Com Felipe Neto no New York Times a realidade supera os devaneios mais extravagantes
Evento entra no rol de peças que a realidade prega na sua própria estrutura de tempos em tempos. É só observar o ornitorrinco, o sutiã com alça de silicone e os fãs do MBL
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Nos meus solilóquios mais divertidos, sempre imaginei como seria um curso sobre o simbolismo da mitologia grega ministrado pela Xuxa Meneguel ou uma explicação do teorema Rouché-Capelli dada pelo Fausto Silva. São pensamentos corriqueiros que perpassam uma ou duas vezes ao dia em qualquer mente genial. Alguém já disse que o mundo precisa de mais gênios humildes. Somos muito poucos mesmo.
Nas minhas visitas diárias ao recanto mais alucinado da minha imaginação, uma espécie de Juqueri do cerebelo, destinado a abrigar aqueles neurônios que foram afetados pelos tuítes da Vera Magalhães e do Andreazza ou que sobreviveram, ainda que com sequelas, as minhas investidas juvenis nas drogas leves, sempre tento construir uma realidade distinta.
Lá, James Joyce é um rapper americano – embora em Finnegans Wake, ele tenha quase se tornado um -, Vera Fisher é uma estrela da mecânica quântica, o pessoal do MBL já tem aval para pegar um ônibus interestadual sem a autorização dos pais, que ler o Twitter é como ler os diários do Amiel, etc… Tudo aquilo que a realidade nunca poderá testemunhar, em suma.
E eu ia muito feliz com esse meu plano de saúde mental e suas doses diárias bem aplicadas, quando me deparei, na tarde de hoje, dia 15 de julho do ano de 2020 da graça do Nosso Senhor, com a notícia de que Felipe Neto estava comentando política internacional no New York Times. Cocei como pude as narinas, derramei meu copo de leite e pensei: Meu Deus! A realidade enfim me superou.
Abriu-se uma fenda da relação espaço/tempo, ser/estar, claro/escuro, queijo/goiabada. Algo que arrepiaria os cabelos grisalhos e desgrenhados do Dr. Emmett Brown.
É como se eu topasse com um amigo que me dissesse: – Tá sabendo da última? O Martim Vasques publicou um tratado de estilo, ou então: a escolinha de atores do Wolf Maia é só a fachada do Narcóticos Anônimos. (emoji de susto, assombro, surpresa, espanto).
Há um livro que se chama Acontecimentos na irrealidade imediata. Tenho esse livro, mas nunca sequer o inspecionei. Ao menos o título é absurdamente atual. Felipe Neto no New York Times falando sobre política é um acontecimento na irrealidade imediata.
Esse refúgio mental onde coisas inanimadas passam a emitir opiniões sobre política internacional ou literatura comparada tem sua serventia justamente porque jamais podem realizar-se. Quando a irrealidade invade os limites da realidade ela se dissipa, perde seu encanto.
Bruno Schulz escreve no livro Sanatório: “Porque há coisas que não podem acontecer totalmente, até o fim. São grandes, são magníficas demais para caber num acontecimento. Apenas tentam acontecer, só verificam se o solo da realidade as suporta. E logo recuam com medo de perder sua integridade na deficiência da realização.”
Felipe Neto no New York Times falando sobre política é algo grande, esplendoroso. Algo irreal demais para se corromper na aspereza da realidade. É como receber a comprovação, por meio de um novo protocolo da OMS de que a Miriam Leitão é linda. Seria se pertencesse ao universo das coisas improváveis. Quando se torna real, por mais bizarra e espantosa que seja a realidade, ela se dissolve e perde o interesse.
Quem sofre com isso são os elementos reais que pertencem ao universo do youtuber. O macarrão de geleca, o zombi-árvore do Minecraft, os chilreios de foca. Ou seja, aquelas substâncias que perfazem a totalidade dos raciocínios do adolescente trintão.
A imprensa, que vem devastando o mundo mais que o coronavírus, a dengue e a sífilis juntos, testa os limites da realidade a cada meia hora. Sempre foi assim. Não há nenhum problema quando a loucura tenta contaminar a realidade. O perigo é quando a realidade se rende à loucura. Felipe Neto no NYT é um indício de cansaço. Logo logo, Dilma será a rainha da oratória e Jorge Kajuru, um modelo de charme masculino.
Há uma vaga associação entre coroas de louro na cabeça e capacetes de bombril, diz Chesterton. A inteligência de um Felipe Neto não está a altura de um olimpo, qualquer que seja. Serve, no máximo, para sintonizar uma tevê velha.
Convenhamos.
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