A crise se chama “Estado de Bem-Estar Social”
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Estado de Bem-Estar Social. De todo o vocabulário político, esta expressão parece a mais inatacável. Um Estado feito para garantir o bem-estar social das pessoas.
Aos ouvidos pouco estudiosos (e quantos por cento das pessoas dando palpites na internet estudaram a fundo pensadores que lidaram com todas as conseqüências imprevistas do tema, de Böhm-Bawerk a David Harsanyi?), nada melhor do que um Estado que dê coisas a quem precisa, tornando a auto-declaração de necessidade a única etapa entre o querer e o poder.
De fato, crê-se que apenas num Estado de Bem-Estar Social podemos, naturalmente, ter bem-estar social.
Esta típica confusão de quem conhece pouco os meandros da lingüística, da diferença entre nome e coisa, entre nome fantasia e razão social, entre propaganda e produto, entre descrição e realidade, é exatamente o que joga o Brasil em crise. Tenta-se extrair o significado das palavras de seu próprio significante. Tente aplicar a técnica ao pagodeiro Belo e entenderá rapidamente o problema. Pode fazer agora com “Estado de Bem-Estar Social”.
Nesta semana, a Folha de S. Paulo estampou a manchete “Economistas não previram desastre de 2015”. É costume usar a manipulação jornalística ao se falar de um “especialista”, geralmente alguém com uma agenda idêntica ao que o jornal quer vender como verdade, mesmo ignorando-se qualquer “especialidade” do sujeito além de sua militância ou concordância. Mas no plural o caldo engrossa: “economistas” dá a entender que se falou de todos os economistas da Via Láctea. Na verdade, trata-se apenas dos especialistas que fazem os jornalistas da Folha acreditarem no que acreditam.
Economistas, vários deles, sabiam do desastre há muito. E por várias frentes: fosse o intervencionismo do governo na economia, fosse o rombo do BNDES (provavelmente muito maior até do que o petrolão), fosse o câmbio apreciado (o “veneno lento”, que jogaria a conta para depois do governo Lula, como afirmou a última edição da revista Primeira Leitura, ainda em 2006), fosse o modelo falido de Estado Leviatã associado ao aparelhamento e ao sindicalismo, fosse até mesmo a corrupção – sempre secando as fontes nacionais, mas atingindo cifras nas dezenas de bilhões por escândalo na era petista (vide o TCU, enquanto alguns propagandeadores insistem que Dilma não tem nada “comprovado” contra ela).
Ora, qualquer liberal sabe qual é a intenção de um social-democrata: que o Estado “dê” (dinheiro ou algo) a quem não possui. É a velha cantilena de Maynard Keynes, que resgatou o termo “social-democracia” do ostracismo da Revolução Russa, garantindo à esquerda uma sobrevida no mundo livre, e hoje muito alardeada na Academia pela visão de pensadores como John Rawls (sem nunca ler a resposta devastadora que lhe aplicou Robert Nozick) ou, mais atualmente, Thomas Piketty.
A própria idéia do liberalismo é esta: saber que o Estado “provendo” coisas (como as inúmeras “Bolsas” brasileiras) vai gerar uma crise. É muito fácil desejar que o governo nos “dê” algo: um sub-salário, um carro, uma casa, uma faculdade. Melhor ainda quando o mote é algo abstrato e tratado como o Bem Absoluto na abstração, como corrigir a “desigualdade social”.
O problema, que demora um pouco a se tornar claro, é notar, por exemplo, que custear a educação, a saúde, a faculdade e o “bem-estar” de todos significa retirar a responsabilidade dos pais sobre os filhos: todos se tornam obrigados a pagar por uma vida cara aos filhos dos outros, e estes “outros” podem (e vão) perceber que só precisam “reivindicar” (ou “empoderar” ou qualquer palavra da moda) que os outros paguem por tudo para eles. Logo, haverá muitos tendo muitos filhos e exigindo que quem preferiu não ter filhos para ter um padrão de vida melhor desça seu padrão para pagar pelos filhos que não teve. And so on. E este é apenas um exemplo dos inúmeros possíveis do que acontece com o “Estado de Bem-Estar Social”.
Isto, por si, já é um problema crucial da social-democracia. A revista Época, na edição de 21 de agosto deste ano (com capa dupla, mostrando a advogada liberal Michelle Sopper e o estudante de esquerda Matheus Hector Garcia em cada), apesar de se focar no aspecto do liberalismo econômico, lembrou bem que a Constituição de 88, garatujada no clamor do fim da ditadura, garantiu que nossa Carta Magna fosse um país social-democrata por definição: é a Constituição por si que garante que o Estado tem a obrigação de dar saúde, educação, transporte (inclui viagens a NY?) etc a seus cidadãos.
