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Vamos admitir quem é culpado pelo bloqueio do WhatsApp?

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psol marco civil

O apresentador de TV Marcelo Tas reagiu indignado ao “juizinho” da cidade de Lagarto, no interior de Sergipe, que decidiu tirar o WhatsApp do ar no país inteiro por 72 horas (decisão obviamente contestada 25 horas depois). O “juizinho” é um juiz como qualquer outro “juizinho” deste país – nem se sabe se é natural de Lagarto ou outro canto.

A decisão do tal “juizinho” foi calcada no Marco Civil da Internet, nos arts. 11, 12, 13 e 15, caput, parágrafo 4º, da Lei do Marco Civil da Internet e é relacionada aos autos do Processo nº 201655000183, que tramita em segredo de Justiça, conforme informa o think tank ILISP.

O Marco Civil da Internet é uma forma de buscar uma “Constituição” para a internet, na crença de que é preciso inventar mais leis para algo funcionar. No dia 22 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet foi aprovado, com a banca do PSOL na Câmara comemorando com sinal de vitória (ver foto acima) e a grita de movimentos sociais em favor de uma das primeiras experiências de uma “regulação” da internet no mundo, como comemorado pela revista petista Carta Capital.

Intelectuais como Pierre Lévy vieram a público defender o Marco Civil no Brasil. Pierre Lévy faz parte do que Evgeny Morozov chama, em seu imprescindível livro The Net Delusion: How not to liberate the world, de cyberutópicos, aqueles que comungam da crença de que basta haver internet para se “democratizar” países pouco livres (a um só tempo, desconhecendo a realidade de países como a Rússia e também pregando o modelo russo de controle da internet ao Brasil, que é justamente o controle da internet por políticos).

marceo-tas-MarcoCivilOutro garoto propaganda cyberutópico que ajudou a implementar o Marco Civil, numa campanha observada por entidades internacionais pregando a implementação de um controle mundial da internet a partir de tubos de ensaio como o Brasil, foi o próprio Marcelo Tas.

Ou seja: sem o apoio de Marcelo Tas, os “juizinhos” do país não poderiam bloquear o WhatsApp baseando-se no que quer que fosse. Enquanto a republicana Constituição americana se basta apenas afirmando que o governo não tem o direito de restringir a liberdade de expressão e imprensa sem nenhuma desculpa, utópicos e cyberutópicos modelo Fora do Eixo no Brasil inteiro envidam seus maiores esforços para inventar motivos para o governo censurar a comunicação entre pessoas. Até mesmo citando coisas como a “desobediência civil” de Thoureau, que é justamente escapar das garras do governo, e não lhe dar ainda mais poder de controle.

De acordo com estes cyberutópicos, uma internet em que as pessoas simplesmente ajam livremente, observando as leis de seu país, é um terreno em que “a privacidade” está ameaçada, precisando então ser uma internet controlada por políticos.

Não se sabe até hoje o que o Marco Civil fez para “proteger” alguém na internet, pelas pessoas. Entretanto, pode-se citar já umas boas censuras feitas graças ao Marco Civil. Essas pessoas e seus discursos querendo nos ensinar alguma coisa desaparecem misteriosamente assim que isto ocorre.

Não se sabe como políticos podem proteger algo como “a privacidade”, sendo ainda mais perigoso ter seus dados escrutinados e esbulhados por políticos do que por “corporações” (indo mais a fundo, corporações não são um monopólio, e pode-se trocar o modelo Facebook pelo modelo Twitter ou o modelo Google pelo modelo Microsoft ou pelo modelo Apple, como as três concorrem nos sistemas operacionais de celulares, por exemplo). Contudo, é esta a crença que move pessoas como Marcelo Tas, Gregório Duvivier, Pierre Lévy, Wagner Moura e a bancada do PSOL a favor do Marco Civil da Internet.

marco civil democracia simTalvez por uma mera coincidência, todas estas pessoas que queriam implantar um projeto de controle da internet por políticos são contrárias ao impeachment de Dilma e a maioria absoluta é composta por petistas ortodoxos (o único a declarar ter se arrependido de defender o Marco Civil foi Rafinha Bastos). O projeto também era de interesse do governo, à época também apelando ao bordão da “democracia”. A história se repete primeiro como farsa, depois como tragédia, depois como censura, logo depois como “não fui eu, imagine”.

gilberto gil marco cilPraticamente todos os defensores do Marco Civil eram politicamente de esquerda. Talvez por mera coincidência novamente, embora saiba-se que a esquerda tem uma crença no controle absoluto da sociedade, da economia, da imprensa, da expressão, das empresas, dos empreendimentos, dos lucros,  enquanto a direita não busca um planejamento econômico, não constrói empresas estatais, não quer leis para punir discursos que algum político considere “preconceituosos” ou “de ódio”, não quer sufocar investimentos que geram emprego (ou seja, dividem renda) com pesados impostos. Não é muito difícil imaginar para que lado vai o WhatsApp e em que lado se encontra a decisão do “juizinho” e dos defensores de algo como o Marco Civil da Internet no espectro ideológico.

