A questão central aqui é saber que cada país possui suas particularidades e que não é possível medir a vitória dos grupos e partidos anti-establishmentem termos absolutos, sempre da mesma forma. É verdade que existem paralelos entre esses grupos e partidos, mas as condições gerais de cada disputa eleitoral variam de acordo com a história e o momento vividos por cada uma das nações que servem de palco para essas disputas. Há questões particulares e únicas a cada país e uma multiplicidade de sistemas políticos e eleitorais que não podem ser avaliados da mesma forma.

Quando foram chamados a decidir sobre a possível saída da União Européia, os britânicos sabiam que tinham apenas duas opções e o desejo de se livrar dos males causados pela ingerência de Bruxelas transcendia os limites partidários e ideológicos. Na América, a disputa eleitoral também apresentou apenas duas alternativas e um candidato que, com sua autenticidade, seu apelo de celebridade e seu discurso anti-establishment, também transcendia os limites partidários tradicionais. Em ambos os casos, pessoas que não costumam participar efetivamente do processo eleitoral foram motivadas a sair de casa e puderam determinar os resultados.

Geert Wilders, Holanda, Mark Rutte, Vitória Direita, Emile Roemer do Partido Socialista (SP); Lodewijk Asscher do Partido dos Trabalhadores (PvdA); Jesse Klaver of GroenLinks Green Left Party posing in The Hague, on February 3, 2017, Alexander Pechtold of Dutch Democratic 66 (D66) posing in The Hague on Augus 24, 2012, Netherland's Prime minister and People's Party for Freedom and Democracy leader Mark Rutte arriving for an EU summit in Brussels on June 28, 2016, (bottom row, LtoR) Sybrand Haersma Buma of the Christian Democrats (CDA) posing in The Hague on August 24, 2012, Gert-Jan Segers of Dutch Christian Union (CU) party posing in The Hague, on January 21, 2017, Geert Wilders of the Freedom Party (PVV) posing in The Hague on March 2, 2017, Henk Krol of 50+ The party for the over 50s in The Hague on August 23, 2012, Marianne Thieme of the parliamentary party Partij voor de Dieren, PVDD (the animal rights party) attending a session in The Hague on March 1, 2007 and Tunahan Kuzu of DENK ("think" in Dutch) representing immigrants posing The Hague, on February 23Nos Países Baixos, a situação não poderia ser mais diferente. A disputa eleitoral se deu entre vinte e oito partidos, dos quais quinze poderiam conquistar pelo menos um dos cento e cinquenta assentos que compõem a câmara baixa holandesa. Para formar um governo nesse contexto, é necessário obter setenta e seis assentos, um número impossível de ser conquistado por um único partido e menos ainda pelo PVV de Wilders, contra quem toda a mídia global declarou guerra e com quem os demais partidos juraram jamais buscar uma aliança.

Geert Wilders, Holanda, Mark Rutte, Vitória DireitaÉ com esse contexto em mente que temos que analisar os resultados eleitorais obtidos por Geert Wilders. Mais do que isso, é com esse contexto em mente que temos que entender que a vitória ideológica, estratégica e cultural é muito mais importante que a mera vitória eleitoral, uma vez que esta apenas dá acesso a cargos oficiais enquanto aquela determina o rumo geral de uma nação.

Geert Wilders, que parece entender o que é o poder na sua acepção substantiva, comemorou o resultado e declarou, sob o riso dos jornalistas e dos especialistas, que está pronto para governar. Ele entende que o voto não garante ninguém no poder, que o mandato legal não se confunde com a posse efetiva da autoridade e que política, sobretudo em países como o dele, é conquista e exercício de influência, é capacidade de pautar o debate público e de determinar o curso das ações alheias. Poder é fazer-se obedecer, é decidir quais temas serão discutidos e quais posições, em última instância, irão prevalecer.

Geert Wilders, Holanda, Mark Rutte, Vitória DireitaÉ claro que, no caso de Wilders, uma vitória simbólica, como a conquista do maior número de assentos, seria preferível, posto que sua capacidade de atemorizar o governo oficial e vergá-lo aos seus interesses seria ainda maior. De todo modo, ainda que seu partido tenha ficado em segundo lugar e apesar de ser improvável que ele venha a integrar o governo, suas idéias já influenciam o tom da política holandesa desde o início do processo eleitoral, pautando o debate público em todos os temas que ele elegeu como prioritários: o Islamismo, a crise migratória, a política de recepção de refugiados e a crise de soberania causada pela União Européia.

A maioria dos partidos, inclusive aqueles que tradicionalmente adotam uma posição oposta à de Geert Wilders nesses temas, se viu obrigada a adotar algumas das posições do PVV e a assumir compromissos públicos de avançar versões mais moderadas das propostas do cruzado holandês.

Geert Wilders, Holanda, Mark Rutte, Vitória DireitaRecentemente, por exemplo, o premiê Mark Rutte, líder do partido que obteve o maior número de assentos nesta eleição, flertou com a idéia de realizar um referendo para decidir se a Holanda deve sair da União Européia e, dentre outras declarações wilderianas sobre imigrantes e islâmicos, pagou para que todos os grandes jornais holandeses publicassem uma carta aberta, na qual ele declara que quem não está disposto a se comportar de maneira normal e a aceitar a cultura holandesa deve deixar o país.

Leiam abaixo a tradução exclusiva da carta de Mark Rutte, o provável líder do futuro governo, e entendam o que queremos dizer quando afirmamos que Geert Wilders soube vencer na derrota e que a comemoração do establishment é um tanto fútil.

