Por que a Folha é tão ruim?
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A Folha de S. Paulo é repudiada pela direita pelo montante de jornalistas favoráveis não apenas à esquerda, mas ao PT, que compõem os seus quadros. A Folha é repudiada pela esquerda por ser um jornal com notícias pontuais contrárias ao PT – diferentemente, por exemplo, de blogs como o Diário do C. do Mundo, que interpreta qualquer notícia desabonadora ao PT através da clave “é culpa do FHC” ou “com Aécio seria pior”.
Como o jornal, entupido de professores da USP entre seus jornalistas e colunistas, conseguiu perder tanta credibilidade?
A despeito de explicações mais conspiratórias, envolvendo partidos, projetos de poder e manipulação, há uma interpretação mais simples e, infelizmente, menos romântica, emocionante e chamativa para a situação desairosa da Folha.
Aprendemos com Evgeny Morozov a desconfiar do utopismo virtual, o que inclui também os planos de poder. Duas forças ainda são muito mais poderosas na humanidade: a ignorância e a incompetência.
Os jornais, anteriormente, possuíam linhas editoriais mais rígidas. Alguns assim permanecem. É possível fisgar uma média geral, algumas linhas limítrofes dentro das quais transita o pensamento de algumas redações. No lado liberal do espectro político, entre as grandes publicações, temos unicamente a Veja com uma política editorial clara, pública, honestamente exposta em seus editoriais e seguida pelo restante da revista, mesmo com pontuais divergências internas. Goste-se ou não da revista, é uma verdade sobre ela.
Na esquerda, as publicações são mais desabridas, embora sejam, via de regra, minoritárias ou mesmo minúsculas. A Carta Capital tem como linha editorial manter a crença no PT entre a esquerda: a cada escândalo, dar uma desculpa para seus leitores continuarem firmes na crença no projeto petista. Às vezes, desviando o assunto. Na semana em que os mensaleiros foram presos, e a revista ostentou em sua capa um assunto mais urgente: o risco de extinção de uma perereca, o que foi criticado até por uma personalidade contrária ao impeachment de Dilma Rousseff, o apresentador Marcelo Tas. Já a diminuta Caros Amigos pavoneia até em seu slogan sua linha editorial: “A primeira à esquerda”.
Grandes publicações como a Folha e o Globo, após a morte de seus fundadores e com a gerência sob os herdeiros, ficaram com um vácuo de idéias mestres.
Hoje, o principal é ter pessoas famosas, ou com algum apelo passado, ou nomes conhecidos entre os escrevedores de artigos e colunas de jornal, ou mesmo qualquer celebridade, muitas vezes de efeito periódico, em seus quadros. Seria como na década de 90 ter Thunderbird, Mara Maravilha e Paulo Coelho ladeados a Ivan Lessa e Paulo Francis. Mais ou menos como hoje a Folha tem colunas de Gregório Duvivier, Mônica Bergamo e Jânio de Freitas ombreados a João Pereira Coutinho e Reinaldo Azevedo.
Ter um núcleo de idéias não é uma tirania autoritária dos chefes de redação. Pelo contrário: é uma identidade do jornal, até mesmo uma marca de honestidade com o público (goste-se ou não de Veja ou de Carta Capital, ninguém pode acusar nenhuma das revistas de enganar seus leitores, fingindo defender uma coisa para vender outra).
Tanto jornalistas quanto o público se adequam às publicações. É o que acontece em todo lugar no mundo com uma imprensa livre, em que jornais e revistas com pensamentos mestres divergentes convivem pacificamente em uma banca de jornal.
Já em jornais como a Folha esta âncora foi perdida. Se antes a força de uma Folha de S. Paulo residia na defesa de suas idéias, na argumentação de seus colunistas, nas notícias divulgadas e na busca da formação de opinião através de um todo coerente, hoje sua busca é por pessoas que já sejam chamativas na mídia por representarem algo, escanteando o raciocínio para outra parte do jornal. Basta já ser uma defesa pronta de uma ideologia, como é o caso de Safatle ou Duvivier, e estão prontos o colunista e a coluna.
Em suma, antes a Folha era capaz de determinar tendências do país. Algo quase obrigatório para a sobrevivência de um jornal em fins de ditadura – ser a resistência, antever o futuro, criá-lo, prepará-lo. Ser como Prometeu, que vê antes. Ser a Cassandra, que os que só enxergam o presente tratam como louca.