Ou seja, somos um país de esquerda por imposição constitucional. O que chamam erroneamente de “direita” no Brasil, até pouco antes do nascente movimento liberal/conservador, era apenas uma social-democracia dissociada de sindicalismo, como o PSDB. O chamado “neoliberalismo”, fantasia tão pontual quanto a Fanta Maçã Verde.
Curiosamente, temos todos os problemas de todos os países do chamado Estado de Bem-Estar Social (ou Welfare State, ou Estado-providência, ou Estado social, ou o que os americanos definem bem como Estado-Babá ou Big Government). Basta ver o Ìndice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, que analisa a liberdade econômica de um país (conceito quase desconhecido no Brasil: quanto mais economicamente livre, mais liberal; quanto mais “Bem-Estar Social” ou intervencionista, chegando ao socialismo, menos economicamente livre é).
O Brasil, em 2015, ocupa a 118.ª posição (em queda do ano anterior), acompanhado de potências mundiais como Butão (!), Honduras e Belize nas posições à frente e Mali, Nigéria e Paquistão logo atrás. É o modelo de política econômica destes países que é ombreado ao nosso. É isto o que nossa Constituição e nossos políticos e seu medo de palavras como “privatização”, “mercado”, “livre comércio” ou “concorrência” nos garantem.
Os países mais liberais do mundo, pelo que aprendemos em nossas escolas e faculdades (também unificadas pelo monopólio do MEC, outro órgão governamental), deveriam ser países miseráveis, já que o comércio livre do mercado empobrece a todos, correto? Vejamos a lista dos 10 primeiros: Hong Kong, Singapura, Nova Zelândia, Austrália, Suíça, Canadá, Chile, Estônia, Irlanda e Maurícia. Algum deles é pobre? Os pobres destes países estão precisando de Bolsa Família, ou só são “pobres” comparados aos bilionários que eles comportam? É melhor ser pobre na Suíça ou “classe média alta” na Venezuela? Que tal comparar o nível de vida dos pobres em Hong Kong com a classe média de sua grande vizinha cheia de causas sociais, a China?
Resta à esquerda, sempre, escorar-se na litania da Escandinávia, os 5 países (Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Islândia) famosos por seu Welfare State ou, por que não dizer, por ser o único Estado de Bem-Estar Social que teria dado certo.
O curioso é descobrir onde tais países se encaixam no Índice de Liberdade Econômica: Dinamarca em 11.º (à frente dos dois sinônimos naturais de capitalismo selvagem, a América e o Reino Unido), Finlândia em 19.º (à frente do Japão e encostada no paraíso fiscal supremo do Bahrein), Suécia em 23.º (atrás de outro paraíso fiscal, Luxemburgo) e Islândia e Noruega em 26.º e 27.º (logo atrás do paraíso fiscal dos Emirados Árabes e à frente de outros bastiões de liberalismo ortodoxo, como Coréia do Sul, Áustria e Israel, e à frente do paraíso fiscal do Qatar).
Na prática, como se vê, os únicos Estados de Bem-Estar que “funcionam” são, economicamente, indissociáveis de paraísos fiscais, o cúmulo do capitalismo selvagem. Seu welfare diz respeito a questões políticas, como casamento gay ou a política educacional – abrir uma empresa na Dinamarca não demora 5 dias, enquanto no Brasil a fila dificilmente está abaixo de dois meses.
As causas sociais seculares, o forte da Escandinávia, são o que mantêm a esquerda possuindo algum apelo, mesmo após o fracasso econômico retumbante (e exatamente o que confunde a direita, que não é tão versada em comunicação como ela).
Mas é sempre engraçado lembrar da década de 90, quando a esquerda bradava contra as privatizações neoliberais de FHC, sendo a do sistema Telebras a mais famosa, tentando garantir que o Estado provedor é o que torna os países nórdicos ricos. Esqueceram-se (e até hoje ninguém os avisou) de que as privatizações serviram para que usássemos, na época, celulares Nokia (finlandesa) e Ericsson (sueca)…
Dizer que “ninguém previu” o que aconteceria em 2015 é apenas prova da falência de referências no jornalismo brasileiro – e, por conseguinte, no imaginário coletivo e no discurso pronto que toda a esquerda, que lê muito em média, mas não os contrapontos às suas crenças.
Na verdade, não é que economistas opostos ao modelo petista – sobretudo a nova avalanche liberal no Brasil, talvez excluindo boa parte dos “neoliberais” do modelo de Estado Social tucano dissociado de sindicalismo – sabiam da crise: sua própria tese fundamental é a de que o modelo petista entraria em crise.
