D. Pedro hoje seria considerado radical de extrema-direita fascista
A independência do Brasil é comemorada pela esquerda. Mas sua causa é direitista: menos impostos, corrupção, burocracia - e um governo menor.
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Uma análise sobre os feriados civis do Brasil deixaria o povo e, sobretudo, nossos intelectuais em estado catatônico. Já falamos sobre o curioso feriado de Tiradentes, que hoje seria um “coxinha” e associado a FHC ou Eduardo Cunha pelo palavreado robótico da academia e da internet. Mas este 7 de setembro, comemorando a Independência de Portugal, faria D. Pedro ser chamado de coisas ainda piores: de extrema-direita até o xingamento favorito da insignificância moderna: fascista.
D. Pedro I pode ser acusado de qualquer coisa, exceto de excesso de inteligência. Ficou marcado pela história como um governante desastrado, cujas ações, via de regra, tinham o resultado oposto do pretendido. Todavia, é difícil crer que alguém hoje ouse criticar sua decisão de declarar independência de Portugal. Parece ser um ponto sem disputa na história, quase como se precisasse ocorrer – ainda mais para uma visão reducionista da simplória marcada por uma ideologia anti-colonialista.
Os motivos que levaram D. Pedro I a uma decisão que foi sucesso de público e crítica, todavia, são aqueles mais criticados pela ideologia da moda: D. Pedro pensava em se livrar dos altos impostos de Portugal, se desvencilhar da corrupção e burocracia portuguesa e ter um governo de menor poder, local, do que um gigantesco governo transoceânico, gerido por burocratas com enorme poder sobre uma extensão de Terra incalculável para hoje – que se dirá para o início do século XIX.
Qualquer um hoje que critique impostos, corrupção e um grande governo sobre muitas pessoas é imediatamente tachado (ou mesmo taxado) de radical. De “extrema-direita”, expressão viciada, cada vez mais destituída de qualquer sentido discernível (e cada vez mais alienígena à direita). Algum analista tentando dar um verniz mais erudito ao seu palpite pode falar em nacionalismo e, daí, em um passo, considerar D. Pedro um “fascista”.
Foi também uma Revolução que engatilhou toda a novela da Independência. No caso, a Revolução Francesa. Por ter acabado com a monarquia francesa (e ser a inspiração para o fim de quase todas as monarquias européias em pouco mais de um século depois), além de instaurar um brutal secularismo e perseguição sanguinária à religião e à Igreja Católica, a Revolução Francesa é tratada ainda como a grande libertação da humanidade do “obscurantismo” do que foi chamado de “absolutismo” por uma frase de Luís XIV. A Revolução que criou as cores da bandeira da França, todavia, foi um morticínio tão brutal que matou em cerca de 8 anos quase uma centena de vezes o que a Inquisição espanhola matou (com julgamento) em 4 séculos – incluindo alguns de seus idealizadores.
Revoluções – de rigueur, golpes de Estado – costumam destruir um sistema político por outro. O que é modernamente chamado de Revolução, a partir da Francesa, é a destruição total da cultura anterior da sociedade, criando-se um poder progressista que impõe uma visão apontada apenas para o futuro. O poder, neste caso, tem mais o intuito de forçar uma ideologia nova, um vício na novidade e a superação ou destruição de toda a tradição, do que em qualquer noção de justiça.
Basta-se pensar como o vocabulário introduzido pela Revolução impregnou nossa visão até hoje, tratando qualquer coisa “progressista” ou “revolucionária” como boa em si, e tudo aquilo que for “tradicional” é colocado como antiquado e “preconceituoso”, próprio do “obscurantismo” dos “conservadores”. Um “atraso”.
O governo de Luís XIV foi chamado de “absolutista”, mas porque sua própria visão era a da unificação da França (em contraposição a reinos fragmentados como o Reino Unido, a Itália e a Alemanha) sob un roi une loi une foi (um rei, uma lei, uma fé). O que a Revolução Francesa colocou em seu lugar foi o primeiro grande totalitarismo nacional: não um rei que seja símbolo supremo do Estado, mas a indistinção integral entre Estado e sociedade. O poder do “absolutismo” parecia o de um vereador perto da onipotência de Napoleão Bonaparte, aclamado hoje por destruir a Igreja.
Se a situação já era terrível, as guerras napoleônicas instituíram o totalitarismo transnacional: Napoleão queria um poder sobre toda a Europa. As palavras confundem historiadores e intelectuais facilmente impressionáveis, como se o poder de Luís XIV e o de Napoleão, por isso, fossem equivalentes. Exatamente pelo contrário: Luís XIV queria um reino separado, com poder sobre seu Estado, separado dos outros, unificado por uma fé. Napoleão queria transformar toda a Europa, de Portugal até a Rússia, em um reino unificado, com poder sobre o Estado e a sociedade fora do Estado, unificado pela fraternité da liderança revolucionária secular.
Apesar de os historiadores terem registrado a derrota militar de Napoleão para o General Inverno na Rússia, já em seu desterro, Napoleão confessa que quem derrotou mesmo seu plano de um poder total a um só homem foi um português: João VI de Portugal, o pai de D. Pedro I.