Hoje, a Folha segue tendências. Ao invés de olhar para o futuro, prende-se à modinha do presente. Se o futuro é uma âncora, o presente eterno é sempre uma corrente em mar aberto, nunca nos levando a lugar nenhum.
Para seguir tendências, praticamente conta quantos jornalistas e colunistas vai ter de cada lado. Se a popularidade de Lula bateu o recorde mundial em 2010, atingindo a marca de 87%, bastava ter algo como 87% de jornalistas lulistas de estrelinha vermelha no peito para ser um jornal “representante” do país naquele tempo – e pouco conseguir “corrigir” logo depois.
Colocados no fundo da gaveta os futuros colunistas de direita como João Pereira Coutinho, Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé (e hoje, Kim Kataguiri), dando algum espaço para algumas personalidades mais neutras, como Hélio Schwartsman, Demétrio Magnoli e Carlos Heitor Cony, o resto da redação é entupido não apenas de esquerdistas, mas de petistas puro-sangue, que nunca falarão um A contra o PT mesmo em caso de assassinato (como os de Celso Daniel e Toninho do PT).
Basta ver seu time de colunistas, majoritariamente petista, de professores da USP, “cientistas sociais”, celebridades do showbizz e mesmo os novos membros do palpitariado da internet, os famosos por serem famosos.
André Singer, Clóvis Rossi, Delfim Neto, Dráuzio Varela, Elio Gaspari, Gregório Duvivier, Guilherme Boulos, Guilherme Wisnik, Jânio de Freitas, José Simão, Juca Kfouri, Laura Carvalho, Luís Francisco Carvalho Filho, Luli Radfahrer, Marcelo Freixo, Mario Sérgio Conti, Marta Suplicy, Mônica Bergamo, Paul Krugman, Raquel Rolnik, Vladimir Safatle, apenas para ficar em seus nomes mais óbvios. Tudo isso para umas quatro colunas críticas à esquerda por semana.
Tente-se imaginar uma verdadeira balança equilibrada no jornal, com economistas liberais como Hélio Beltrão como contraponto ao economista da ditadura adorado pelos petistas e colunista da Carta Capital Delfim Neto, com policiais em contrapeso ao ricaço invasor de terras Guilherme Boulos, com humoristas politicamente incorretos como Danilo Gentili frente ao humor a favor pasteurizado e corretinho de Duvivier e Simão, com um político do lado oposto do espectro da extrema-esquerda socialista de Freixo (por exemplo, Jair Bolsonaro, que não é 5% extremista do que Freixo é), com algum filósofo conservador que não defenda a violência como Safatle, como o antigo colunista da Folha Olavo de Carvalho.
É quase como imaginar a Folha do avesso.
A tentativa da Folha é emular o presente. Como o presente é inquieto e indócil, quem está no presente nunca se sente representado, buscando algo que olhe para o futuro. Até quem segue modas, como aqueles que compram a doutrina do MEC e o discurso moderninho progressista, querem se sentir críticos e não-conformistas.
A esquerda, que quer ainda uma dominação completa (odeia a resistência ao estatismo dos “coxinhas” e da “classe média”), critica o jornal por não ser igual a uma Carta Capital, um Tijolaço, um Blog da Socialista Morena, um Conversa Afiada, um Brasil 247.
Todos sentem que, se pode haver uma única crítica ao PT e a esquerda nas várias páginas da Folha, o jornal já é direitista, golpista, reacionário. Não serve aos propósitos do controle esquerdista.
A direita se sente mal representada, tendo apenas umas pontuais notícias críticas ao PT (perdidas entre notícias suspeitíssimas, modelo “80% aprovam ciclovias em São Paulo; sobe aprovação a Haddad”, ou “Ato anti-Dilma divide espaço com encontro de marombeiros em SP”) e uma coluna ou outra, dentre todas as páginas do jornal, 4 vezes por semana.
Confiar no presente é perigoso, pois o presente muda rapidamente. Basta-se pensar na onipotente popularidade de Lula antes de seu projeto polític0-econômico cobrar a farra de gastos com juros com a popularidade de Dilma de um único dígito, hoje.
Abdicar de defender idéias, preferindo tentar reproduzir a modinha do momento, é o que torna a Folha tão indesejável e fraca. Com o fito de representar a todos, ou a maioria, acaba desagradando a gregos e troianos. Almejando a pluralidade, consegue a unidade de descrédito. Para infelicidade dos bons jornalistas que trabalham no diário.
Tentando imitar o presente, consegue se tornar ultrapassada todo santo dia.
Para saber mais:
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