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O UOL e a Operação Abafa

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Ontem, 7 de outubro, foi o dia mais importante em toda a história do TCU: pela primeira vez desde Getúlio Vargas, o Tribunal de Contas da União rejeitou os gastos apresentados por um presidente. Se a história se repete primeiro como farsa, e depois como tragédia, urge lembrar que daquela vez a resposta da presidência foi se tornar uma ditadura desabrida.

A decisão do Tribunal foi histórica não apenas por isso. Foi uma decisão unânime: 9 juízes votaram acompanhando o relator, Augusto Nardes, na rejeição às contas apresentadas por Dilma. Os outros dois apenas seriam consultados em caso de desempate.

Unanimidade, algo raríssimo em um tribunal – e ainda mais incomum por ser uma decisão contrária aos interesses do governo.

Ontem, 7 de outubro, o site UOL noticiou o fato de uma maneira, digamos, heterodoxa. No Twitter, afirmou:

Maioria? Se 9 votam e destes 9, os 9 votam a favor, isto não é uma maioria. 9 não é “maioria” de 9. A manchete não parecia muito interessada em noticiar o fato, parecendo estranhamente querer limpar a barra de Dilma Rousseff.

A decisão também foi história pelos montantes. As “pedaladas fiscais” são formas de o governo encobrir sua prestação de contas, fingindo que a economia vai bem, quando na verdade gastou mais do que deveria. Os números não dizem respeito a alguns milhões não contabilizados de alguma obra, de algum empréstimo ainda não pago, de algum programa social que saiu mais caro do que o esperado.

Nardes apontou que, apenas em 2014, as irregularidades elevam-se a R$ 106 bilhões (R$ 40 bilhões só das pedaladas). Em termos comparativos, há 4 bilhões de anos a atmosfera da Terra nem sequer possuía oxigênio – a fotossíntese começou a ser praticada há cerca de 3,5 bilhões de anos.

Ainda é pouco? O déficit atuarial (“a soma do descompasso entre receitas e despesas de um regime previdenciário”, como explicou o Spotniks) atingiu o estarrecedor patamar de R$ 2,3 trilhões. Quase a metade do PIB do país em 2012.

Suficiente para, na melhor das hipóteses e abusando-se da ignorância do público, ao menos levantar os sobrolhos em sinal de suspicácia? Bem, estas contas não significam apenas gastos que o governo não declarou – e cujo pagamento será tomado do trabalho de cada brasileiro.

Confirmadas as suspeitas, significam que o PT de Dilma Rousseff se elegeu de maneira clandestina, usando-se do aparato de mando do Estado para tomar dinheiro do brasileiro e usá-lo para afirmar que tudo estava bem em 2014 – e a crise revela claramente que nada está bem em 2015.

Hoje, 8 de outubro, não parecem ser estes desesperantes números que chamam a atenção do UOL, nem alguma intenção de seu jornalismo de informar a população sobre o que significa esta linguagem jurídica e essa contagem de auditoria.

Hoje, 8 de outubro, o site ostentava em sua capa o curioso esquematismo de notícias:

capa uol

Ainda que Eduardo Cunha seja alguém em quem praticamente ninguém confia, para o UOL a descoberta de contas suas na Suíça (que, por si, não provam nada, mas para um parlamentar exigem certas explicações) parece mais importante do que o dia mais histórico da existência do TCU. “Mais importante”? A bem da verdade, parece que o dia de ontem nem existiu.

Ah, e claro, a manchete: “Falta água em São Paulo”, porque as queixas aumentaram 42%. Não é bem uma prova de que “falte água em São Paulo”, após o mês em que mais choveu nos reservatórios em anos.

Porém, é claro que a realidade pode ainda piorar. Como bem notou Alexandre Borges, não houve uma única chamada para notícia ou artigo a respeito do TCU, mas logo começaram a aparecer, com grande destaque, as declarações amenizadoras de Dilma, como sua afirmação “Não posso pagar pelo que não fiz” (in fact, pode: há crimes de execução e de omissão – não que alguém leve muito a sério os lapsūs linguae de Dilma Rousseff).

capa UOL

https://www.facebook.com/AlexandreBorrges/photos/a.542916875766128.1073741828.542868939104255/954997977891347/

Além disso, nada sobre o fato em si do TCU. Ah, espere: falando em não poder pagar pelo que não fez, dessa vez não foi apenas omissão. Há, sim, algo sobre o TCU no UOL: uma crítica de “colegas” sobre Nardes. E sobre o que não apenas Nardes, mas todos os juízes e todos os auditores da equipe técnica do TCU fizeram? Nada. Apenas uma visão negativa contra o relator, tentando denegrir todo o processo e todos os envolvidos. Como se corruptos fossem eles.

Exatamente o que fez Mônica Bergamo, aliás. O Antagonista apontou com a precisão cirúrgica habitual que a comentarista tentou tornar Nardes corrupto, e o PT, vítima de um “golpe”, a palavra preferida dos petistas no momento. Golpe, para eles, é aplicar através da lei, depois de 13 anos, o que eles tentaram aplicar sem lei e sem motivo a simplesmente todos os presidentes eleitos no país.

Vivemos na era da infowar, a guerra de narrativas. Não importa se você ganha no campo militar ou jurídico, importa mesmo é como vão contar a história nos jornais e nos livros de História. No caso, estamos numa era de netwar, de guerra em rede, com muitas micronarrativas disputando espaço apenas pelo enxame momentâneo, que logo se dissipa e desvia a atenção do público para outra coisa – às vezes, o seu oposto.

O UOL, com tais manchetes, parece mais interessado em desviar a atenção do que em informar e traduzir aos seus leitores os fatos da realidade. É assim que se tenta criar um senso comum de que o Brasil está bem, de que o PT é mesmo a vítima e nós, os algozes.

Coitado do PT. Poderia ser tão mais herói se tivesse mais do nosso dinheiro e dos nossos votos.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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