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Suzane von Richthofen: o Brasil (e o Direito) em uma notícia

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Suzane von Richthofen sozinha é capaz de explicar o Brasil. O difícil é explicar para (a) os não-brasileiros e (b, num nível muito mais difícil) para os intelectuais, universitários, jornalistas e a classe falante do país. Esta é tão teimosa em sua cegueira que nunca conseguirá entender meio palmo diante de seu nariz.

Suzane von Richthofen, mandante do assassinato dos pais, deixará a cadeia em Taubaté (SP) por saída temporária graças ao Dia das Mães. Ela, que assassinou a mãe, sairá da cadeia neste mesmo dia. Suzane também terá indulto no Dia dos Pais, além de outra 4 datas.

Qualquer brasileiro entende um bocado sobre o próprio país, por mera questão de sobrevivência, acostumado a lidar com a violência endêmica em um país que é violento por ter uma moral ruim e ainda depauperada numa época revolucionária. Qualquer intelectual tem uma teoria pronta, que afunila a realidade para cair em alguma explicação para justificar poder político, como “desigualdade social”.

Suzane von Richthofen é o protótipo (biótipo, fenótipo e estereótipo) do que a esquerda chama hoje de “coxinha” (o “burguês” do tempo de nossos pais e da infância de muitos). Menina rica, loira, de boa aparência, sobrenome germânico. O von de seu sobrenome, por sinal, não esconde ser uma família da aristocracia alemã, tendo um expoente como o “ás dos ases” da Primeira Guerra, Manfred von Richthofen, entre seus antepassados.

Desprovida de uma moral, apesar de certamente ter toda a educação necessária (dos instrumentos materiais e até do plano centralizado de matérias permitidas pelo MEC), von Richthofen mandou seu namorado e o irmão dele, os irmãos Cravinhos, matar seus próprios pais, cobiçando sua herança, que poderia ser dividida pelos três.

O discurso repetido por 11 em cada 10 especialistas em segurança, sociólogos, políticos, acadêmicos e burocratas brasileiros cuidando do Estado e da opinião pública é o de que a desigualdade social é o principal fator para a criminalidade (como se não possuir algo fosse, sozinho, motivo para assassinatos em troca de um celular ou uma bicicleta). Os fatores secundários elencados pela imprensa são, via de regra, os temas da nova esquerda da década de 60: racismo, homofobia, machismo.

Suzane era rica. Seu namorado e seu cunhado não eram. Os Cravinhos, aliás, não eram tão distantes do estereótipo do que, na falta de um termo menos ultrapassado do que “proletário”, a intelligentsia brasileira considera que sejam as classes pobres que, num determinismo absoluto, têm mentalidade coletivista de rebanho urbano, sindical e apoiador de políticos populistas. Apesar de não serem exatamente pobres (o outro irmão praticava aeromodelismo), Cristian era usuário de drogas na época do crime e, sem fugir muito ao clichê, virou evangélico na prisão.

Pela clave da desigualdade + racismo, a opinião pública iria atenuar o crime de Suzane, a mandante alemã, e criticar fortemente o crime dos Cravinhos, os executores. Pelo contrário. L’opinion publique, esta força de dominação desde a Revolução Francesa, se horrorizou muito mais com a loira rica do que com os irmãos assassinos.

Pelo contrário: o povo brasileiro, não muito estudado, mas dono do famoso senso comum de Thomas Paine, tão incomum a nossos intelectuais, pensou pela clave do repúdio à violência, da família e do mal, ao invés do fatalismo tão pueril da Academia. O “Não matarás” e o “Honrar pai e mãe”, o bem contra o mal e o certo contra o errado valeram muito mais do que os mistifórios sobre desigualdade – que são daqueles dependentes. O determinismo materialista se mostrou apenas uma idéia sem materialidade.

Aliás, pela clave da desigualdade e dos -ismos e -fobias apendicitários, Suzane nem poderia ter cometido tal crime, já que tudo se resolve com educação e riqueza é sinônimo de não cometer crimes, mormente os de sangue. Não há mal para estas pessoas, há apenas pobreza e falta de dinheiro “dado” por políticos tirado de outras pessoas.

O que choca no dia de hoje, ao se saber que Suzane von Richthofen sairá da cadeia justamente no Dia das Mães, é o simbolismo do ato. Que mãe Suzane vai ver? Gastará seu fim-de-semana chorando copiosamente a mãe no cemitério, soluçando prantos de arrependimento por dias seguidos? Símbolos, afinal, agregam muito mais significado do que cabem em palavras simples. Não são mera ilusão: são os tradutores da realidade para a mente humana.

O grande problema é que o brasileiro crê em invencionices fora de propósito. Por exemplo, que o Brasil é o país da informalidade, da alegria, que aqui tudo se resolve com um sorriso e a busca de um acordo mútuo informal. É um símbolo, uma crença coletiva, que não se traduz na realidade.

Pelo contrário: somos o país do formalismo barato. Dos cartórios e dos funcionários públicos, do Direito positivo e da burocracia sem limites. Aqui a forma vale muito mais do que a substância. Como dizia o finado ministro da Desburocratização Hélio Beltrão, o brasileiro acredita menos no cadáver e mais na certidão de óbito.

Aqui, vale o formalismo: se há indulto de Dia das Mães, dar-se-á o indulto igualmente, inclusive para as presas que, o tempora, o mores, estão na cadeia por terem assassinado suas próprias mães. Um sistema social baseado na alma, e não apenas na pele, como definido por Nassim Nicholas Taleb em seu imperdível livro Antifrágil, faria os juristas questionarem a justiça de deixar a alma de uma mãe assistindo este espetáculo.

Não há justiça neste país, apenas Justiça, esta curiosa palavra que perde força ao ganhar o inicial maiúscula por indicar a instituição.

Ao contrário do que é dito, além de a desigualdade não produzir crimes e os crimes serem uma questão do mal, e não da economia, nossa “informalidade” se dá apenas em relação ao decoro público e à proteção da gramática da língua. De resto, somos um povo formalista, chato, pedante, viciado em firulas e documentações, em cortesias de tribunais, ao invés de buscar, antes da forma, a substância e o conteúdo.

Qualquer noção de justiça séria implicaria almejar uma justiça elevada acima de meandros labirínticos de processos burocráticos que nunca significaram justiça, mas apenas a documentação de seus trâmites. Exatamente o oposto do costumeiramente aprendido em faculdades de Direito, tão crentes na graça humanitária e civilizacional do Direito positivo, que nos levará ao Paraíso quando for aplicado direito.

Agora basta perguntar aos críticos desta notícia chocante, a saída da rica Richthofen da prisão justamente no Dia das Mães, se eles são contra os indultos, a diminuição das penas por bons comportamentos, se defendem alguma forma de determinismo no crime que pareça atenuar suas razões para os crentes em abstracionismos acadêmicos, se o Brasil não será mais justo com punições mais rigorosas e exemplares como 9 em cada 10 brasileiros pensam.

Não pergunte sobre a saída à Maria do Rosário, ao Leonardo Sakamoto ou à portadecadeiosfera – estas pessoas apenas se pronunciam quando algo pega bem à sua ideologia tão frágil e cheia de furos.

Suzane von Richthofen acaba, num crime horrendo, mostrando exatamente por que o Brasil é esta eterna promessa não cumprida por nossos burocratas auto-indulgentes – e por que nossos intelectuais, jornalistas, acadêmicos e especialistas só aprofundam os chavões, ao invés de escapar de sua fraqueza de idéias.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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