Afinal, de boas intenções o inferno está cheio – o problema é entender o que acontece após um ano – ou vários – de políticas de “distribuição”, já que o capitalismo é um sistema de produção, enquanto o Estado Social, que só tem capitalismo no nome, é um sistema de distribuição. A produção, naturalmente, acaba mais rápido quanto mais é desestimulada, e logo há pouco a distribuir.
Quem não conhece a frase de Margaret Thatcher, o socialismo dura até acabar com o dinheiro dos outros? É o que nosso esquerdismo instituído constitucionalmente nos lega – e nos deixando na mesma pobreza econômica, cultural, política e educacional de outros modelos de Estado gigante. Acabou o dinheiro, veio a crise.
Aliás, como não se lembrar de toda a esquerda do país tentando criticar Diogo Mainardi (por anos nosso maior liberal) por perguntar a Luiza Trajano, a dona do Magazine Luiza (e na lista dos 60 mais poderosos do país) quando ela iria ser comprada pela Amazon?
Luiza respondeu que a economia na verdade ia muito bem. Blogs de esquerda estamparam manchetes como “Diogo Mainardi paga mico na Globo News”. O Estadão afiançou que ela “cumpriu a promessa” e enviou a Mainardi e-mail com dados sobre inadimplência.
Mas nesta mesma semana… Luiza anunciou que pode fechar o capital da empresa, pela queda de R$ 137 no preço da ação em junho de 2011 (logo após receber polpuda verba do BNDES em programas e bolsas de welfare em que vendia com desconto para os beneficiários dos outros programas sociais do governo – ou seja, com o nosso dinheiro) para míseros R$ 8,16 hoje, conforme escreveu Alexandre Borges em sua página.
Não chega a ser um pouco esquizofrênico que os mesmos jornais coloquem todas estas notícias juntas sem formar um todo coerente? E que os próprios jornalistas sejam incapazes de ligar os pontos?
E onde estão os jornais agora fazendo o mea culpa e admitindo que Diogo Mainardi estava certo, como Peter Schiff também estava certo ao previr a crise de 2008, enquanto seus debatedores sociais-democratas endossavam empresas protegidas pelo governo, como Fannie Mae, Freddie Mac, Merrill Lynch, HBOS, Goldman Sachs e Morgan Stanley ou o mercado imobiliário e bancário? Como Schiff sabia, e seus debatedores não? Simples: Schiff é um liberal da Escola Austríaca, seus debatedores eram os Pikettys ou Krugmans de pré-2008, acreditando em empresas semi-estatais, economia dirigida e no Estado de Bem-Estar.
Qualquer liberal não tinha outro discurso sem ser o de que o Estado de Bem-Estar iria falir, e agora afirmam que “ninguém previu”. Grandes think tanks, institutos e organizações criadas nos últimos anos, como Instituto Liberal e Instituto Mises Brasil divulgam diariamente pensadores que não param de explicar em detalhes a crise.
Ao invés de se escorar nos “economistas [que] não previram o desastre de 2015” e toda a hegemonia de pensamento único embebida em MEC e palpiteiros de colunas de jornal que apenas lêem propaganda do governo e defesas emocionais da social-democracia (concluindo que alguém só pode ser contra ela por ser da “elite loira de olhos azuis” que não quer dividir o aeroporto com os pobres, que estão viajando tood dia para Miami e usando o mesmo perfume de 200 dólares da madame), talvez seja o último aviso para os brasileiros conhecerem o liberalismo, e não os vitupérios ditos sobre essa palavra de quem o desconhece de todo.
Sem medo de enfrentar professores, sem medo de palavras que evocam sentimentos trabalhados por quem não sabe nem o nome dos principais liberais da história e da atualidade, sem medo de questionar o establishment e as boas intenções com causas “sociais” e outras abstrações, mas que só nos atravancam na prática e na comparação – quando se busca fatos e resultados, e não sentimentalismo e bom-mocismo discursante.
Sejam obras como Ética da Redistribuição, de Bertrand de Jouvenel, ou Intervencionismo – Uma Análise Econômica, de Ludwig von Mises, o brasileiro deve fugir da propaganda estatal travestida de jornalismo ou estudo acadêmico, pensar com a própria cabeça e entender finalmente como deixar de ser um Butão mais rico e com influências de países liberais para finalmente se tornar algo como uma Suíça ou Austrália – ou mesmo uma Dinamarca ou Noruega.
Do contrário, resta ficar apatetado diante da palpitaria e da metralhadora de desculpas da Folha de S. Paulo, eternamente garantindo que a verdadeira social-democracia ainda está por vir.
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