Ao menos o professor Luli Radfahrer, que defendia “um marco”, sabia do risco de haver um controle modelo chinês da internet, afirmando que, se assim o fosse, seria melhor não haver marco nenhum, em um “debate” sobre o Marco Civil com o ex-BBB alçado a deputado Jean Wyllys, num dos curiosos “debates” em que as duas partes concordam.

A internet sem o Marco Civil funcionava muito bem, obrigado. Pessoas como Marco Gomes, fundador do boo-box, defenderam o Marco Civil afirmando que sem ele a internet ficaria como se segue:

marcocivil-Neutralidade

Curiosamente, o Marco Civil foi aprovado, e recentemente, justamente baseado no Marco Civil, um burocrata da Anatel afirmou que pessoas que usam a internet para jogar games consomem muita internet, e deveriam ser penalizadas, enquanto operadoras de telefonia já se preparavam para cobrar num modelo extremamente restrito conforme o tipo de dados usados (o que faria serviços como o Netflix custarem mais do que TV a cabo). Ainda não encontramos o pedido de desculpas de Marco Gomes.

rafinha bastos marco civilOu seja, de gente analfabeta do Porta dos Fundos aos estudiosos de Antonio Gramsci e “intenso processo de acumulação de forças [que] somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida” segundo o programa do PSOL (que também defende o modelo cubano de internet), houve gente interessada em, como dizer?, criar um “intenso processo de acumulação de forças [que] somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida”, para evitar que corporações como o Facebook (que controla o WhatsApp) não tivessem um “enfrentamento revolucionário”.

O efeito é curioso ao se pensar na briga entre a Apple e o FBI na América, com a primeira, a “corporação”, mantendo os dados das pessoas em sigilo, enquanto a agência do governo queria desbloquear o iPhone de um terrorista – coisa com a qual dificilmente a Apple discordaria, mas que colocaria seus clientes inocentes com o mesmo risco de serem bisbilhotados pelo governo que um terrorista.

Seria curioso ler as imperdíveis opiniões de bastiões da intelectualidade como Gregório Duvivier, Wagner Moura, Jean Wyllys, José de Abreu (o que seria da esquerda brasileira sem a Rede Globo?), Pierre Lévy e, claro, Marcelo Tas sobre como um Marco Civil da Internet na América poderia “proteger a privacidade” dos usuários médios americanos, tão ameaçados pelas “corporações” que só têm dinheiro porque as pessoas compram seus produtos e serviços livremente acreditando na proteção de sua privacidade, dando todo o poder ao governo, que deve ter interesse em “proteger a privacidade” das pessoas porque o Jean Wyllys falou.

É o que se dá quando se quer corrigir algo que funciona, como a internet, com o poder de políticos, burocratas, funcionários públicos e a raça mais perigosa do mundo, gente que só pensa em “política”. Como se fossem políticos que tivessem inventado a lâmpada, a descarga, as viagens transcontinentais, a irrigação e a produção de comida excedente à fome da população, e não justamente os seus maiores inimigos.

internet chinaO Marco Civil, a Carta Capital o sabe, é só um tubo de ensaio para algo muito maior a acontecer no mundo. Vladimir Putin, o maior interessado em controlar a internet (Evgeny Morozov e seu Net Delusion não parecem muito bem vindos no Kremlin), quer controlar o ICANN, o sistema de registro de nomes, dividindo seu controle com “ONGs”, organizações da “sociedade civil” e governos como o chinês.

Ao invés de controlada por americanos, a internet poderá ser controlada por um misto de entidades diversas, que podem muito bem fazer sumir sites de apoio a Israel, de críticas ao governo chinês ou russo ou que não se encaixem nas futuras regras de não ofender, não micro-agredir e não odiar e comer com os cotovelos em cima da mesa dos futuros Gregórios Duviviers e Marcelos Tases. Também seria engraçado imaginá-los defendendo as mesmíssimas regras usadas por Vladimir Putin para perseguir opositores como o Femen e os ativistas gays da Rússia.

É sempre, novamente por mera curiosidade, aquela turma que acredita que um grupinho de burocratas sabe melhor o que é melhor para as pessoas do que as próprias pessoas. Converse 5 minutos com elas sobre qualquer tema público (o que chamam de “político” ou “social”) e fatalmente ouvirá sobre controlar as pessoas para que elas não façam algo, em nome de alguma uniformidade controlada, sempre, por eles mesmos.

Os liberais são chamados de “crentes no deus mercado” por um dog-whistle que identifica quem compra discursos prontos. O “deus mercado”, afinal, são as próprias pessoas. Chegou a hora de chamar à responsabilidade essas pessoas que crentes no Deus Estado.

Até quando elas atrapalharão nossa vida com discursinhos que nem elas sabem de onde vieram, quase sempre faturando uma boa nota com campanhas para convencer a sociedade a se algemar, sem nunca serem responsabilizadas pela nossa prisão – e ainda gritando “pega ladrão” para qualquer “juizinho” que ouse obedecer o que elas próprias mandaram?

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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