Venezuela é uma ditadura. E seus apoiadores no Brasil?
A Assembléia Nacional da Venezuela considera o regime de Nicolás Maduro uma ditadura. Chamaremos seus apoiadores de "defensores de ditadura"?
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A Assembléia Nacional da Venezuela, o equivalente Congresso do país, decretou em sessão extraordinária neste domingo que o país está sofrendo um golpe de Estado, formalizando o que todos já sabiam: que o ditador Nicolás Maduro está destruindo a Constituição e as leis do país, que agora é formalmente uma ditadura.
Não é grande novidade, desde os seguidos golpes que seu antecessor e mentor, Hugo Chávez, tentou aplicar. A novidade é a Assembléia Nacional ter “oficializado” a situação óbvia a todos os observadores.
O que espanta é a falta de espanto do mundo. Como até mesmo o próprio Congresso venezuelano define o regime bolivariano-chavista-socialista de Nicolás Maduro de ditadura, por que a classe falante e comentadora de política no Brasil também não oficializa como defensor de ditadura quem defende o bolivarianismo, o chavismo, o socialismo e os partidos, jornalistas, políticos, blogs, professores, intelectuais e palpiteiros que defendem Nicolás Maduro ou o sistema bolivariano, do qual o PT faz parte, como um todo?
Basta-se pensar no que aconteceria se o exemplo dos exemplos, Jair Bolsonaro, tivesse alguma vez na vida defendido um político, um sistema, um regime, um modelo que não fosse considerado “democrático” por órgãos “democráticos”. Mesmo que Jair Bolsonaro algum dia fizesse uma declaração a respeito do orçamento, ou sobre as eleições, ou sobre pesca, a notícia viria acompanhada de um aposto: “o deputado, famoso por sua defesa da ditadura”, ou “em mais uma declaração polêmica…”
A cultura brasileira, que permeia o discurso político, é em força máxima o que chamamos de inconseqüente: não sofre conseqüência nenhuma pelo que defende – desde que seja o que jornalistas, professores e artistas defendam.
A forma como a linguagem molda o pensamento, tema de análises desde Sócrates, e especialmente debatida no século XX da lingüística, do estruturalismo e da hermenêutica, é o que permite que algumas idéias as mais absurdas possam ser defendidas e aceitas com normalidade, enquanto outras, muito mais moderadas e prudentes, sejam tidas como radicais, controversas e discutíveis, exigindo coragem tão somente por serem aventadas.
Vide como O Globo noticia que a sessão da Assembléia foi invadida por uma milícia chavista para interromper sua conclusão: “Grupos que opositores afirmam ser de seguidores do governo invadiram o Parlamento, e interromperam o debate, enquanto agentes de segurança tentavam contê-los.”
É preciso filtrar o fato dizendo que “os opositores” do regime chavista é que definem que os invasores são seguidores do governo? Quem mais iria invadir a Assembléia no momento exato em que se discute que o governo é uma ditadura? Por que o filtro? Ele seria usado na mesma situação, se se invertesse a balança entre agressores e agredidos?
Curiosamente, é a esquerda que escreve manuais e manuais de como encontrar um “discurso dominante” que a impeça de ter sua hegemonia totalizante, como Discurso e Poder, do lingüista Teun van Dijk. Toda a disciplina de Análise do Discurso, tão dominante (e hegemônica) em cursos de comunicação, é baseada nessa patrulha por críticas subjacentes à esquerda marxista.
Entretanto, após décadas bebendo teoria crítica e patrulha ideológica em faculdades, quanto se critica a esquerda hoje em jornais? Quantas cobranças existem a quem defende uma ditadura? Quantas perguntas incômodas são feitas a políticos por seu apoio a totalitarismos brutais? Quantos artistas são questionados por seu apoio a sistemas, governos e idéias que causam fome, doenças, morte e mesmo guerras?
Será que chamarão o Levante Popular da Juventude, o mesmo que protestou contra o atentado islâmico numa boate gay na… Catedral Católica da Sé, grupo supra-partidário do movimento estudantil brasileiro, sempre de “defensores de ditadura”, ou o epíteto vale apenas para quem exige punição para terrorismo de esquerda?
https://www.youtube.com/watch?v=ZlOUE6yB6Jg
Vamos lembrar da carinha meiga de Luciana Genro, Ivan VAlente e Randolfe Rodrigues, do PSOL, no blog do coletivo estudantil MES (uma concorrência interna do partido ao Juntos!), olhavam admirados para Maduro discutindo as dificuldades em se “avançar a Revolução Bolivariana” para instaurar a ditadura do proletariado de vez?
A mesma Luciana Genro que, em 2016, mudaria o discurso ao ver a ditadura socialista defendida por seu partido matando e deixando a população à míngua na Venezuela, por estar concorrendo à prefeitura de Porto Alegre, como lembrou o Implicante:
Que tal Igor Fuser, professor universitário que afirma “Eu acho ótimo que o Brasil vire uma Venezuela”? Sua retórica, sem surpresa, é completamente baseada em criticar a ditadura militar brasileira, enquanto defende justamente o que ela combatia, gerando muito menos baixas em combate e sem fome, destruição e desespero da população não-militante:
Igor Fuser está bem acompanhado de outros bem falantes da esquerda brasileira. João Pedro Stedile, o líder do MST, o “teólogo” Marcelo Barros, Nalu Farias da Marcha das Mulheres, o economista Theotônio dos Santos, Paola Estrada, do ALBA Movimentos, o escritor Fernando Moraes ou uma tal de Iridiani Seibert, de um tal Movimento de Mulheres Camponesas, defendendo o chavismo neste vídeo:
Ah, claro. Faltou uma pessoa a ser comentada como defensora de ditadura. Trata-se de Lula, que nunca recebe a cobrança e o epíteto dado a Jair Bolsonaro. Afinal, Lula não apenas aparece no vídeo: fez campanha para Nicolás Maduro. Defendeu o projeto único de uma “hegemonia continental” como proposta por José Dirceu para o continente, com sede em Cuba, através do Foro de São Paulo. E também hoje acusa um “golpe”.
Quando Lula e o PT serão chamados explicitamente de apoiadores de ditadura? Por que isso deve ser considerado um pensamento “radical”, “extremo”, até exagerado, se é apenas um pequeno dado da realidade e do óbvio ululante?
A única forma de termos um contato com a realidade nesse país é tendo um discurso minimamente sadio, que reflita o que a realidade é, ainda que “pegue mal” para jornalistas, professores, artistas, palpiteiros e a classe falante. Pode parecer óbvio agora: mas quem contará essa história às futuras gerações irá contar quem apoiou essa ditadura hoje ou será mais uma vez um socialismo que foi “traído”?
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