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Meninos vestidos de meninas: por que virou modinha?

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Todo santo dia a nossa timeline do Facebook é invadida pela “notícia” viralizada de algum menino que resolveu ir para a escola vestido de menina, recheada por um textão com rigorosamente os mesmos elementos: como as pessoas acharam estranho, como achar estranho é ser preconceituoso, como precisamos mudar a sociedade inteira para que ela deixe de achar estranho algo inusual, pois isto é preconceito.

Uma das questões mais importantes e óbvias sobre isto é deixada de lado: por que de repente meio mundo resolveu fazer parte disso? Por que virou modinha? E por que, sobretudo, por que tais pessoas se consideram revolucionárias e “contrárias” ao establishment, justamente fazem o que o establishment manda que elas façam?

Há uma contradição óbvia em seus discursos: querer chocar a “sociedade tradicional”, tirando-a de seus alicerces de sustentação e conforto, como se precisassem atentar para alguma realidade para a qual o luxo da civilização ocidental cegasse seus membros, para, no segundo seguinte, considerarem-se vítimas de “preconceito” por terem chocado a sociedade.

Como se, afinal, de um pedreiro com dificuldade intelectual ao papa, ninguém soubesse o que raios vai acontecer se um galalau cheirando a testosterona e voz de barítono vestisse uma roupa desenhada para o sexo feminino. Oooooohhhh.

Mas todo o teatrinho depende, justamente, desta contradição. Não adianta apontá-la: ainda que inconscientemente, o jovem vítima do modismo sabe que depende dela. É aquele jovem que seria hippie psicodélico nos anos 60, seria disco black power nos anos 70, seria rockeiro colorido nos anos 80, seria grunge na primeira metade dos anos 90 e clubbers na segunda metade, seria emo nos anos 2000 e é petista e feminista nos anos 2010. Tudo porque jura que está indo contra tudo isto que está aí. Que estão pensando com a própria cabeça. Que faz tudo isto contra a sociedade, sem perceber que obedece o que a sociedade manda sem um pio de questionamento.

Por que meninos se vestem de menina?

Ao contrário do que hoje comumente se pensa, a gênese da “ideologia de gênero” é bem mais antiga do que o feminismo moderno, e não está no mundo anglo-saxão das suffragetes britânicas e nem do movimento operário americano.

Em Sussurros: A vida privada na Rússia de Stalin, Orlando Figes, o maior especialista vivo na história soviética, conta que logo depois da Revolução Russa já havia pedagogos soviéticos propondo criar as crianças pelo Estado, sem pai nem mãe, coletivamente em fábricas, sem gênero etc.

Na verdade, não exatamente uma novidade: no próprio Manifesto Comunista Karl Marx e Friedrich Engels já propunham que a fábrica, a “antítese histórica” do materialismo dialético, deveria servir para substituir a família. A família, de acordo com a tese marxista, era parte da superestrutura (como a cultura, as instituições e o próprio Estado), que servia apenas para encobrir a infraestrutura, a relação de produção. A família, portanto, era um engodo: servia tão somente para proteger uma infraestrutura que, na visão marxista, era o mal em si: a propriedade privada.

Tal visão teve um refluxo muito grande com a virada da Escola de Frankfurt na Alemanha, de Foucault na França e Gramsci na Itália na década de 60. Sobretudo os “frankfurtianos” perceberam que a relação em Marx estava invertida. Não era a família que “protegia” a propriedade privada, muito ao contrário: a instituição da propriedade privada é que protegia a família.

professor-drag-queenA família quis sempre existir, com naturalidade. A propriedade privada permitia um poder familiar (o que hoje é chamado de “patriarcal”) e nuclear, bem distinto do poder completo do Estado. Se uma família possuía propriedade que não podia ser tomada pelo Estado nem ser dividida, ela estava a salvo tanto da velha aristocracia rural do feudalismo quanto dos movimentos revolucionários pós-1789 e suas ganas de controlar completamente a sociedade.

Tal estrutura é tão antiga quanto a humanidade: foram grandes impérios buscando uma forma de controlar seus inimigos que destruíram a família. Os escravos romanos eram “feitos” em verdadeiros bacanais: sem saber quem é o pai e a mãe, o único “responsável” a cuidar do infante é o Estado, que pode usar aquele indivíduo como legítima propriedade.

Percebendo o erro de Marx, a vanguarda revolucionária deixou de ser o “operário” (que é conservador e quer saber de pagar as contas da família) e passou a ser o lumpesinato, os improdutivos urbanos. Quanto mais prazer auto-centrado, menos ligação com trabalho e mais busca de atalhos para conquistar algo, melhor. O ardor revolucionário passou a ser prerrogativa da bandidagem e dos hedonistas. Eles tinham instinto para a revolução, eles não possuíam ligações familiares (uma instituição que, na concorrência com o impessoal poderio estatal, sempre vence). Eles sempre quiseram coisas fáceis, em grupo, prazenteiramente e sem nenhuma moral “atrasada”.