A todos os holandeses,

Há algo de errado com o nosso país. Como pode haver pessoas que se comportam de forma tão primitiva em uma nação tão próspera quanto a nossa? Pessoas que detêm uma capacidade cada vez maior de nos definir como nação. Pessoas que estão dispostas a tudo para transformar e destruir os Países Baixos. O que podemos fazer para impedi-las?

A maior parte da nossa população é composta de pessoas de boa vontade. A maioria silenciosa. Pessoas que, como eu, querem o melhor para o nosso país. Nós trabalhamos duro, ajudamos uns aos outros e consideramos o nosso país um belo lugar para se viver. Mas nossa preocupação com o rumo das coisas e como o modo como algumas pessoas nos tratam vem aumentando. Refiro-me àquelas pessoas que não agem normalmente.

Vocês provavelmente irão reconhecê-las. Falo de pessoas que apresentam um comportamento anti-social. Seja no trânsito, nos transportes públicos ou nas ruas. Pessoas que só pensam em si próprias. Pessoas que andam por aí jogando lixo nas ruas e cuspindo pelas janelas dos seus carros. Pessoas que andam em grupos, assediando, ameaçando ou atacando quem encontram pelo caminho. Nada disso é normal!

O desconforto só irá crescer se essas pessoas continuarem abusando e pervertendo nossas liberdades, as mesmas liberdades que nos permitiram alcançar os benefícios que atraíram esses imigrantes para o nosso país.

Essas pessoas não querem se adaptar, se negam a assimilar nossa cultura e nossos hábitos e rejeitam os nossos valores. Elas atacam os homossexuais, abusam sexualmente de mulheres quando consideram suas roupas inadequadas e denigrem a imagem do holandês médio, chamando- de racista.

Eu compreendo perfeitamente quem pensa que pessoas que rejeitam as bases da nossa noção não deveriam estar em nosso país; e as compreendo porque penso da mesma forma. Aja com normalidade ou saia!

Esses comportamentos jamais podem ser aceitos em nosso país. A solução, entretanto, não pode ser imposta de cima para baixo; não é possível resolver esse problema com a expulsão de um grupo inteiro de pessoas. O que temos que fazer é lutar pela cultura do nosso país, para que sejamos nós os definidores do estado de espírito holandês. Temos de defender ativamente os nossos valores e deixar claro o que é normal e o que não é, o que é aceitável e o que não é.

Nos Países Baixos, o normal é tratar as pessoas com respeito e igualdade; o normal é apertarmos as mãos uns dos outros (uma referência à empresa de ônibus Qbuzz, que foi processada por se recusar a contratar um muçulmano que, por motivos religiosos, não estava disposto a cumprimentar passageiras com um aperto de mão); o normal é observar as instruções dos agentes de segurança; o normal é respeitar os professores e aqueles que educam nossas crianças; o normal é respeitar nossa nação; o normal é trabalhar para conseguir se manter e buscar seus sonhos; o normal é sermos solidários e estendermos nossas mãos aos que mais precisam; o normal é não fugir dos problemas; o normal é ouvirmos uns aos outros e, se não concordamos com algo, expor nossas discordâncias de modo racional e respeitoso e não tentando submeter nossos interlocutores com gritos e violência.

Os próximos meses determinarão a direção do nosso país. Há apenas uma pergunta a ser respondida: o que queremos para a nossa nação?

Vamos garantir que possamos continuar nos sentindo em casa em nosso belo país. Vamos continuar deixando claro o que é normal aqui e o que não é. Eu tenho certeza de que, juntos, conseguiremos vencer essa batalha. Tudo o que conquistamos, conquistamos juntos. Então, vamos permanecer unidos. Vocês, eu, todos nós. Vamos trabalhar juntos para tornar este país ainda maior. Somos uma grande nação e eu não trocaria o nosso país por nada. Você o trocaria?

Saudações,

Mark Rutte

O que lhes parece? É possível dizer que Geert Wilders saiu derrotado de um processo eleitoral em que ele foi capaz de colocar essas palavras, talvez mais duras que as de Donald Trump, na boca do primeiro ministro holandês? O fato de que mesmo pessoas de esquerda estejam comemorando a vitória de alguém que assume esse posicionamento mostra que Wilders, mesmo não conquistando tantos assentos quanto poderia, venceu a mais importante das batalhas e está deixando uma importante lição para todos nós.

Em 2018, teremos nossas próprias eleições e, conquanto seja um equivoco não lutar por vitórias eleitorais, temos que aprender a lição e lembrar que de nada adiantará eleger um presidente se não formos capazes de pautar o debate, vencer a disputa ideológica e, com ou sem cargos oficias, vencer a guerra pelas mentes e pelos corações que se dá na esfera da cultura, da moral e da psicologia das massas. Sem um plano estratégico, substantividade ideológica e respaldo cultural nenhum político conservador, por maior que seja sua popularidade pessoal, terá condições de governar.

O voto, lembrem-se, não garante ninguém no poder; a massa amorfa e desorganizada que compõe o eleitorado, via de regra, só entra em ação durante as eleições e muito pouco pode fazer para manter seu candidato no governo. Portanto, qualquer candidato conservador (ou mesmo liberal) que busque a vitória eleitoral sem se empenhar nessas outras batalhas, mais importantes e mais difíceis, pode até vir a sagrar-se presidente, mas estará sujeito a ter contra si, diante de qualquer deslize, a ação da militância esquerdista nas ruas, nos jornais, na academia, no show business e só por um milagre não será destruído.

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Assuntos:
Filipe G. Martins

Professor de Política Internacional e analista político, é especialista em forecasting, análise de riscos e segurança internacional.

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