O que quer Marcelo Freixo? (e por que o Rio vota tão mal?)
Dificilmente Marcelo Freixo, candidato do PSOL à prefeitura do Rio, sagra-se vencedor. O plano do PSOL é muito mais cultural do que eleitoral.
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O candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, arrisca a finalmente fazer o PSOL não apenas abandonar a base de apoio ao PT no Legislativo, naquilo que ficou conhecido como Bancada da Chupeta, como gerir uma das cidades mais importantes do país.
As análises variam do Apocalipse à transformação do Rio numa festa de DCE ininterrupta, regada a drogas, música ruim e a criminalidade mandando na população trabalhadora indefesa. Com efeito, se há um resultado das eleições municipais de domingo que foi um freio ao otimismo anti-petista (e anti-esquerda) no país, foi ver Marcelo Crivela e Marcelo Freixo disputando o segundo turno das eleições cariocas.
Há, todavia, uma espécie de razão para otimismo. Flávio Bolsonaro, do PSC, encarnando uma espécie de direita mais verdadeira e menos dócil à pasteurização do jornalismo, que nunca pode descrever a realidade sem fazer concessões à polícia censora do politicamente correto, se saiu muito bem, para quem foi atacado por todos os grandes veículos de imprensa do país, com o voto útil promovido pelo Datafolha como maior inimigo.
Mais jovem, com 35 anos, Flávio Bolsonaro é realmente o candidato promissor. Marcelo Freixo, bem ao contrário, parece estar em seu zênite em 2016, sem possibilidade de se sagrar melhor futuramente.
Para quem tanto quis entender a cabeça do eleitor carioca, basta-se pensar como eleitor carioca. A cidade parece ser a pior capital do país para se votar. Parece haver sempre a disputa entre um líder de igreja evangélica de gosto discutível mancomunado ao PT em nível federal, um comunista e um ultra-corrupto. Marcelo Crivela, Marcelo Freixo e Jandira Feghali apenas seguem o script de Eduardo Paes, Chico Alencar, César Maia, Benedita da Silva, Cidinha Campos e o pior político da história do país, Leonel Brizola, concorrendo ainda em 2000.
O voto no “menos pior” não é tão claro no restante do país quanto para o pobre eleitor carioca. Trata-se de menor rejeição, e não de aprovação. O único partido que acabaria com tal ciclo seria o PSOL de Marcelo Freixo e Jean Wyllys: partido galeroso, com militância e crentes bem mais fanáticos do que os de Crivela, pululando na pletora de Universidades públicas do Rio (UFRJ, UERJ, UFF e UniRio).
Ainda assim, está no eterno segundo lugar, mesmo com toda a mídia carioca e brasileira fortemente contrária ao “obscurantismo” dos evangélicos, dos Bolsonaro e enaltecendo toda a política de Marcelo Freixo, sobre drogas, gays, criminosos “sociais” e tudo o que Freixo e o PSOL criticam na Rede Globo, mas a Rede Globo defende neles.
Mais do que isso: as chances do PSOL vencer, tanto no Rio de Freixo quanto na Belém de Edmilson (sobrenome não-identificável) são pequenas, sobretudo no Rio. O futuro de Freixo, muito provavelmente, é voltar ao legislativo, criticar os desmandos no Rio pela retórica “poderia ser diferente comigo” e voltar ao segundo lugar em 2020. Sem precisar prestar contas de seu discurso, fica na confortável posição de quem pode propor soluções mágicas, variando de legalização das drogas à anistia aos jovens criminosos (proposta recusada pelos colombianos em relação às FARC neste mesmo domingo), e viver no mundo das idéias platônicas, virginal ao contato com a realidade e os problemas morais e funcionais de sua aplicação.
Essas eleições foram uma espécie de teste de força para o PSOL: testar se suas idéias as mais radicalóides, as mais de extremíssima-esquerda, as mais adolescentes sonháticos e revoluças de zona sul, conseguem algum apelo pela população. Como mostram os números, a zona sul Rede Globo festa com drogas hedonismo funk inconseqüência DCE feminismo ativismo travesti as acatam. O povão zona norte vota em Carlos e Flávio Bolsonaro, enquanto Marcelo Freixo e seu discurso pobrista, que só vê pobre na vida no programa da Regina Casé enquanto grita “Globo golpista”, ganha votos no Leblon.
Como bem explica Carlos Kramer, há uma dissociação absoluta entre discurso e realidade da esquerda que se revelou nessas eleições (como analisamos aqui):
Não importa quantas favelas ou periferias (que palavra mais paulista) o Freixo visite, ele sempre parece um alienígena nesses lugares, como um daqueles gringos que visitam a Rocinha num carro de safari. Nem todo marketing politico do mundo consegue disfarçar que ele é DCE da federal, que ele é praça São Salvador, que ele é o candidato GNT. Ele representa o jovem de classe média da zona sul aborrecido com a própria condição de burguês e cujo ideal estético é uma mistura de Zion (aquela cidade de Matrix) com Amsterdã.
Eu fui obrigado a ouvir todo um comício do Freixo. As preocupações ali são “cisnormatividade”, machismo, veganismo, permissão estatal para usar drogas, tudo regado a muitos “Fora, Temer”, romantismo guevarista e arrogância política. Pode até ser que uma ou outra preocupação desse pessoal seja mesmo pertinente. Mas é tudo muito distante do homem comum, do popular, do arroz com feijão, do atropelamento de carrinho de compras no Mundial e da corrida maluca para sentar na linha 2.