Hoje vivemos uma nova fase desta dissolução do sujeito, potencializada. Acredita que alguém querendo “chocar a sociedade” e achar que está mudando o mundo por usar um salto alto e inverter roupas de homem e mulher (uma simples calça jeans foi a invenção mais universalizante do mundo) vai protestar contra Pasadena, vai criticar o petrolão, vai enxergar a crise falindo todas as empresas ao redor dele, se o partido destruindo tudo diz que acha que ele é lindo e ninguém mais acha?

parada-gay-feliciano-psolSem os operários e velhos sindicatos, valeu muito a lição do marxista argentino Ernesto Laclau: se não há uma “classe trabalhadora”, basta-se criá-la artificialmente chamando-a assim. Os ricos podem se tornar “operários”, os pobres podem ser “burgueses” (ou, hoje, “coxinhas”). Basta se adequar a um discurso. O gari cujos filhos foram mortos por Achille Lollo, o terrorista italiano que ajudou a fundar o PSOL com Heloísa Helena, eram muito mais pobres do que ele. Mas o gari era “reacionário”, Lollo o “operário revolucionário”. Sem os velhos sindicatos, resta-se criar novos estamentos: os estudantes revoltados e ainda improdutivos. As mulheres. Os negros. Os gays.

Acreditando-se serem finalmente protagonistas únicos não apenas de seus próprios destinos, mas de toda a sociedade e do futuro da humanidade, estes grupos escolhidos a dedo (verdadeiras construções sociais) se tornam um exército com obediência extrema (“imitar é uma forma de obedecer”, como já notara o grande estudioso de movimentos de massa, Eric Hoffer) e podem ser livremente manipulados para o que quer que um governante queira, em troca de um elogio e “aceitação” que ninguém mais na sociedade lhe dá.

Enquanto se preocupam apenas com suas funções fisiológicas, as hostes esquerdistas se cegam a qualquer coisa realmente importante da vida real. Desde obras como Eros e a Civilização de Herbert Marcuse ou História da Sexualidade de Michel Foucault, o sexo, a atividade mais privada e individual possível, foi invertido e alçado à maior categoria politica, pública e de discussão aberta.

Tomando de empréstimo a “quebra de tabus” da psicanálise em relação ao sexo e integrando-a aos ditames do marxismo, o sexo deixa de ser um fim em si para se tornar um meio político. Nenhuma dessas pessoas hoje faz sexo: elas fazem propaganda política. O poder é o fim.

Por isso a era do “sex lib” teve o sexo mais mecanizado e cheio de regras de todos os tempos: sem questões políticas levantadas a partir da frustração sexual, o sexo deixa de ser politicamente atraente. O mundo subtraído a um reino de feministas e ativistas sexuais bafejando suas insatisfações privadas em público e inventando simulacros com linguagem acadêmica para ameaças e conflitos incompatíveis com sua realidade não é um desvio da liberação sexual, mas seu próprio objetivo consubstanciado.

O tenebroso na história é pensarmos em como recuperar algum grau de consciência em jovens, sobretudo os jovens envelhecidos. Com uma meia dúzia de bordões e palavras chiques repetidas irrefletidamente, qualquer um deles se acha “crítico”, sem perceber que é tão modista quanto uma patricinha seguindo o catálogo outono-inverno da Ralph Lauren.

homem-vestido-bolsa_familhaOs jovens tentando chocar a sociedade, e depois chocados porque a sociedade lhes devolveu bocejos e risadas, são capazes de encontrar uma agenda oculta em tudo: exceto nos discursos que obedecem e repapagaiam cegamente.

Reduzidos ao propagandeamento de sua própria fisiologia e de desejos artificiais colocados como naturais, se cegam à realidade de quem precisa trabalhar para pagar impostos, criar uma família, pensar nas crianças e nos idosos e numa moral e numa cultura maior do que o hedonismo e os chiliques fúteis e fabricados em linhas de produção fordistas de ideologias.

Acreditando que pensam por si próprios, nunca serão capazes de perceber que apenas políticos ruins podem tirar proveito de frustrações forçadas ao lhes renderem um elogio falso chamando o feio de bonito, tornando-os auto-centrados e umbigóides, monotemáticos e presas fáceis de qualquer engenheiro social tentando remodelar todo o desenho do convívio humano, usando-os como desculpa e infantaria de uma “aceitação” obrigatória diante dos “preconceituosos” que ainda insistem em não achá-los lindos e inteligentíssimos.

Precisando do Estado para achá-los interessantes, já que as pessoas não os acham, aceitam qualquer desmando brutal dos governantes em troca dos únicos elogios que receberão na vida.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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