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Vote em Hillary: uma santa que nunca falou palavrão

Hillary Clinton é diferente de Donald Trump. É santa, é anja, é freira, é feminista, não fala palavrão, é pura, recatada e do lar. E virgem.

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Hillary Clinton com asas de anjo para a Victoria's Secret

Nunca antes na história da América uma eleição fez com que tantos jornais abandonassem a objetividade, preferindo fazer torcida aberta por uma candidata, como vários fazem por Hillary Clinton.

Dos óbvios New York Times, Los Angeles Times, Chicago Sun Times, Rolling Stone, New York Daily News, CNN e CBS (que constituem 100% daquilo que jornalistas brasileiros chamam de “imprensa americana”) aos extremistas MSNBC e Huffington Post, a surpresa veio de veículos que tendem à neutralidade, como a The Atlantic, que desde 1857 só endossou 2 candidaturas presidenciais – a terceira sendo de Hillary Clinton. O novato New York Observer, fundado em 1987, foi outro que saiu da coxia e deu suporte a uma Hillary Clinton vestida de Mulher Maravilha desde as primárias.

Capa da National Review contra Donald TrumpNem mesmo a diminuta mídia conservadora declarou apoio a seu concorrente Donald Trump, fazendo pesada campanha contra o candidato republicano durante as primárias, como a icônica capa “Against Trump” da revista National Review, fundada por William F. Buckley Jr. e leitura semanal de Ronald Reagan. Mesmo depois de Donald Trump ser definido como o candidato do GOP, importantes colunistas e intelectuais conservadores, como Thomas Sowell, Ben Shapiro, Mark Levin, Glenn Beck, além de algumas das parcas revistas conservadoras como Commentary e Weekly Standard, continuam em forte campanha contra o icônico candidato republicano.

Uma análise superficial, perfeita para criar manchetes sensacionalistas no modelo “Toda a imprensa americana está contra Donald Trump” (ou, reduzindo-se a “imprensa americana” às três primeiras linhas de nosso segundo parágrafo, alardear que “Hillary Clinton vence primárias na Virgínia, segundo imprensa americana”) esconde dificuldades infranqueáveis a jornalistas apressados.

Por exemplo: quantas dessas críticas no jornalismo americano, mesmo à esquerda, dizem respeito ao potencial eleitoral de Donald Trump, quando comparado a outros possíveis candidatos republicanos? Quantas críticas a Donald Trump, ao invés de tratá-lo como o mais radical de extrema-direita maluco e ultraconservador do planeta, o criticam justamente por ter sido do Partido Democrata até há pouco tempo, ter enaltecido Barack Obama e seu Obamacare e ser amigo de longa data da família Clinton, que inclusive estava em seu casamento?

Hillary Clinton anjaA impressão, comungada por 99% dos leitores de manchetes ao redor do mundo, de que Donald Trump é inglês para Primeiro Cavaleiro do Apocalipse, a Peste que trará a Guerra, a Fome e a Morte, enquanto Hillary Clinton, a Abençoada, a Virgem, a Santificada, a Escolhida (sobretudo pelo New York Times), uma Anja vestida de azul e concorrendo pelo Partido Democrata contra a Besta Fera do Fim do Mundo.

De fato, a visão de quem lê o noticiário não é exatamente muito diferente desta grotesca caricatura, mais exagerada do que a retórica goebbelsiana ou os desenhos de Tex Avery. Pouco ou nada é sabido sobre Hillary Clinton pela imprensa, que deveria informar algo sobre Hillary, a candidata democrata que, segundo a premissa universalmente assumida e presumida no discurso do jornalismo, é tão empoderada e feminista que não é apenas um Bill Clinton de saias, possuindo alguma suposta independência de seu marido e seu sobrenome.

Curiosamente, quem repete obedientemente tal narrativa tirada diretamente de uma linha de produção fordista de massa é quem se considera crítico, independente, impermeável à manipulação da própria mídia de quem copiou seu vocabulário. Ninguém se sente, digamos, alienado por ostentar e replicar tal verborréia.

Qual o plano de Hillary Clinton para o Oriente Médio? Como Hillary irá enfrentar ameaças como o Estado Islâmico, o Boko Haram? Sabendo-se que a imigração não afeta apenas a economia americana, mas sobretudo facilita o terrorismo, qual o plano “sem muros” de Hillary para a imigração no país mais poderoso e visado do mundo? Continuar como está? Entupir de “refugiados” e pronto? O que Hillary tem a dizer sobre o próprio Bill Clinton ter prometido fortalecer a fronteira com o México na década de 90, forçando o PolitiFact, também torcendo por Hillary, a um dos mais hilários fact-checking desta campanha (“não era um muro, era uma cerca”)?

