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Leonardo diCaprio e a paralaxe cognitiva

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leodicaprio bear

No discurso de recebimento do Oscar, Leonardo diCaprio começou muito bem, agradecendo ao diretor (o polêmico e algumas vezes genial Alejandro González Iñárritu, que faz qualquer um ir ao Google com mais necessidade do que Arnold Schwarzenegger) e a toda a equipe.

Mas logo começou a fazer o que é de bom tom no Oscar: política. O Oscar é política. Aliás, praticamente só política: o cabra mais aplaudido de pé da noite, antes mesmo de chegar ao microfone, tão logo tenha fincado adentrado o palco, foi o vice-presidente Joe Biden, que não conseguia nem mesmo fazer o seu discurso de tantos aplausos. Ennio Morricone, ganhando seu primeiro Oscar aos 87 anos após 500 trilhas sonoras memoráveis de filmes (e um Oscar honorário), não chegou nem perto no nível de ovações.

Filmes precisam ser razoavelmente bons para estarem no Oscar, mas hoje é a política que manda. Basta ver como, sem cota, quase sempre há um filme sobre alguma causa comum ao pensamento do mainstream cultural e político, quase sempre mesclados: histórias de minorias (causa gay, racismo e personagens femininas superiores) ou “denúncias” miradas no coração do republicanismo (como a Guerra do Iraque ou as armas de Michael Moore).

leonardo-dicaprio-Basketball-Diaries-Jim-CarrollA narrativa de superação individual, comum aos roteiros ocidentais desde pelo menos a Odisséia, que tanto gerou Oscar’s no passado, precisa ser cada vez mais espremida entre alguma causa política, com menos espaço para a vitória sobre doenças ou ambientes hostis. Roteiristas sabem isso – estudando de obras como A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, ou Screenplay: The Foundations of Screenwriting, de Syd Field.

A política preferida de Leonardo diCaprio, hoje, é a questão do aquecimento global, hoje eufemizado para “mudanças climáticas” graças às falhas em tentar provar o primeiro (um caráter aleatório, portanto, pode ser sempre atribuído ao homem, mesmo em caso de resfriamentos).

A política exigida para se combater as mudanças climáticas é sempre (e misteriosamente) o imposto que transfira mais dinheiro para os Estados. Pascal Bernardin, em O Império Ecológico, já demonstrara como a ONU transferiu a antiga cor do comunismo de vermelho para o verde.

A questão do aquecimento global seria muito mais facilmente resolvida no mundo inteiro com uma mudança de termos no meio da expressão. O aquecimento global já foi provado falso. O aquecimento local é mais verdadeiro do que qualquer coisa e simplesmente ninguém o negaria. São Paulo era a Terra da Garoa até o começo da década de 80. Hoje, em menos de 30 anos, é tão quente quanto era o Rio de Janeiro daquela época durante umas 3 estações do ano. Todos sabem que graças à poluição, concreto, edifícios espelhados etc. Pronto, problema resolvido. A diferença que Roger Scruton aponta entre ecologia (o bom uso do ambiente) e ambientalismo, a ideologia de destruição da civilização com políticas estatais e de propaganda “verde”.

Já “mudanças climáticas” é uma política que gera frutos fáceis a diCaprio. Após filmar o excelente Diamantes de Sangue, Leonardo diCaprio esperava obter uma chuva de encômios do líder humanitário mundial Nelson Mandela. Pelo contrário, Mandela entrou num “misterioso” conflito após uma foto com diCaprio, dizendo que era sua propriedade – ou seja, que não queria veicular sua própria imagem à de diCaprio.

Nelson-Mandela-Leonardo-DiCaprioO motivo real é fácil de ser entendido por quem conhece a história da África do Sul, do apartheid e de Nelson Mandela: ele subiu ao poder justamente com ajuda dos traficantes de diamantes da África do Sul, o que nunca o deixou confortável com os boicotes aos diamantes promovidos no Ocidente. Não parece que Mandela tenha gostado muito do filme de diCaprio ao vê-lo pronto.

