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Juca Kfouri e a monomania do Brasil

O jornalista Juca Kfouri compara a agressão de torcedores do Fluminense a alguns torcedores do Inter a Bolsonaro. Sem nenhuma razão.

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Juca Kfouri

Juca Kfouri, jornalista esportivo do canal ESPN, comentou o caso já infame dos torcedores do Fluminense que, ao encontrarem uns poucos torcedores do Internacional no metrô, os cercaram, constrangeram e logo partiram para a ameaça física, tão somente pelo prazer da briga.

Não é difícil comentar o caso, que não exige nenhuma dialética, destrinchar alguma dubiedade moral ou entender de filigranas do Direito inacessíveis aos comuns-mortais: eram os típicos maloqueiros de torcida, machões em grupo com o falo alheio, que são repudiados por qualquer um da camada civilizada da população – parcela cada vez mais em declínio.

Mas Juca Kfouri quis fazer bonito. Algo problemático para alguém que quer jogar a vida no very easy, no vomitório de clichês, no aplauso fácil, na modinha do momento: dificilmente sairá algo além do óbvio das massas quando tudo com o que você conta é em satisfazer a média das massas.

Juca Kfouri preferiu fazer uma metáfora, dizendo que via nos torcedores “torturadores”. O pensamento analógico, que funciona por analogias, e não por delimitação de conceitos como no pensamento filosófico, é a última moda de 2016, ano em que basta se comparar uma característica de algo ou alguém para logo chamá-lo de Adolf Hitler. Talvez não seja necessário ter sido torturado na vida para saber a diferença entre tortura e ameaças de agressão física no metrô, embora Kfouri possa muito bem ter dito que são pessoas que torturariam se pudessem.

Mas Kfouri não se agüenta e diz que não se surpreenderia se descobrisse que os torcedores do Fluminense ameaçando um senhor já de idade mais avançada são os mesmos que defendem Bolsonaro. É difícil definir o que têm a ver com bugalhos em termos de filosofia, de verdade, de realidade – mas é facílimo perceber aonde Kfouri quer chegar.

Se você não tem o que dizer, o que comentar, se o caso em questão é muito óbvio, basta gritar “Bolsonaro”. Seja Eduardo, Carlos, Flavio ou sobretudo Jair Bolsonaro, o que importa é dizer “Bolsonaro” e fazer cara de nojinho. É a monomania nacional. Não algo explicável por análises políticas, por algum evento discernível na história, por livros lidos e todo um cabedal de verdades, teorias, valores, fatos e conhecimentos adquiridos com a sabedoria da vida. Pelo exato contrário: é o imediatismo da palavra que funciona. Se quer pegar bem em uma rodinha de pessoas que acabou de conhecer, basta dizer: “E o Bolsonaro, hein?” e começar a fazer amigos, influenciar pessoas e ganhar algum valor de mercado perante as mais bonitas da mesa.

É o rebanhismo, o pensamento de manada: fora palavras também meramente analógicas, sem substância própria, como “machismo”, “homofobia” e mesmo “racismo” ou “fascismo”, ninguém sabe por que você deve odiar Bolsonaro. Mas estão lá, todos odiando juntos, sem nunca se perguntar sobre a verdade dos fatos. Todos parecem críticos, prafrentex e inteligentes quanto menos perguntas fazem. É o famoso flatus vocis, uma flatulência verbal, um nome sem correspondente na realidade, um peidinho verbal para posteriormente culpar os circunstantes pelo mau cheiro.

https://twitter.com/BolsonaroSP/status/808846777805930496

Juca Kfouri apostou nesse clichê rebanhista para simplesmente ver algo reprovável pela maior parte da população – uma gangue de descerebrados musculosos tentando ser maconha em manada – e associá-la gratuitamente a Bolsonaro. O aplauso seria fácil da maioria. Mesmo que, com o tempo, algumas pessoas cansem de ser engrenagens e, mesmo perdendo amigos, passam a pensar sem obedecer o clubinho dos donos da bola.

Seu erro foi simples: não notou que Bolsonaro, ao contrário da torcida de brutamontes, não é o monstro que suas analogias e falsificações da realidade o fazem crer que é. E ao contrário dos maloqueiros, é alguém com aprovação da população. Aliás, justamente da população que clama por segurança, sabendo do risco que é sofrer ameaças físicas de coletivos que se julgam no direito de agredir indivíduos. Se alguém quer votar em Bolsonaro, é justamente por repudiar gente como os galalaus ameaçando inocentes na rua.

Juca Kfouri poderia fazer sucesso em um DCE. Ou na redação do seu jornal. Mas para a população rés-do-chão pegando ônibus e chegando 1 da manhã na periferia, as preocupações são bem diferentes de seu discurso vazio politicamente correto. Por que, afinal, Kfouri não comparou os marmanjões aos vândalos do black bloc que já, inclusive, mataram um profissional do jornalismo no Brasil? Só porque Kfouri, na verdade, concorda com eles?

Afinal, se isso tivesse acontecido com Juca Kfouri, querendo acreditar em valores de esquerda politicamente correta e tratando bandido a pão-de-ló, o que ele faria? Chamaria a polícia?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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