Num golpe de inteligência tipicamente português, que rende piadinhas até hoje na antiga colônia, D. João VI foge, ou “foge” de Portugal com a família real, vindo se instaurar no Brasil. Parece uma covardia, e não é de se retirá-la da contabilidade. Contudo, a manobra aparentemente simples destruiu o plano-mor de Napoleão: para atacar a família real portuguesa, precisaria torrar todos os recursos que já minguavam nas guerras atravessando o então infranqueável Oceano Atlântico para chegar ao Brasil. Sem a família real in loco, poderia atacar Portugal o quanto quisesse, que não atingiria a cabeça coroada, mantendo todo o reino em obediência a João VI de Portugal.
Um vácuo de poder (de Weber a Lenin, de Jouvenel a Mao, conhecido como um perigo retumbante) que permitiu à Europa saber comparar a liberdade da tradição com a destruição da revolução.
D. João VI voltaria a Portugal após o fim das guerras napoleônicas, deixando seu filho em Terra brasilis. Numa típica intriga palaciana, D. Pedro I, cansado das ordens e dos impostos da monarquia mais burocrática, corrupta e centralizadora (o primeiro Estado Moderno, e o mais inapelavelmente empacado de todos), declara a Independência. Portugal, percebendo a necessidade de modernização e o risco da visão napoleônica de governos gigantescos, ao invés de reclamar, a aceita quase como alívio.
É fácil entender a História com uma visão correta. Todavia, a visão dos historiadores é fortemente ideológica, com tintas tricolores vermelho-branco-azul sempre se repetindo.
Se impostos retirados dos trabalhadores e dados a uma burocracia acachapante e corrupta parecem uma injustiça óbvia, basta, lá como cá, de uma ideologia que faça os súditos acreditarem que o governo lhes faz um favor ao lhes arrancar dinheiro, por esperarem algumas migalhas em troca. O migalhismo político.
A Revolução americana, por outro lado, de “revolução” moderna só tem o nome: mantém, justamente, a tradição de resolução de conflitos pelo common Law e se livra de um governo gigantesco, em troca de uma Constituição que proíbe o governo, e não as pessoas, de fazerem coisas. Ela se volta contra o que os americanos até hoje chamam de big government: um governo gigantesco, com burocracia interminável, crendo que “dar” coisas “públicas e gratuitas” para as pessoas através de impostos é melhor do que deixá-las usar seu dinheiro conscientemente, controlando seus próprios gastos, ao invés de se perderem na gerência invisível de burocratas.
O big government é o que faz com que pessoas acreditem que impostos são boas coisas. Curiosamente, o primeiro big government foi o Estado alemão também unificado de Otto von Bismarck, na Alemanha: um Estado grande, que unifica vários reinos menores, e garante ao povo o que hoje chamaríamos de Welfare State, de Gemeinwirtschaft (a “economia social”) ou, como é comum em português, de “Estado de Bem-Estar social” ou “social-democracia”.
Não chama a atenção, para quem conheceu a história real (longe da História dos livros do MEC), que a Alemanha de Otto von Bismarck é uma das principais influências de Adolf Hitler, para criar seu Terceiro Reich da Alemanha nazista, sob partido único. O nacional-socialismo alemão perdeu para o socialismo internacional justamente por ser nacional: não havia como uma única nação (apesar de um Estado totalitário, ainda assim uma única nação) ganhar do socialismo imperialista.
Contudo, quem deseja Estados pequenos hoje, como o que nos legou D. Pedro I, é, justamente, chamado de fascista, sem se saber o que a palavra significa. Basta-se lembrar do caso Brexit: a saída do Reino Unido da União Européia, preferindo-se poderes locais diminutos e facilmente controláveis ao Estado gigantesco, burocrático e feito de decisões invisíveis da União Européia (quem “elege” as infinitas comissões de saúde, educação e tantos assuntos da UE?).
Todos os seus apoiadores foram chamados, ironicamente, de “fascistas” e de “extrema-direita”, por analogia infeliz com um “nacionalismo” (não necessariamente presente no Brexit). Já o Welfare State obrigatório da UE, sua burocracia, sua corrupção, seu big government – nada disso mereceu ser chamado de “fascista”. A grande diferença seria justamente outro ponto fraco da UE: seu internacionalismo globalista.
Da Revolução Francesa à União Européia, do Brexit à Brasília, da Independência brasileira de impostos ao impeachment, o vezo brasileiro em querer dirigir a sociedade por burocratas “sociais” vestidos de vermelho, a história realmente se repete, mas primeiro como tragédia, e depois como farsa: D. Pedro I, hoje, ao nos legar liberdade, um fôlego burocrático e nos livrar de impostos e de corrupção hoje seria chamado de coxinha, de “extrema-direita”, de fascista. O lema, hoje, pergunte a qualquer petista ou black blocker, é “impostos ou morte!”
A esquerda definitivamente deveria trabalhar no 7 de setembro.
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