Se é difícil encontrar alguém a fim de responder por que o filme africano de diCaprio é melhor do que as camadas de mistificação ao redor de Nelson Mandela, denunciar o aquecimento global lhe rende uma explosão de aplausos maior do que a que teve por sua atuação.

O comediante Toby Muresianu fisgou l’esprit du temps e definiu a noite do Oscar como “três horas de pessoas me dizendo para comer vegetais”. Exatamente o caso: uma festa de beautiful people (geralmente, as mais beautiful de todas as people) nos dando lições de moral mais chatas do que recomendações nutricionais da vovó – ou de médico para diabéticos.

Já havia o erro da música de Lady Gaga “Till It Happens To You”, falando sobre estupros em campus universitários com uma estatística insana – o documentário Hunting Ground da música afirma que “uma em cada cinco mulheres será estuprada até terminar a faculdade”, quando estatísticas detalhadas mostram que a estatística do filme é mentirosa, e que dados apurados indicam que 6.1 mulheres a cada mil sofrerão esta terrível atrocidade. Mas eis que Leonardo diCaprio aparece coroando o bolo cerejosamente dizendo que “mudanças climáticas são reais, e estão acontecendo neste exato momento”, sob um estouro da manada de aplausos.

leonardo-dicaprio-oscar-discursoBrendan O’Neill, hoje facilmente um dos 5 melhores jornalistas do mundo, lembrou, na Spectator, da “polêmica fácil” que foi o seu discurso: acreditar em aquecimento global hoje é o mesmo que acreditar em Deus no século XIV: faça-o ou você está ferrado. É até curioso ver uma crença tão modista e universalmente comungada ser tratada como algo tão chocante. Difícil seria subir ao palco e dizer: “Meh, não estou lá muito convencido dessa pandorga de mudança climática” – já podemos até imaginar diCaprio sendo expulso do clube das pessoas indicadas ao Oscar mais rapidamente do que conseguimos pronunciar “Joseph McCarthy”.

Mas o curioso é justamente o momentum, ou, como diriam os gregos antigos, o kairós, aquele tempo exato que temos para fazer algo, que pode gerar conseqüências desastrosas se feito pouco antes ou depois, como o tiro de um sniper ou pedir a mocinha em namoro.

Por que Leo diCaprio inventou de fazer tal discurso exatamente quando o filme que fez mostra que a Mãe Natureza é mais irascível e inclemente do que a Receita Federal? Escreve O’Neill:

Não devemos “tratar este planeta como garantido”, decretou DiCaprio. Amigo, o prêmio é para um filme em que um urso quase te mata, o frio quase te consome, e você tem que dormir dentro de um cavalo só para se manter aquecido. Se você tivesse alguma noção o seu discurso teria sido: “A natureza é uma vadia. É sério. Quanto mais a humanidade puder dominá-la, melhor. Industrializem tudo.”

Nenhum papo sobre aquecimento global estava no script deste ano (focado na questão nenhum-negro-foi-indicado-ao-Oscar-este-ano-portanto-Hollywood-é-racista-e-deve-ter-cotas-e-votemos-no-Bernie-Sanders-porque-somos-os-ricaços-mais-coitadinhos-do-mundo-ou-os-coitadinhos-mais-ricaços-do-mundo-vocês-que-sabem), como foi quando Al Gore, sem fazer nada além de mentir, conseguiu a façanha de ser o único ser humano do planeta a ganhar um Oscar e um Nobel da Paz no mesmo ano por perder uma eleição e choramingar.

algore manbearpigPor que então escolher falar de “aquecimento global” do nada, com um discurso tirado da cartola, quando faria mais sentido continuar com o tripé racismo-machismo-homofobia ao qual foram reduzidas todas as nossas questões existenciais e metafísicas pelo progressismo? Já havia tido o boicote ao #OscarSoWhite, já tinha Lady Gaga e o compositor gay falando que gays são coitadinhos ao ganhar um prêmio por ser um gay rico (e não por ser melhor do que seus coleguinhas), era só continuar no script.

