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Inteligência

O que fazem os intelectuais que apóiam Lula? Ganham Nobel, racham átomos, ou só escrevem na Folha?

Mesmo sem a carga forçosamente positiva, o que os intelectuais petistas fazem? Algum livro, filme, idéia – algo intelectual que valha a pena?

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Um grupo de 400 intelectuais escreveu um “manifesto” pedindo para que Lula seja candidato à presidência em 2018. Há uma série de problemas em uma frase deste tamanho que não cabe em menos de 100 frases do mesmo tamanho.

Em primeiro lugar, por que se faz um suposto “manifesto” a favor de alguma coisa? Manifesto a favor de pagar mais imposto, manifesto a favor de corrupção, manifesto a favor de manter tudo como está. São jabuticabas que desafiam a metafísica ocidental.

Pior: por que um manifesto a favor da candidatura Lula? O PT ou enfia Lula goela abaixo do povo, ou não faz nada. Não é que os intelectuais estejam pedindo algo, vamos dizer, difícil: é como um abaixo-assinado exigindo que os membros do partido respirem. A última coisa que afetaria uma candidatura Lula seria que intelectuais publicamente lulistas de carteirinha (alguns, de carteirinha mesmo), pedissem por Lula.

As opções do PT são Lula ou Lula, caso Lula não acabe preso antes disso. Todos os outros figurões do partido estão presos, ou com a mesma moral de um goleiro Bruno (ou menos moral, já que Rui Falcão, presidente da sigla, usa o goleiro Bruno como exemplo superior ao qual pode elevar os membros de sua sigla). Quem seria, não fosse Lula? Maria do Rosário? Gleisi Hoffmann? Paulo Bernardo? Eduardo Suplicy? (sério, é difícil lembrar de quem ainda não está preso, ou de quem já saiu da cadeia.) Gente que hoje faz Geraldo Alckmin parecer o Bon Jovi em carisma.

O “manifesto”, então, é um golpe midiático: fingir que há grandes figuras intelectuais do país, talvez as maiores figuras intelectuais do país, que defendem Lula – logo, o povo também deve defender Lula. Como sempre, são os intelectuais que caem naquilo que Paul Johnson diagnosticou da claque: intelectuais trabalham sempre com o sentimento de que representam as idéias do povo; nada, via de regra, mais longe da realidade.

O foco não pode ser as eleições de 2018, aquelas “Lula ou nada”: é, novamente, um golpe midiático de pessoas mais bem informadas do que o povão de que o risco de Lula na cadeia é real, e como o ordenamento jurídico não depende apenas de lei, mas de política – que, por sua vez, depende de carisma e apoio popular – com Lula nos holofotes e aparentando ser o Deus de uma nação, sua chance de ir para o xilindró diminui. O cumprimento de leis costuma depender do clamor popular, ao contrário do que se pensa.

Segundo problema: por que um manifesto de intelectuais? Intelectuais escrevem livros. Peças. Filmes. Sinfonias. Criações. Chegam a novos conceitos. Reúnem experiências, históricos e leituras e produzem algo de valor universal a partir de seu cérebro. Pensam, extraem idéias novas de idéias antigas. Qual o valor de um intelectual fazendo um abaixo-assinado? Manifesto de assinatura se faz no condomínio pra expulsar vizinho chato. Intelectual petista só consegue mesmo um nome respeitável pela Folha de S. Paulo e pela Globo (aposto que depois xingam as duas instituições de mídia) para se tornar um número, uma assinatura? Ao invés de estar acima das idéias do vulgo, mergulhar na tradição e dela extrair conhecimento e sabedoria, só conseguem, cada um, desenhar o próprio nome?

Terceiro problema: os tais intelectuais, mesmo na definição de quem trabalha com a classe no mundo moderno (Raymond Aron, Thomas Sowell, Roger Kimball, Julien Benda, o já citado Paul Johnson: ou seja, intelectuais são os que trabalham com idéias, não importando se boas ou ruins, sem a carga forçosamente positiva da palavra “intelectual”, tal como “poeta” possui), são o quê? Boa parte ali é ator, músico ou trabalha com cinema. A levar a lista de intelectuais a sério, a Rede Globo produz mais intelectuais do que a USP no Brasil.

Atores e músicos? Não, espera. Ninguém viu a lista, mas todo mundo sabe que Chico Buarque, o Óbvio, o Insurpreendível, está lá. Mas a coisa é ainda pior: na lista, estão… estudantes. Assim, gente que deveria estar preocupada em entregar o trabalho em dia, está assinando uma lista para nós, o povão com contas a pagar (inclusive dos filhos na facul, após escolherem cursos os quais a classe média precisa sustentar, para ser xingada de inútil). Depois nos ensinarão que Lula entende os problemas dos trabalhadores.

Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1744787755833630&set=a.1378860792426330.1073741833.100009072660084

Quarto problema: além de pouco fazerem pela intelectualidade nacional, como é que tantos intelectuais se juntam para cometer um texto com erros gramaticais primários? Se essa turma não consegue trabalhar uma frase, como pode garantir qual é o nosso melhor presidente – tão por coincidência, aquele que mais escalavrou a língua pátria em seu mandato?

Os inteligentões condenaram à eternidade tais palavras: “a possibilidade de, desde já, lançar sua candidatura como forma de garantir ao povo brasileiro a dignidade, o orgulho e a autonomia que perderam.” Se é o povo que perdeu, ele perdeu, não perderam. Graças aos mais cultos do país, a hashtag #LulaPrezidente ficou entre as primeiras do Twitter no Brasil.

Mas, afinal, o problema maior: o que raios essa turma fez, digamos, “intelectualmente”? De valor universal, claro: dizer que são intelectuais do PT é uma redundância. Não há ali um único intelectual capaz de trabalhar intelectualmente, um escritor alto padrão (não precisa ser padrão Thomas Mann, contentamo-nos com qualquer pastiche mal-aprendido de Ariano Suassuna ou Dalton Trevisan) que nos ensine grandes questões, dramas e dificuldades da frágil arte da existência, não há uma única pessoa ali que palpitou aleatoriamente sobre os problemas do país na última década (ou duas, ou três) e tenha acertado minimamente quais são os problemas, medos, inseguranças e tristezas do brasileiro ao sair de casa, ao pagar o contracheque e ao ver os filhos voltando da faculdade.

Como bem diagnosticou nosso Rodrigo Gurgel:

Tive a pachorra de ler todos os 400 nomes de “intelectuais” que assinaram o manifesto pedindo a Lula que apresente sua candidatura imediatamente. Há intelectuais ali, sim, mas, com algum esforço e boa vontade, compõem 30% da lista. E são intelectuais menores, em sua maioria. Há 5 ou 6 nomes de projeção nacional, desses que a esquerda pode ostentar como peças de museu. A lista é uma amostra patética do que restou ao PT: nem Marilena Chauí teve coragem de assinar. Só restaram mesmo figuras medíocres, como Emir Sader ou Leornardo Boff. Mamar nas tetas do Estado, todos querem, mas quando a porta da cadeia abre, bem, aí ficam os loucos e os amigos de botequim.

Afinal, intelectual brasileiro faz outra coisa além de virar um número, de aparecer na Rede Globo, de repetir o discurso da moda que todo mundo discursa (intelectual não deveria, justamente, ir contra os modismos e o pensamento pronto?), viver de verba pública modelo bobos-da-corte e defender bandido?

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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