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Palhaçada profissional

Presidente leva humorista para tentar conversar com jornalistas profissionais de igual pra igual

A classe mais mimada no país tá até agora chorando as pitangas na Internet. Teve até jornalista profissional compartilhando tuíte do Felipe Neto. Depois reclamam que não têm nenhuma credibilidade

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Toda vez que o assunto é o jornalismo profissional, não sei por quê, insisto em me lembrar do livro do Guilherme Figueiredo, Tratado Geral dos Chatos. É ver um post da Mônica Bergamo e, de chofre, aquela capa brochura verde, com sinais de uso, algumas marcações, anotações e sublinhados feitos a lápis; capas íntegras e em bom estado e miolo íntegro, porém suavemente amarelecidas pelo tempo, surge na minha mente.

Figueiredo diz, logo no início, que todos nós somos chatos esporádicos. 

Há sempre aquela indisposição, aquele refluxo que faz nossa chatice aflorar, devemos “reconhecer a existência de seres, coisas, e eventos que, não sendo propriamente chatos, tornam-se tais por circunstâncias alheias à vontade do agente, por indisposição passageira do paciente, por motivos esporádicos e mesmo perdoáveis”.

Mas o caso do jornalismo profissional não é perdoável. A repetição do fenômeno caracteriza a chatice absoluta da classe. Quem, em sã consciência, não tem aquela sensação de borboletas no estômago enquanto aguarda um comentário econômico da Míriam Leitão?

Ou ainda: quem não sente o chão tremer, as mãos formigarem, o suor escorrer pela testa e a visão turvar de paixão à espera da aparição da Vera Magalhães no Roda Viva?

A não ser que você torture animais desde a infância e queira colecionar orelhas humanas, jamais terá qualquer dessas sensações ao ver um jornalista profissional. Vera, aliás, nos deu de presente a expressão. Podemos ensaiar defini-la.

Em linhas gerais, profissional é aquele que, relativo a sua profissão, obtém rendimentos para exercê-la; é o não amador; cuja atividade é exercida como profissão, trabalho. 

Já o jornalista é alguém que escreve num orgão de imprensa, podendo fazê-lo eventualmente ou constantemente. Tirando os leitores imaginários da Folha e alguém que se voluntarie a escrever um texto no jornal não esperando receber por isso, pode-se dizer que todo jornalista é um profissional.

Ao reforçar a adjetivação “profissional”, a senhora Vera Magalhães se diferencia do que ela considera o jornalismo amador. Até aí, nada de errado. Acontece que a linguagem na qual a senhora Vera M. especializou-se é carregada de sentimentalismos, donde se conclui que, ao se colocar como uma jornalista profissional, V.M. crê estar numa posição de prestígio, acima da ralé.

Logo, o jornalista profissional seria aquele sujeito que, dotado de prestígio junto aos seus colegas de trabalho, pode falar as maiores bobagens sem ser confrontado, contestado ou criticado por pessoas comuns.

 

Menopuberdade

E é esse mesmo prestígio que o jornalismo profissional vem perdendo, desde que resolveu dedicar boa parte do seu tempo a inventar notícias ou a impregnar as existentes de ideologia, tudo sob uma falsa imparcialidade.

E não há mais movimento em falso que escape ao cidadão comum, desde que as redes sociais lhe deram voz. Nossos periodiqueiros, como adolescentes pegos fazendo bobagem e colocados de castigo, estão esperneando e se debatendo.

Cada vez mais me convenço que o jornalismo profissional é praticado por adolescentes profissionais.

Foi-se o tempo do jornalismo que sabia organizar sujeito, verbo e predicado; que, embevecido na beleza do todo, amava a notícia. Os “profissionais” de hoje, tomados pelas minúcias despiciendas, por mesquinharias sem relevância que são tratadas como crises institucionais, só reconhecem as próprias vontades. É o jornalismo púbere.

Um novo capítulo na derrocada do jornalismo profissional foi escrito, nesta quarta-feira, dia 5 de março, quando o presidente colocou um humorista para responder às perguntas dos gazeteiros juvenis. 

A zombaria oficial, embora soe estranha, é resultado da incompetência da classe jornalística de captar as prioridades e enxergar o todo. 

“O melhor método para expulsar um demônio, se ele não ceder aos textos das Escrituras, é ridicularizá-lo, zombar dele, pois ele não suporta o escárnio.” 

Lutero

“O diabo (…) o espírito orgulhoso (…) não tolera ser motivo de chacota.” 

São Thomas More

“Dois chatos da mesma espécie não se chateiam.”

Guilherme Figueiredo

Como reagiu a classe? Fez piada? Zombou de volta? Entrou na onda? NÃO! Viraram a cara, saíram batendo o pezinho, ofendidinhos. Estão até agora nas redes choramingando: “O presidente zoou com eu!”

No passado, mesmo com a linha surrealista do discurso de Dilma, com todos os escândalos administrativos da sua gestão, jornalistas profissionais se acotovelavam para tietar a estrategista do pastel de vento. A compatibilidade de idéias, embora nenhumas, entre a claque jornalística e a líder suprema da incoerência verbal era mais que evidente.


A linha entre a vida pública e a privada – o duplo sentido é proposital – foi ultrapassada há muito pelos profissionais do texto. Nos anos de PT e PSDB a melhor forma de obter uma informação era a alcova. Trocar sexo por informação é como trocar um petit gateau parisiense por balas juquinha. 

Tem muito jornalista que ascendeu na profissão – o duplo sentido é proposital – sendo o objeto inflável de Zés Dirceus e Mercadantes, quiçá até de Dilmas e Lulas. 

A histeria com o caso do humorista mostra a absoluta falta de maturidade da classe jornalística em lidar com uma invertida. O poder da mídia diminui cada vez mais. Se os profissionais do texto não fizerem uma autocrítica, sobrarão num enorme salão fazendo terapia de grupo.

Por enquanto, como diz o Guilherme Figueiredo no livro citado, são apenas os chatos agressivos. O tipo “desesperado de ser bonzinho ou que deseja converter-nos, por coação física, à sua bondade”. Só acrescentaria que, no caso dos gazeteiros, é uma bondade fingida.

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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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