Mas por que falar disso logo ao ganhar o Oscar por um filme em que a civilização é saudada (ainda que seus próprios roteiristas, diretores e atores não percebam) como o abrigo supremo contra não só os bárbaros da cultura de sacrifício, mas contra a própria Natureza intempestiva? Por que logo um filme passado no coração do inverno, em que o frio é algo a ser vencido e significando tão somente a luta vã em direção à morte?

Isto é o que o filósofo Olavo de Carvalho chama de paralaxe cognitiva, a saber, “o deslocamento, na obra de um pensador, entre o eixo da especulação teórica e o da experiência concreta que ele tem da realidade”.

leonardo dicaprio revenantEm termos mais fáceis, quando a própria experiência do sujeito vai contra o que ele afirma – como dizer que nem Deus afunda o Titanic enquanto se agarra à popa, ou como afirmar que o aquecimento global e as “mudanças climáticas” são a maior ameaça à nossa espécie, quando o Estado Islâmico ameaça transformar a humanidade em um monte de carniceiros pedófilos, genocidas e tarados estupradores e ninguém precisa abjurar a sua existência ganhando aplausos pela conclusão. E após fazer um filme em que o Inverno é o grande inimigo e temos aquela saudade sertaneja de um bom sofá do Starbucks™.

diCaprio poderia tirar de sua experiência – e de sua arte incontestável – conclusões mais atinadas com “o eixo de sua especulação teórica”, nos termos filosóficos de Olavo de Carvalho.

Caçadores, por exemplo, estão na fronteira entre a civilização e a natureza selvagem (vide livros como Tuareg, de Alberto Vázquez-Figueroa, ou Na Natureza Selvagem, de Jon Krakauer), justamente por terem um código de proteção e agressão que quase os integra ao ambiente inóspito: caçadores costumam evitar matar filhotes (quem os mata são justamente os próprios animais adultos), não matam fêmeas etc. São a primeira camada de civilização ainda nos contornos mal definidos entre o mundo da selva e o mundo ordenado.

Um ursinho de pelúcia, em inglês, é chamado de Teddy Bear, justamente em homenagem ao presidente americano caçador de ursos, Theodore Roosevelt, um dos presidentes mais admirados e geniais da América, e talvez o único a ser genial também fora da política. Justamente a caça de animais é que mantém o equilíbrio populacional – o que povos com nenhuma cultura de caça como o brasileiro passam a vida sem entender. Olavo de Carvalho, por sinal, também é caçador de ursos.

leonardo-dicaprio-the-revenantPor que não tentar compreender como de onde surgem as idéias e os comportamentos, para se compreender por que a civilização deve ser tão defendida – ainda mais após um filme (realização extrema da civilização!) sobre o ataque furioso da natureza e do mundo desordenado? Basta assistir a um episódio de Largados e Pelados ou Desafio Alasca para sair de perto da TV e abraçar a geladeira apaixonadamente, cobrindo-a de beijos.

Não é só o jatinho particular usado 5 vezes por semana por Leonardo diCaprio enquanto ele clama pela reversão de “mudanças climáticas antropogênicas” (sempre através do Estado e do controle econômico, claro) que anula o que ele afirma. O seu próprio terno, o seu próprio lugar na civilização, a sua própria inabilidade para disputar alimento com ursos de 4 metros de altura, a sua própria preocupação em salvar a Natureza de seus rebentos, o seu próprio asseamento e a sua própria vontade de punir financeiramente pessoas por consumirem muito menos combustível fóssil em um ano do que ele próprio consome em uma semana mostram a paralaxe cognitiva: sua própria experiência contradiz sua teoria sobre sua experiência.

Ou seu “lugar de fala”, como o progressismo e a era da ideologia falam hoje de maneira pedantemente brega (ou bregamente pedante).

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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