Como ficará a relação com Israel, único país livre do Oriente Médio, tão estremecida durante a gestão Barack Obama? Como Hillary Clinton lidará com a Autoridade Palestina e o Hamas, digladiando-se entre si pelo controle do território palestino antes mesmo de seus atentados terroristas contra o povo israelense?

O que Hillary pensa sobre o livre mercado americano, se parece que, diferentemente de Bill Clinton, tem uma tendência muito mais controladora e reguladora da economia, como se vê por seus elogios recentes a Bernie Sanders?

Qual a opinião de Hillary sobre a feroz crise na saúde americana, que getrou o programa assistencialista extremamente criticado Obamacare? O que Hillary pensa sobre o elevadíssimo custo da saúde americana, além de financiar com o dinheiro do pagador de impostos a Planned Parenthood, entidade que promove abortos, sobretudo em bairros negros?

Hillary Clinton na Arábia SauditaQue tal a OTAN e a política externa, em um país cuja política é quase externa por definição? Como Hillary enxerga o mundo? Pretende fortalecer o tratado militar com a Europa? Pretende diminuí-lo? Qual a alternativa? Com quem Hillary pretende aumentar o comércio? Hillary vê a América como polícia do mundo, ou após apoiar e votar pela Guerra do Iraque, hoje prefere a visão não-intervencionista em relação a países perigosos, preferindo a intervenção econômica no povo americano?

Ainda que Hillary Clinton possa ter uma opinião ou outra sobre tais temas, simplesmente nada disso é encontrável pelas notícias que pululam em tom de desespero sobre as eleições americanas.

O que se vê são apenas referências a quanto Donald Trump… bem, não quanto suas políticas são ruins (seu plano para a OTAN, por exemplo, soa quase genial para revitalizá-la para a geopolítica global do século XXI), mas sim para quantas vezes soltou a palavra fuck em um discurso. Ou o quanto seu plano de restringir a imigração de países promovendo terrorismo é “islamofobia”. Ou que seu plano de fortalecer a fronteira com o México exatamente como Bill Clinton pretendia (ah, ok, com “uma cerca”, no caso de Bill), é “racismo”. O quanto é “machista” por não ter tantas mulheres em seu staff quanto homens (nenhum comentário sobre a média salarial das mulheres na campanha e na Clinton Foundation ser menor do que a dos homens). E, claro, tentando forçar suas falas para parecerem “fascistas”.

https://twitter.com/mafiasumers/status/785586881123659777

https://twitter.com/pedroandradetv/status/757778170376495105

Uma rápida busca pelas críticas a Donald Trump e por que todo o jornalismo mundial, ao invés de fazer concorrência, reproduz em uníssono o mesmo discurso, não vai encontrar mais do que a repetição destas 3 palavras: racista-machista-fascista. Não se vê no jornalismo uma crítica ao seu projeto de OTAN. À sua forma de lidar com o terrorismo. À aplicabilidade de sua visão de negócios para criar trabalhos na América. A nada concreto, além de “declarações polêmicas” de um candidato boquirroto.

Os jornalistas tentam colar uma imagem de um extremista extremíssimo em Donald Trump, tendo como premissa menor oculta uma Hillary Clinton que, apesar de ninguém saber o que defende e por que deve ser presidente da América além de levar adiante o sobrenome de seu marido, é o supra-sumo da moderação, da retidão, do que o mundo precisa.

Bem ao contrário do que planejam, o resultado, muitas vezes, é oposto, como mostrou a própria revista brasileira Imprensa: quanto mais a mídia tenta criticar Donald Trump como alguém sem freios na língua, mais ele cresce nas pesquisas. É o efeito que Nassim Nicholas Taleb chama de “antifrágil”: algo que não apenas se mantém robusto diante do caos, mas se torna ainda mais forte do que era quando é colocado na aleatoriedade ou em confronto.

Depois de 8 anos anódinos de Barack Obama, que sai com a popularidade em frangalhos (fato tampouco comentado no jornalismo brasileiro), a imprensa chic da rica Manhattan apresenta Donald Trump como um caçador de oportunidades bem american way of life, que fala grosso e não disfarça seus pensamentos naquilo que Ezra Pound chama de “linguagem de diplomata”, sorrindo diante das câmeras, mas preparada para apunhalar pelas costas assim que não houver testemunhas.