Talvez eu quebre a cara, mas tudo isso me faz crer que Freixo dificilmente deixará de ser um político de nicho, ou seja, dificilmente se elegerá para um cargo executivo, apesar de sempre — e justamente por isso — conseguir boas votações para cargos legislativos. Ele não consegue deixar de ser o Freixo.
Assim, a “derrota da esquerda, apesar do Rio de Janeiro” deve ser revista. Talvez a vírgula seja desnecessária, quando tudo o que Freixo conquistou foi pelo que sobreviveu de hegemonia de esquerda feita no jornalismo, na academia, nos “intelectuais” e, sobretudo, nos famosos. Em relação a esta hegemonia, o Rio de Janeiro da Rede Globo, das universidades federais e do carnaval e festa e Chico Buarque sempre vai ter um ranço pró-comunismo.
Não é bem o carioca que vota mal: o carioca só tem políticos piores. A ascensão de uma renovação, naturalmente, é o crescimento inesperado (para a imprensa hegemônica) não de alguns políticos profissionais, cujo único ideário é ter poder, mas sim candidaturas claramente conservadores e liberais, como as de Flávio Bolsonaro e Carmen Migueles, do NOVO.
A preocupação com o PSOL é sempre verdadeira, mas também sempre confusa olhando-se apenas para números eleitorais ou apenas para suas vitórias culturais. É normal que a esquerda, passando a maior vergonha na política e se refugiando apenas em jovens ligados a movimentos estudantis e jornalistas e “artistas” que nunca prestam contas à realidade, tente se reinventar, pós-PT, no PSOL, uma esquerda “pura”, um PT anos 80, um socialismo iPhone, um assistencialismo com aborto e parada de travesti, uma educação com maconha e glórias a Maduro e Fidel, mas não nas eleições. Mas é ainda uma esquerda que só ganha mesmo perto da hegemonia faculdade-funk-ator-putanheiro, não algo que signifique muito ao eleitor brasileiro.
Claro que o projeto Freixo do PSOL é sempre ir empurrando a extremíssima-esquerda para algo “naturalizado”, mais “normal”, tratando cada vez mais qualquer postura de direita ou mesmo centrista como o cúmulo do extremismo, do fanatismo e (oh, ironia) do autoritarismo.
É o que faz a preocupação do partido com hegemonia, ou seja, com uma planificação da sociedade para que todos pensem exatamente o mesmo. Sem a revolução leninista das ruas (com o qual o PSOL flerta, sobretudo através de seu coletivo Juntos!, mas nunca como postura principal), as entrevistas de Marcelo Freixo e Jean Wyllys sempre citam Antonio Gramsci, que busca criar uma hegemonia cultural com pautas facilmente deglutíveis pela população (hoje quase todas baseadas no hedonismo e na adolescência, da hiperexposição de causas LBGT ao “Dia da Maconha: Fumar, Lutar e Legalizar!” de seu site), repetidas por artistas, intelectuais e jornalistas.
Antonio Gramsci até define que o Príncipe maquiavélico moderno, o Partido, pode inclusive
…se apresentar sob os nomes mais diversos, mesmo sob o nome de anti-partido e de “negação de partidos”; na realidade, até os chamados “individualistas” são homens de partidos, só que pretenderiam ser “chefes de partido” pela graça de Deus ou pela imbecilidade dos que os seguem.
De junho de 2013 (“horizontalidade sem partidos”) às novelas da globo, do PSOL “oposição” ao PT até as causas que libertários tomam da esquerda, é tudo sempre o plano de homogeneização social de Gramsci.
Foi o que demonstrou Carlos Andreazza, em brilhante artigo para O Globo, mostrando justamente como a cabeça de Marcelo Freixo, que só enxerga “eficiência” ou não em modelos de ação variando de destruir propriedade a black blockers apontarem rojões contra seres humanos, sem nunca ter algo obscuro, ultrapassado, fanático religioso e autoritário como uma moral, este paquiderme obtuso a atrapalhar a busca por prazer sem conseqüências do psolismo.
O PSOL pode até obter uma vitória local e pontual ou outra, com Freixo ou quem quer que seja. A grande questão continua completamente alheia aos olhos das análises eleitorais: Marcelo Freixo não seria um “prefeito do Rio”, é mais um símbolo de professor alçado a político que já foi personagem do filme Tropa de Elite (e, de tanto ser zoado no primeiro, ao contrário do que seus produtores esperavam, se tornou o pegador da mulher do Capitão Nascimento no segundo). Uma espécie de “PSOL gourmet” para a zona sul do Rio.
Se as causas da esquerda vão sobreviver na cabeça da população que hoje já desconfia da doutrinação de professores mesmo sem um projeto de lei, que desconfia cada vez mais de jornalistas, “especialistas” e intelectuais de gabinete, é a grande questão do país, com pessimismo de cada lado. Sobretudo: se só sobreviverá perto da amoralidade Rede Globo-DCE, ou se conseguirá ser exportada a quem tem preocupações mais urgentes na vida do que o ciclovegantravestiforatemerfeminismomaconhismo de riquinho com “causa social” do PSOL.
Eleitoralmente, todavia, Marcelo Freixo e seu PSOL são apenas um tubo de ensaio e um romantismo da puberdade, um primeiro pé-na-bunda, uma virgindade tardia.
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