Em um futuro marcado pelo terrorismo e pela islamização do Ocidente, talvez seja exatamente isso que a América e o mundo precisem: de alguém sem medo da patrulha da polícia política politicamente correta. Ou algum problema concreto do mundo vai se resolver se levarmos a sério a verborragia afrescalhada dos jornais falando em “islamofobia” ou chamando qualquer coisa de machismo, racismo e fascismo?

Como perfeitamente diagnosticou o radialista Dennis Prager, talvez o problema não seja o que Donald Trump fala. O problema maior, para quem vive no Planeta Realidade, seja saber se Donald Trump, exatamente ao contrário do que torcedores noticiam como se fosse jornalismo, vai mesmo fazer o que diz fazer e se é mesmo a pessoa capaz de falar grosso com terroristas, cuja única linguagem universal que reconhecem é a força.

Hillary Clinton de biquini, posteriormente coberta por uma burcaOs escândalos de Hillary Clinton são no todo desconhecidos do Brasil – os mais sérios, como suas mentiras sobre o atentado terrorista de Benghazi, no qual foi diretamente responsável, nunca foram mencionados pela mídia nativa, que apenas copia o editorial do New York Times. Os mais complexos, como os vazamentos dos seus e-mails com segredos de Estado que podem ter colocado muitas vidas em risco ao redor do mundo, são tratados como questões de somenos importância. Hillary Clinton, a simplicíssima, continua virginalmente imaculada.

A quem os desconhece, ouvir nosso podcast com o colunista Alexandre Borges comentando as eleições americanas é fundamental para inverter a narrativa corrente sobre a América.

O mais recente escândalo foi a divulgação de um vídeo privado de Donald Trump, há mais de 10 anos, em que se gaba com um amigo sobre seu poder sobre as mulheres. Trump diz que não é um assediador (repetindo: Trump diz que não é um assediador), mas que gosta de pegar mulheres pela… e aí usa o pesadíssimo termo pussy para o órgão sexual feminino. No Brasil, a imprensa já se refere a Trump como o “bolinador”.

Apesar do tom pesado e de mau gosto da conversa, não está nada muito distante da realidade de 99% das conversas masculinas no século XXI. Aqueles mesmos que acham que a castidade é coisa medieval, criticam Trump por sua impureza.

Hillary Clinton, novamente, aparece como uma Virgem Imaculada rediviva. Pouco importa que, em contrapartida, tenha rido ao narrar como um cliente seu, estuprador de crianças, tenha enganado o detector de mentiras. Ou da perseguição que ela própria protagonizou contra as várias (quase duas dezenas) de mulheres que acusam Bill Clinton de estupro (Monica Lewinsky e Paula Jones à parte). Quando Donald Trump conversa com tais mulheres em resposta ao uso político que Hillary faz, a imprensa divulga o fato como novos “ataques” de Trump a Hillary. And so on.

Nada nestas eleições é feito para discutir propostas, para analisar se o país deve dar uma guinada brusca de volta para a direita com o novo Donald Trump 2016 ou se deve aprofundar o caminho do radicalismo de esquerda e manter por 40 anos uma Suprema Corte abarrotada de progressistas (o Brasil poderia ser mostrado como tubo de ensaio).

Hillary Clinton com asas de anjo com a bandeira americanaTudo é feito para ver o que pega bem, o que pode e não pode pelo crivo do jornalismo progressista dos riquinhos de Manhattan. Donald Trump cada vez mais é o radical, tornando tudo aquilo que é normalíssimo na América e no mundo de um extremismo inconfessável, que não pode ser afirmado em público. Hillary Clinton, com escândalos inúmeras vezes piores nas costas, indo de vidas abandonadas, mentiras ao Congresso e proteção de estupros, é a moderação em pessoa. Mais do que isso, a salvação: a grande Anja que, glória, glória, nunca falou um palavrão na vida (mesmo que tenha dado um Forward em um e-mail que chama seus adorados muçulmanos de “sand niggers”).

Hillary Clinton, para o jornalismo e para 99% dos brasileiros leitores de manchetes, que buscam se impressionar e tentar trazer alguma emoção para suas vidas com uma aparência de emergência em palavras, possui freios na língua. É quase, vamos dizer, uma Marcela Temer. Mas Marcela Temer, para o jornalismo e os leitores de manchete do Brasil, é alguém pouco admirável por ser recatada, por não falar palavrão, por viver à sombra do marido. Ou seja, precisava ser mais Donald Trump.

O maior problema não é a ignorância, sempre dominante na história mundial. O maior problema é que quem cai nessas bazófias criadas por jornalistas se julga muito inteligente e difícil de tapear, ao contrário dos “caipiras” que seriam o grosso do eleitorado republicano.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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